A carreira de um dos atores mais promissores dos anos 80 chegou ao fim precocemente. Em 1993, prestes a ter as filmagens terminadas, Dark Blood (idem, 2012) teve de ser paralisado e assim ficou por quase 20 anos. River Phoenix, estrela do projeto, falecera 3 semanas antes do fim das filmagens. Em 2012, com a saúde debilitada, o diretor George Sluizer decidiu terminar a obra, libertá-la, ainda que inacabada. Para lançá-la, decidiu completá-la fazendo uma narração das coisas relevantes que aconteceriam. A imagem em alguns momentos fora congelada e a voz em off de Sluizer dizia aspectos do roteiro, concluindo enfim o filme com coesão num tom melancólico. Certamente não ficou como outrora desejaram, a estrutura fora duramente comprometida pelas lacunas e pelo roteiro que já não era dos mais conformes. Mas vê-la finalizada com o esforço de seu idealizador lhe dá uma expressividade homogênea. O último trabalho de Phoenix fora exibido com significativa dignidade.
No deserto do Arizona, numa região esquecida onde testes nucleares eram feitos, alguns poucos residentes levam uma vida sem ambições. No local reside ‘o menino’ (Phoenix) morando junto com um cachorro numa cabana com restos de tralhas abandonadas originadas dos testes realizados pelo governo. Pedaços de mísseis ficam pendurados em volta como um adorno maldito. A solidão dita o ritmo e o clima releva a sensação de abandono. Há algumas histórias que cravam sua rejeição ao homem branco que não deixou saudade por ali, especialmente relacionadas à sua ex-mulher, que faleceu em decorrência de um câncer causado pela radiação. O título Dark Blood vem daí, representando os nativos americanos lidando contra a invasão. Uma das características mais notáveis do projeto é a fotografia, o sol reprimido no escaldante solo. O espaço inteiro desocupado e morto, como um cemitério do tempo.
A história traz um casal de atores, Harry (Jonathan Pryce) e Buffy (Judy Davis), que está em lua de mel passeando pelo deserto quando, subitamente, o Bentley que dirigiam quebra. Uma gambiarra foi feita por um mecânico e o carro consegue rodar mais alguns quilômetros até parar de uma vez, dessa vez longe de qualquer resquício de civilização. E numa estrada a qual, aparentemente, poucos carros circulavam. Há uma crítica bastante sutil quanto ao carro como representante metafórico do avanço de tecnologia, com alguns personagens tradicionalistas queixosos em relação ao avanço da ciência de modo geral. É compreensível, foram vítimas dela naquele contexto. Os moradores locais gozam do carro importado dos atores por ser frágil diante os fabricados nos Estados Unidos.
Parados e ilhados, Harry e Buffy brigam. No cair da noite a mulher observa uma luz distante e decide ir sozinha atrás de ajuda. Ela encontra o garoto e a história penetra numa ótica misteriosa e dúbia quanto ao papel do personagem de Phoenix que manterá o casal sob custódia, promovendo um jogo estranho, envolvendo sedução e tortura. Phoenix é bastante hábil ao dar dualidade nos gestos do garoto sem nome, deixando a cargo do espectador identificar alguns padrões e as funções representadas dentro daquele pequeno núcleo. Buffy representa para ele tanto uma mãe quanto uma esposa, mas nenhuma o satisfaz. Há intrigas inevitáveis que percorrem os desejos dos personagens sob a luz do sexo. Transfigura-se num drama sexual de conotações eróticas sacrificado por cenas que não foram filmadas. A relação se estreita, uma atriz que já fora ícone de beleza tendo posado nua para uma revista vê que não desperta a mesma ânsia de antes. O garoto, interessado, lhe dá a consideração que ela já não gozava mais.
Não se trata de um filme de gênero, mas de representações, equivalendo as duas versões dos filmes O Silêncio do Lago (Spoorloos, 1988) e (The Vanishing, 1993), ambos dirigidos por Sluizer. A tendência é majoritariamente a saída do meio, dissonante ao popular, especialmente com um grande ator em ascensão envolvido transitando em distintos gêneros. Se Dark Blood tivesse sido lançado no anos 90 provavelmente não seria revigorante, é menor que os dois filmes anteriores mencionados. Hoje funciona perfeitamente como um tributo a sua estrela.
Antes da sessão, o diretor presente fez uma metáfora comparando uma cadeira ao seu filme, dizendo que precisava colocar um pé na cadeira que, segundo o próprio, possuía apenas duas, e assim não conseguiria parar em pé sozinha. Seu objetivo era dar algum sentido a obra, ciente de seus problemas e do quanto às filmagens não feitas prejudicou o resultado final. A cadeira parou.
Visto na 37º Mostra Internacional de Cinema de São Paulo
Interessante saber que esse filme foi lançado, pois faltavam apenas duas semanas de filmagens. Uma grande perda para o cinema a morte de Phoenix, e merecida homenagem!