Tinha tudo para dar certo. Um elenco dos melhores, formado por um trio de jovens talentos e de inegável carisma, todos escorados por um dos maiores – o maior? – atores da sua geração; um diretor experiente, também roteirista de seus próprios filmes, e que, mesmo nos fracassos, sempre teve algo interessante a dizer; uma trama contemporânea, que envolvia comédia, romance, relacionamentos entre homens e mulheres e entre pais e filhos, solidão, esportes, e até especulação financeira. A premissa era interessante e até nos permitia imaginar que o diretor James L. Brooks quisesse reviver na Hollywood atual a época das grandes screwballs comedies, algo próximo a Cupido é Moleque Teimoso (The Awful Truth, 1937) ou Núpcias de Escândalo (The Philadelphia Story, 1940). Mas algo deu errado. Bem errado. Como Você Sabe – afinal de contas, o que quer dizer esse título? – é um filme que não funciona em nenhuma das suas frentes. Um filme que nasceu morto.
A narrativa começa nos apresentando Lisa, ainda garotinha (Karsen Skinner). Ela observa um garoto dar os primeiros passos no beisebol. Ou ao menos, tentando. Por mais que ele repita o movimento, o bastão nunca atinge a bolinha no ponto exato. Depois de duas ou três tentativas, o menino desiste. Lisa se aproxima, pega o instrumento abandonado pelo garoto, e na primeira tacada, acerta a gorduchinha em cheio. Ele não se conforma com o êxito da concorrente, chega bem perto da menina e a empurra ao chão. Lisa não reage. Seu espanto não é pela violência que lhe fora imposta pelo agressor invejoso, mas pelo talento especial que acabara de revelar.
O filme avança no tempo. Lisa (agora interpretada por Reese Whiterspoon) já tem 31 anos. O softball virou sua obsessão. Ela integra a seleção americana. Sua presença inspira as outras jogadoras. Ela é uma líder nata. Mas apesar disso, sua idade avançada para a prática do esporte a faz ser mais lenta que as colegas. O técnico sabe que dentro do campo, esses segundos preciosos farão mais falta que o significado moral de Lisa para a equipe. Ele pensa com razão e não com o coração e a corte do time. A vida de Lisa desaba.
Paralelamente, o roteiro abre espaço para George (Paul Rudd), um jovem executivo, que vive à sombra do pai Charles (Jack Nicholson), e que de uma hora para a outra se vê como o personagem principal de uma investigação criminal por supostas práticas fraudulentas praticadas pela companhia. George namora Terry (Shelley Conn), mas ao saber da suspeita que recai sobre ele, a garota arruma uma desculpa e pula fora do barco. Sozinho e na fossa, George aceita a sugestão de uma amiga e telefona para Lisa para um jantar a dois. Só que a essa altura, Lisa está de rolo com Matty (Owen Wilson), um badalado jogador de beisebol, podre de rico e narcisista até o último fio de cabelo. Está formado o triângulo amoroso.
Em seus trabalhos anteriores, James L. Brooks sempre demonstrou interesse em conflitos triangulares. Foi assim em Laços de Ternura (Terms of Endearment, 1983), talvez seu filme mais conhecido e principal vencedor dos Oscars daquele ano, em que um casal (Jeff Daniel e Debra Winger) vive com a eterna sombra da mãe da esposa (Shirley MacLaine). Em Nos Bastidores da Notícia (Broadcast News, 1987), a tensão advém das disputas amorosas entre três jornalistas (William Hurt, Holly Hunter e Albert Brooks). Já em Melhor é Impossível (As Good as it Gets, 1997), os problemas surgem da estranha relação entre uma garçonete (Helen Hunt), um maníaco-compulsivo (Jack Nicholson) e um homossexual (Gregg Kinnear). Em Espanglês (Spanglish, 1994), o choque se dá entre um casal (Adam Sandler e Tea Leoni) e a emigrante mexicana que tenta vida nos EUA (Paz Vega). Em Como Você Sabe, a estrutura é a rigorosamente a mesma. No entanto, se nas obras anteriores Brooks tinha algo a dizer, aqui ele parece não ter uma história para contar. Mais que isso, sua maior habilidade de alternar suas narrativas entre o drama e a comédia, simplesmente desapareceu. Os personagens são desinteressantes. Os conflitos, tolos. E a graça, inexistente. Não sei se é possível classifica-lo dessa forma, mas Como Você Sabe é um filme inexistente.
Considerando que James L. Brooks é o roteirista do projeto, me espanta como ele desconhece a psicologia dos próprios personagens que criou. Suas posturas, atitudes, decisões e ações, são incoerentes com os seus respectivos momentos de vida. Tome-se, por exemplo, Lisa. Por maior que fosse sua liderança em relação às demais jogadoras, é obvio que aos 31 anos de idade, ela deveria ao menos considerar o risco ser cortada. Mesmo assim, Lisa não tinha qualquer Plano B montado para quando esse dia chegasse. Quem sabe, uma outra profissão já engatilhada ou uma vaga de técnica num outro time profissional. Sua vida se resumia ao softball e nada mais. Se o filme desenvolvesse a paixão de Lisa pelo esporte, o público poderia ao menos tentar compreender o motivo que a deixou tão cega por um futuro que claramente já se anunciava. Nada disso. Então, como ficar chocada e deprimida ao receber a notícia do seu desligamento?
Se as atitudes de Lisa perante sua vida profissional soam ingênuas, Brooks erra também ao construir a parte amorosa da personagem. Em primeiro lugar, temos o seu relacionamento com Matty, o jogador de beisebol. Matty é daqueles que vêem nas mulheres apenas duas utilidades: sexo e fazer delas ouvintes dos seus problemas. À noite, quando Lisa pensa em sair para curtir um jantar a dois, ele prefere ficar em casa e ver na televisão a reprise de um seus jogos. Mais que avaliar sua atuação, ele quer que Lisa veja o quanto ele é bom naquilo que faz. Em outro momento, ela percebe que Matty guarda em seu banheiro várias escovas de dentes, todas elas fechadinhas, novinhas em folha, e destinadas às outras mulheres que frequentam aquela casa. Não bastasse esse exemplo, Matty reserva para as suas amantes várias roupas cor-de-rosa, de diversos tamanhos, e que devem ser entregues de manhã, de modo que elas não saiam do seu apartamento com o mesmo figurino do dia anterior. Lisa é alvo de toda essa humilhação e, mesmo assim, aceita a condição de mulher objeto passivamente. Pior que isso, a certa altura, ela se arrepende de ter terminado o namoro e pede desculpas ao seu parceiro pelo gesto precipitado. Ainda que eu possa admitir a existência de mulheres que ainda aceitem – ou até preferem – a condição de eterna coadjuvante, não me parece que a personagem de Lisa, por mais deprimida que estivesse em função do seu corte do time de softball, teria esse tipo de comportamento.
A relação entre Lisa e George também não se explica nem se justifica. O primeiro encontro dos dois é, no mínimo, bizarro. Ele acabou de terminar o namoro e, decididamente, não é a melhor companhia para o momento. Mesmo assim, eles marcam um jantar. Como ela não quer criar falsas esperanças (afinal, seu namoro com Matty está ficando sério), ambos combinam de comer em absoluto silêncio. E é desse jeito, sem trocar uma palavra, sem poder desabafar com sua companhia, que George se apaixona por Lisa.
Mas pensando bem, talvez eu esteja errado. Talvez Brooks tenha querido definir a personalidade de Lisa pela primeira cena, já citada acima. Ao ser empurrada pelo garoto, ela não chora, não grita, não reclama, não revida. Ela olha o agressor sem nada dizer. Ela aceita a violência. Ou em outros termos, ela parece não se importar ou nem mesmo notar que foi alvo de uma agressão masculina. Isso talvez explique as condutas que adota em seus relacionamentos. Nas mãos dos homens, ela vira um joguete, aceitando sua condição de escada para o outro bilhar. O que mais me impressiona, é que ela nem se incomoda com isso. O filme sequer considera a possibilidade de Lisa curar suas mágoas profissionais sozinha. Pelo jeito, James L. Brooks ainda acha que as mulheres somente estarão plenamente felizes e realizadas se tiverem um homem ao seu lado.
Mesmo se deixarmos de observar o filme pelo ponto de vista de Lisa, o filme permanece com erros. Matty, por exemplo, de narcisista e egocêntrico se transforma num homem atencioso, carinhoso e monogâmico. Ainda que isso possa ser tido como uma evolução da personagem, a mudança é muito brusca para ser verossímil. Já George é inocente e abobalhado demais para o aceitarmos na condução de uma grande empresa (ainda que ele seja o filho do fundador). E está claro que sua secretária, Annie (Kathryn Hann), que o consola durante as investigações criminais, não foi criada para ter vida própria, mas sim para servir de contraponto aos diálogos de George.
Os equívocos de Brooks não estão só no desenvolvimento dos personagens, mas também na própria estrutura do filme. Há alguns deslizes primários, como a repetição de cenas inteiras dentro de uma mesma sequência. É o caso da visita de Lisa ao psiquiatra (em que uma piada é dita duas vezes, uma com ela dentro do consultório e outra, com ela fora), o nascimento da filha de Annie (quando a declaração de amor do seu marido fujão é também repetida, após o erro de George no manuseio da câmera), e o ônibus que afasta e aproxima os personagens centrais.
Além disso, a habilidade de Brooks em desenvolver tramas paralelas que enriquecem o eixo central do filme, está ausente aqui. Em Laços de Ternura, por exemplo, os personagens do astronauta (Jack Nicholson) e do amigo de Debra Winger (feito por John Lithgow), intensificavam os conflitos das histórias principais. A mesma coisa se dava com o subplot do cachorrinho em Melhor é Impossível. Em Como Você Sabe, nenhum desses enredos secundários leva a lugar algum. Exemplo disso é a longa explicação da fraude empresarial e da consequente investigação criminal. Também não acrescentam em nada os diálogos de Lisa com sua ex-treinadora Sally (Molly Price).
Numa salada mista como essa, o que dizer do elenco? Com todas as limitações do seu personagem, até que Reese Whiterspoon defende-se bem. Não espere a repetição de sua atuação em Eleição (Election, 1999), talvez seu melhor filme, mas até que ela não faz feio. Reese não é especialmente bonita, nem tem altura para se impor em cena, mas tem timing de comédia e sensibilidade dramática para saber se virar. Paul Rudd parece estar tentando se transformar numa espécie de Jack Lemmon da nova geração: o cara comum, boa praça, simpático, acessível, que poderia perfeitamente ser nosso vizinho. O roteiro não lhe dá maiores oportunidades, mas sua demonstração de paixão por Lisa é bastante sincera e serve de contraponto ao machismo de Matty. Já Owen Wilson é quem se sai melhor. O roteiro lhe reserva as melhores piadas, e o ator as aproveita. Seu jeito relaxado e meio cafajeste de interpretar se adapta bem ao personagem. E a cara lavada com que diz cada frase inadequada e ofensiva nos deixa desarmados. Ele sabe que trata mal as mulheres, mas é como se o fizesse com a melhor das intenções e da forma mais digna possível. Quanto a Jack Nicholson (sim, ele está no filme), há tempos que não se via o ator tão deslocado, tão pouco à vontade, e tão preguiçoso num papel. Nicholson parece ter aceitado o trabalho mais pela amizade com Brooks (é o quarto trabalho da dupla) do que pela crença no material.
Pelos talentos envolvidos, tanto à frente quanto principalmente atrás das câmeras, o resultado final de Como Você Sabe é sim uma grande decepção.
4,0
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