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Críticas

Cineplayers

A nova animação da DreamWorks, apesar de falhar no roteiro, está acima da média.

8,0

Diferente das demais gigantes da indústria cinematográfica que apenas se aventuram pelo gênero da animação, a DreamWorks vem colecionando uma série de títulos de respeito com o passar do tempo: Shrek, sua franquia mais conhecida e que ganhará um quarto filme ainda em 2010; Madagascar, com uma seqüência bem mais interessante que o original; e Kung Fu Panda, uma deliciosa comédia com um primor técnico muito acima da média de mercado. Como Treinar o Seu Dragão, mais recente investida no gênero da produtora, é bem diferente de todos esses: mais maduro, sensível, realista, mas não menos carismático, cativante e trabalhando novamente com a discussão entre a diferença das pessoas (ou espécies).

A história se passa na época bárbara dos Vikings, que lutam contra dragões quase que diariamente para proteger suas terras e crias. Soluço é um jovem desengonçado, fraco, pequeno e enrolado, que sonha um dia ter a oportunidade de, assim como os adultos, caçar os dragões e defender sua vila. Porém, ele não é como as outras crianças, determinadas a seguir os passos dos grandes vikings, e essa característica é agravada pelo fato dele ser filho do líder da vila, o grande inspirador, aquele que não tem medo de nada, Stoicko, O Imenso.

Conhecido por suas inúmeras tentativas frustradas de se enturmar, Soluço vê sua vida mudar quando consegue aprisionar, durante um dos frequentes ataques, um dragão negro, o mais raro e poderoso de sua espécie. Retratado com uma ferocidade absurda (se dragões existissem, provavelmente seriam como são retratados no começo deste filme), ele acaba fazendo amizade com Soluço após este ajudar a curá-lo. Humanos conversando com dragões pode parecer estranho, mas estes seres, dentro de sua mitologia, são inteligentíssimos (muito mais que nós) e o filme não foge disso, retratando-os de maneira competente. Depois que a amizade é firmada, ele se torna praticamente um 'gatinho', inclusive nos trejeitos e na maneira de tratar o 'dono' – só que bem maior e réptil.

Essa inteligência explica a forma como a amizade entre os dois seres mais polarizados daquele mundo acontece. De forma fluente e convincente, ambos se aproximam e, de uma maneira ou outra, aquela improvável relação leva o filme a frente e continua nos divertindo – para as crianças, antes disso a fita pode ser até amedrontadora. Não que seja um defeito: não tratá-las com piadas bobas e imbecis é um dos grandes méritos da animação ao criar um clima de conflito bastante verossímil entre as duas espécies. Em sua metade infantilizada, ainda há ação de qualidade e comédia, que não deixa todo mundo tenso o tempo inteiro, principalmente pelo conflito "do ser" de Soluço no meio em que vive e o modo como as outras crianças reagem aos dragões, contrapondo com o aprendizado mais palpável que Soluço tem sobre os seres, graças a sua aproximação com eles.

Contando com uma técnica realista e bela (perceba como os cabelos dos personagens ficam cada vez mais reais, ainda que suas feições sejam fantasiosas), o filme é inteiramente bonito artisticamente, com uma direção de arte impecável e uma fotografia que deixa tudo ainda mais grandioso, épico, sem nunca parecer frio ou cansado demais. A escala é sensacional, principalmente perto do final, quando um monstro aparece para dar lógica ao argumento. Só que essa lógica acaba enfraquecendo a história e se tornando infantil demais, algo que não vinha acontecendo nos momentos anteriores. A fita é infantil, mas não assume isso até os minutos finais, quando estava "radical" para os jovens e poderia ter se saído ainda melhor se mantivesse a linha.

O roteiro é, ao mesmo tempo, seu trunfo e sua desgraça: na medida em que cria personagens bastante carismáticos, alguns com fortes chances de se tornarem clássicos, erra ao burlar as próprias regras criadas no desenvolvimento de sua história. Um exemplo forte disso é uma particularidade dos dragões, que dizem não poderem soltar baforadas de fogo quando têm suas cabeças molhadas; só que quando é conveniente, esta regra criada é ignorada e faz com que o personagem aja como a ação deseja. Este tipo de erro é comum e talvez até os baixinhos percebam tais furos no desenrolar da diversão.

Mais uma vez discutindo as diferenças e a tolerância que elas exigem, a DreamWorks cria um trabalho competente. Sem entrar em méritos de comparação com a Pixar, é bom ver mais de uma empresa entregando trabalhos cuidadosos e cada vez melhores, mantendo um patamar acima da média e trazendo sempre discussões interessantes para os pais nas saídas das sessões. Dizer que é inesquecível é um exagero, mas pode se tornar o filme da infância de muita criança por aí com sua ternura, ação de qualidade, cenas bonitas e românticas (o passeio nas nuvens é particularmente sensacional). É uma ótima pedida em uma época sem muitas opções. Se possível, deve ser visto em 3D para maximizar suas qualidades e aproveitar os bons momentos criados pelo recurso, que devem ser perdidos na exibição convencional de alguns cinemas ou em sua versão em DVD/Blu-Ray.

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