8,5
De fato não é a coisa mais fácil do mundo escrever sobre um título como Certas Mulheres, independente da admiração profunda que tenho pela sua cineasta Kelly Reichardt. Enquanto homem, por mais sensibilidade que tenha, jamais chegarei no alcance de leitura do feminino em todas as suas idiossincrasias. E se Kelly sempre teve sua visão focada em questões ligadas ao gênero a qual faz parte, seu novo filme é quase que exclusivamente um produto de interesse prioritário feminino, com um jogo que o transporta exclusivamente para o simples e o mundano das relações femininas e seus desdobramentos.
A mulher e a sociedade. A mulher e os relacionamentos. A mulher e seus dilemas. Diante dessa tríade de possibilidades, Kelly constrói um painel do que é ser mulher, da forma como é vista, da forma como é cobrada, da forma como é motivada; tudo isso também com um trio de histórias que praticamente não se esbarram (mas se liguem nos "easter eggs") sobre como o rumo das coisas nos dias de hoje pode ser muito diversificado só pelo ponto de vista da mulher ser acionado. O talento de roteirista e realizadora de Kelly, além do viés dos seus longas anteriores, gabaritam-na a unir sua voz em prol da igualdade.
Uma advogada envolvida num conflito que pode terminar de maneira imprevisível. Uma jovem disposta a construir sua casa com material que não a pertence. Uma fazendeira que se fascina com aulas para adultos, e por bem mais que isso. Está colocada sobre a mesa discussões ao mesmo tempo relevantes e frugais sobre lugares onde muitas vezes o olhar delas nunca teve o devido valor, com resultados obviamente diferenciados sobre aspectos de interesse universal. Com várias jogadas que remetem à contemplação inicial até se colocar enquanto questão primal, o novo longa dessa incrível cineasta é um bem-vindo passo a frente a seu longa anterior (o flerte dela com o cinema de gênero em Night Moves), ao mesmo tempo que parece muito conectado com o cinema que lançou Kelly, mais interiorizado e com um senso de realidade a beira do incômodo.
Laura Dern e Michelle Williams são excelentes como sempre, em expressões corporais que denunciam a estatura de atrizes de porte dessas duas, Kristen Stewart continua sua escalada ascendente pra se provar (com resultados sensacionais), mas o olhar de Lily Gladstone é perfurante. Baseado em contos da escritora Maile Maloy, Kelly Reichardt conseguiu mais uma vez realizar um trabalho imagético impressionante, mas cujo roteiro não só funciona com as questões leves como também vi tamanha sutileza na hora de abordar o macro. Definitivamente Kelly abandona de vez o posto de promissora para se abrir em direção a lugares cada vez mais altos no pódio. Isso tudo sem jamais ser panfletária, estridente ou gratuita; apenas testemunhamos o olhar aparentemente perdido sobre o pequeno nada que nos rodeia.
Visto no Festival do Rio 2016
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