Horror desvairado sustentado por divertidos momentos-chave.
Tanto Caso 39 quanto Pandorum, que chegou há poucas semanas nos cinemas, comprovam acima de tudo que Christian Alvart é um realizador cegamente apaixonado e devotado pelo ficcional, pela força mais extrema que umas delirantes metamorfoses temáticas podem exercer em uma narrativa. Se em Pandorum essa característica acaba levando seu projeto a uns sete palmos abaixo do fundo do poço, em Caso 39 serve como motor de uma montanha russa que faz o filme atingir picos interessantíssimos de força, tensão e divertimento ao mesmo tempo em que é preenchido por situações e engembrações tão imbecis que parecem saídas de um projeto experimental de uma improvável escola de cinema que ensina seus alunos com base em filmes de Peter Jackson.
O ponto de partida é desanimador, com uma assistente social (Renée Zellweger, que na verdade deve assustar mais as criancinhas do que os que as maltratam) tentando descobrir o que acontece com uma menininha estranha e anti-social. Por sorte bastam 20 minutos pra que essa menina esteja dentro de um forno de fogão doméstico sendo assada por seus pais aparentemente malucos e a partir daí a trama dá um duplo-twist-carpado que conduz o filme a uma atmosfera de mistério interessantíssima, que impera por certo tempo e leva a protagonista, à qual uma pessoa normal provavelmente deverá desejar tudo de pior nesse mundo (uma porque é Renée Zellweger, outra porque enfim, é uma mala), a um desvio da realidade.
O grande mérito de Alvart no meio desse surto inconstante é o de conseguir atingir em alguns momentos específicos um belo equilíbrio entre seus diversos pólos de interesse (horror psicológico, horror físico, retrato de traumas, criancinha do demônio, insanidade, imaginário sugando o mundo real etc.) para filmar cenas perturbadoras e, por conta disso e da forma com que se inserem no filme, tão sadicamente divertidas. É especialmente interessante observar como os melhores momentos de Caso 39 acontecem justamente quando o diretor se dá ao direito de negligenciar as barreiras entre o horror físico e psicológico e colocar seus personagens diante de uma falsa realidade que não evapora, que se torna palpável e permanente aos seus olhos e às lentes da câmera (e consequentemente, ao espectador).
Daí que se Renée Zellweger abre um daqueles armários embutidos no meio de um surto noturno e dá de cara com a visão do cadáver de sua mãe ele não some com um piscar de olhos, como normalmente aconteceria em um filme do gênero. Pelo contrário: o cadáver pega e sai correndo desvairadamente atrás dela rua abaixo e debaixo de uma chuva que cai torrencialmente, e esta realidade só se desfaz depois que verdadeiramente acontece algo que a estoure e a esfumaceie pelo ar da noite. Não é uma seqüência isolada já que a própria ideia de vilã parte do princípio de um monstrinho infantil doce e misterioso que torna real os piores traumas das personagens, fazendo com que todas as mortes sigam esta interessante regra, o que demonstra que o acerto já tem início lá atrás, na própria concepção do projeto.
Curiosamente, e talvez por ser um filme tão torto, Caso 39 ficou três anos engavetado - façamos justiça: lá com os próprios produtores, dessa vez o equívoco não foi das distribuidoras nacionais – e passou por algumas modificações antes de ser lançado nos cinemas. Pegou carona de filmes como A Orfã, com o qual parece guardar semelhanças (sinceramente, não o vi, então não sei). É um filme fácil de se detestar, mas mesmo sendo um filme completamente errado traz alguns momentos que mostram em Alvart um cineasta acima de tudo detentor de um desejo intenso de fazer de suas cenas-chave cápsulas de ficção capazes de quebrar qualquer barreira entre espaços e tempos. Se a perdição de Pandorum fosse tão interessante quanto a de Caso 39 (e pelo contrário, a ideia é boa mas cai numa tosquice sem tamanho) teríamos o provável filme B mais divertido do ano saindo das mãos desse alemão que, em breve, poderá aparecer por aí com um filmaço. Ou mergulhar de vez no ridículo, vai saber.
duplo-twist-carpado... 😏
A Orfã é bem melhor Daniel, rs.
Curti o filme, apesar dos clichês.