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Críticas

Cineplayers

Os dois lados de uma mesma moeda.

7,5

Uma das características mais definidoras do cinema do paulistano Ugo Giorgetti é o clima sempre sufocante de seus filmes. Seja essa característica notada nos ambientes limitados aos quais ele muitas vezes recorre (como em Sábado [idem, 1995] e Festa [idem, 1989]), seja apenas na sufocação implícita nas situações que desenvolve em seus roteiros (como em O Príncipe [idem, 2002]), o que há de mais interessante nessa angústia latente é justamente o fato dela acabar promovendo de certa forma a apresentação de um ponto de vista na maioria das vezes cru sobre os assuntos ali abordados. Bastante afiado e ciente do que está apresentando por meio de suas obras, Giorgetti quase nunca toma lados, se limitando apenas a expor realidades sob o ponto de vista de personagens comuns, bastante próximos aos tipos que conhecemos no dia a dia. Por isso não admira que Cara ou Coroa (idem, 2012), seu mais recente trabalho, seja exatamente o oposto daquilo que estamos acostumados a ver em filmes nacionais que falam do período de ditadura militar.

Desta vez não há apenas estudantes revoltados, prisioneiros políticos torturados, embates ideológicos ou violência explícita para a reconstituição do cenário turbulento que se formou durante os anos de ditadura no Brasil. O que há aqui remete às consequências óbvias deste governo que submeteu os brasileiros a um plano cotidiano. Longe dos clichês de sempre, o que Cara e Coroa conta nada mais é do que a rotina de pessoas que simplesmente tinham de lidar com isso - sem o dramalhão de personagens oprimidos, rebeldes ou mesmo alienados. Aliás, é preciso salientar a diferença de um alienado para uma pessoa comum não envolvida nesses conflitos. Os personagens de Cara ou Coroa não são simplesmente alheios aos problemas que acometiam o país, eles apenas seguiam uma vida normal na medida do possível, mas perfeitamente cientes do que acontecia.

Como é dito em determinado momento da trama — “não vai dar em nada, vão acabar andando todos lado a lado” — o que fica claro durante toda a projeção é o lado humano presente na história, não retratando a ditadura como o vilão desalmado nem os revolucionários como vítimas injustiçadas. Há um núcleo familiar e um núcleo artístico, mostrando o ponto de vista de um grupo de atores de teatro – o que de certa forma ganha força sob a lente de Giorgetti, que sabe por experiência própria o que era ser um artista durante essa época.

A trama gira em torno de dois irmãos que desejam seguir a profissão de ator, mas que se sentem duvidosos diante da questão de seguir ou não os revolucionários jovens. Um deles namora Lilian (Julia Ianina), a neta de um coronel aposentado (vivido por Walmor Chagas), que não pode desconfiar de maneira alguma que estão escondendo dois presos políticos no porão da casa dele. Em meio a esses personagens mais humanizados, há uma série de outros personagens tipificados (engajados, religiosos, conservadores, comunistas etc.), que garantem certas doses de humor (e referências a Paulo Maluf bastante divertidas e corrosivas, como somente um paulistano poderia fazer).

E, como não poderia deixar de ser, há o clima sufocante. Desta vez não pelos ambientes físicos, mas pela prisão mental dos personagens, que mesmo que não sejam engajados na luta pelos seus direitos, sofrem com as dúvidas e com o testemunho de fatos revoltantes. A cuidadosa reconstrução de época e a forma como Giorgetti sempre procura retratar São Paulo – uma cidade ao mesmo tempo suja moral e fisicamente (e por isso “apertada”), mas não por isso menos vibrante (e por isso ilimitada) – terminam por contribuir com as ideias que o cineasta procura apresentar. Como fez em O Príncipe, ao abordar o ponto de vista de um brasileiro que renegou seu próprio país e que agora é obrigado a encará-lo de frente mais uma vez, Giorgetti disseca a fundo os pontos de vista de personagens que lembram brasileiros comuns e suas visões sobre as realidades do país – tanto as boas quanto as ruins.

Obviamente, há um tom passadista, e mesmo saudosista, na direção de Giorgetti – uma testemunha ocular dos fatos ali retratados. Mas isso não compromete a veracidade desses fatos, a ponto de amenizar ou romantizar alguns temas apenas pelo seu tom mais humano. Tudo em Cara ou Coroa é devidamente pontuado e jamais covarde ou pueril. Afinal, mesmo trazendo uma abordagem mais realista e longe de clichês, o diretor deixa claro no título que escolheu para seu trabalho que, por mais que hajam diversos pontos de vista sob esse mesmo período histórico, tudo faz parte de uma mesma moeda – de lados opostos, mas inevitavelmente unidos em uma única realidade.

Comentários (1)

Adriano Augusto dos Santos | quarta-feira, 12 de Setembro de 2012 - 08:03

Estou querendo ver muito.
Parece ser a ditadura de que ouço falar,minha mãe,pai,tios,a família que viveu a época.
Eles descnhecem revolução,gostavam da época,nem queriam mudar.O mundo era tranquilo segundo eles.

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