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Críticas

Cineplayers

Um morto muito louco.

3,0
Em pouco menos de 10 minutos de projeção, Um Cadáver Para Sobreviver (Swiss Army Man, 2016) adentra numa cena que dificilmente será esquecida por quem a assistiu: enquanto se desenrolam os créditos do filme, um homem perdido numa ilha deserta usa um cadáver trazido pelo mar como jet ski para passear pelo litoral, residindo na característica flatulenta do morto a origem da propulsão necessária para a realização de tal façanha. Após uma abertura dessas, pouca coisa parece capaz de surpreender, mas ainda assim o filme dos diretores Dan Kwan e Daniel Scheinert reforça a teoria de que nada é tão ruim que não possa piorar. 

Não imagine que essa abertura indica uma insana comédia escatológica e inconsequente. Pelo contrário, Um Cadáver Para Sobreviver usa desses recursos absurdos para tentar forçar um humor infantilóide dentro de um universo totalmente e assumidamente indie, repleto de todos os vícios e cacoetes insuportáveis dos quais tem direito e, portanto, fora de sintonia com esse tipo de esquete. A trama, em algum nível, remete a Náufrago (Cast Away, 2000), trabalho de Robert Zemeckis em que Tom Hanks faz amizade com uma bola para não perder a sanidade, depois de incontáveis dias perdido numa ilha deserta. No caso do filme em questão, temos o aspirante a suicida Hank (Paul Dano), que desiste de se matar depois de fazer amizade com Manny (Daniel Radcliffe), um cadáver desovado na praia que emite vez por outra manifestações de vida.

A sinopse graciosa e engraçadinha não esconde um filme que pretende abordar temas como solidão, comunicação e mesmo o caos das relações modernas. Incorrendo no mais comum vício chato dos filmes indies, os diretores tentam erigir uma poética exaltação da mediocridade pessoal do protagonista, reverter sua condição de looser em uma mensagem sobre aceitação, superação e incentivo a todos aqueles que acreditam que não ter amigos, ou uma namorada, ou uma vida social intensa, sejam os piores tipos de sofrimento possíveis do mundo, que os desqualificam da dignidade de viver. Essa celebração da figura do jovem adulto desajustado e decadente é realçada por uma espécie de humor pré-adolescente babaca, que se vale de artifícios cômicos dos mais rasteiros, como passagens supostamente engraçadas envolvendo pum, vômito e excitação sexual. 

A partir do ponto que Hank começa a de fato desenvolver uma amizade com Manny, finalmente os roteiristas abrem espaço para a enxurrada de lições de vida edificantes, quando o vivo tenta ensinar ao morto todos os códigos básicos de conduta sociais, de acordo com sua ótica romântica, abilolada e tímida. Cabem aqui tentativas infindáveis de mensagens sobre solidão, carência afetiva, isolamento social, pontuadas por desfechos engraçadinhos e cínicos que procuram maquiar o tom edificante do discurso ou por esquetes e gags afetadas dirigidas como num clipe musical. 

Ancorado o tempo todo no absurdo e na suposta ousadia, o filme assim procura disfarçar sua total falta de domínio narrativo, linguagem pobre, trilha sonora bonitinha e ordinária, roteiro engessado, e não consegue em momento algum evoluir para algo crescente ou interessante, fechando-se naquele mundinho de auto piedade dos personagens. Apesar do evidente esforço do elenco para contornar todos os contras, não há muito que se fazer com um material que parece que foi desenvolvido por um adolescente preso em seu mundo auto indulgência e comiseração, que romantiza a própria inaptidão social e torce para que isso seja o suficiente para ser considerado ao menos interessante (ou vivo) aos olhos dos outros. 

Comentários (2)

katz | segunda-feira, 30 de Janeiro de 2017 - 17:18

Você parece ofendido.

Marco Roberto de Oliveira | segunda-feira, 30 de Janeiro de 2017 - 19:54

Dois atores que me agradam muito. Daniel Radcliffe conseguiu fugir do estigma de Harry Potter fazendo bons filmes e Paul Dano sempre invoca seu fantástico personagem em Sangue Negro.
Abraços!

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