Punk is not Dead. Uma urbs degenerada como um apocalypse mutante-zumbi-pop destroçado na cabeça de um cartunista. Quando o pensamento inquieto dum artista alopra em ebulição. E é esta animação imersiva na calamidade que envolve, não só a mente do criador, mas suas crias respondendo aos seus mandos e desmandos. Estas que, inequivocamente, sobrevivem no subconsciente distópico internalizado do Angeli.
Muita análise e punhetagem do parágrafo anterior não (não somente) justificam o meu tesão por esse tipo de material, mas, sim seu caráter punk escroto e iconoclasta social contra uma sociedade de merda que se mantém aloprando nas mais variadas fuleiragens. A obra do Angeli é ao mesmo tempo localizada em seu âmago punk destrutivo e pessimista dos anos 80 e em sua atemporalidade socio-destrutiva que teima em nos acometer permanências sociais e morais sub-repticiamente. A desgraça que nos cerca. Este caráter perpassa o tempo e funciona a nós como eterna possibilidade de revolta. Desde a desgraça social existente no país ao avacalho moral acovardado de classes abastadas que teimam em higienizar os seus arredores para que a sujeira não os persiga. O Bob Cuspe é esta sujeira. O contestador do velho foda-se que jamais descansa e o seu operacional é pelo cuspe, pelo arroto, pelo vômito, pela mijada e pela cagada.
Há um desfile de depoimentos acerca do Angeli em sua ação diante de seu trabalho, e com a voz do próprio chegando junto nas análises sem impor porra nenhuma, mas, sim, vomitando, a esmo, idiossincrasias que viessem a supor como funciona sua arte pela história. E é nessa conurbação escrota que se monta o material. Autor e criatura cansados pelo tempo, mas ainda com marmotas a cometer. Seja por existir enquanto fomentador de desgraças, ou por ser uma pujante figura punk suja contra a alegria colorida da burguesia e da cultura pop.
Este envelhecimento de autor e criatura serve como reverberação animalesca da cabeças dos dinossauros incansáveis. Que usam do couro grosso, dos ossos, dentes e garras, dos espíritos de porco, das panças de mamute para resistir a um mundo que os quer estraçalhados. Mundo nos restringindo a fazer as mesmas coisas no auge do consuma-coma-reproduza-morra. Presos na alienação dos nossos tesões reprimidos em escritórios, tvs e celulares, num brancoso alegre e assexuadamente insípido. Porém a sujeira resiste. Alimenta as classes, e responde com virulência. Tá por aí todo dia. Por isso existe um apocalipse mental em abandono como cenário. A autofagia do autor dá-se de tal maneira que só os restos explicam o ambiente. O Bob Cuspe é o se lasque disso tudo. Sem revolução, tampouco alegria e abraços coletivos. Ele é a imposição controversa só por existir como tal.
O grito de sobrevivência frente ao marasmo que nos acomete coletivamente. O ser humano quando sobrevive, se apega à suposta tranquilidade de suas paredes e posses. isto acaba por amainar quaisquer sentimentos de descontentamento. E estão todos errados? Não. Sobreviver é uma puta arte, mas não sem uma dose de esculacho. O Bob Cuspe é a insatisfação com a vida lascada. O fim de mentiras e mitos numa busca, sem explicações, por um soco na cara do responsável que há muito não só abandonara aquelas figuras, mas agora estaria a embaçar aquelas vidas imaginárias já miseráveis.
A trajetória de road movie mental funciona como uma quebra moral daquele ambiente, sem limitações ou marmotas farsescas. Algo bem permitido de se demonstrar numa animação stop-motion muito bem arrumada, que cria o espaço certeiro para as possibilidades visuais escusas sobre uma das mentes mais sagazes do quadrinho nacional. Obviamente com espaços aos mais diversos esquemas nostálgicos tais quais aparições dos Irmãos Kowalski, skrotinhos, Rhalah Rhikota, Rê Bordosa e Laerte; com seus comentários tanto sobre o Angeli quanto como sobre a situação na qual se inserem diante dessa figura. Inclusive é da voz do próprio Angeli em que a afirmação de que os personagens são aquilo que a porra do próprio autor que decide o seu destino, numa alusão contrária à merdas lúdicas demais sobre criadores e criaturas. O mais irônico disso é que a voz é do Angeli mesmo, mas o personagem que solta a assertiva não é o próprio autor. Uma ironia marota de que a ruína do quengo dele existe mediante camadas sujas, mas que o espaço pra frescura é inexistente.
Intervalo instrumental. O comentário musical é organizado e comporto por André Abujamra e Márcio Nigro com o punk de bandas brazucas como Inocentes, Mercenárias e, principalmente, Titãs, nesta última inclusive há uma curtição irônica e divertida com as fases da banda; em uso uma canção mais pop e outra brutal fazem-se ouvir com motivações diversas. Uma agrada os minis Eltons Johns pops bostinhas e a outra é carro chefe da turbulência da fita – Cabeça Dinossauro – naquele espaço, embalando as marmotas dos imundos personagens angelísticos. Assim que funciona esse negócio, usando de tudo ao seu redor para embalsamar a todos com sujeira e ignorância. E segue desta maneira até seu final esquisito e abrupto, que num primeiro momento causa a falta dum esgarçamento mais decente, mas ainda assim funciona perfeitamente na proposta. É o Bob Cuspe.
É o descalabro mental de um artista imaginário sendo perseguido pela vivacidade dum punk raiz. Todos ali dentro absolutamente fodidos e atacados por outros bostas numa busca onde seu desfecho acaba por ser indistinto, já que a resposta final do Bob Cuspe é vomitar que está vivo e cuspir na nossa cara.
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