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Críticas

Cineplayers

Talento das protagonistas salva material comum e fraco.

6,0

Impressiona a capacidade que Hollywood tem de reciclar a si mesma. Na verdade, talvez a palavra correta nem seja “reciclar”, mas “imitar” a si mesma. Tomem esse As Bem-Armadas (The Heat, 2013) como exemplo. Em essência, nada mais é do que aquele filme de ação/comédia sobre uma dupla de policiais que no início parece incompatível, porém logo se torna uma parceria inseparável. Todos já viram produções assim, de 48 Horas (48 Hours, 1982) a A Hora do Rush (Rush Hour, 1998), de Máquina Mortífera (Lethal Weapon, 1987) a Divisão de Homicídios (Hollywood Homicide, 2003). Não há muito o que inovar – e, na verdade, esse não é o objetivo de um cineasta que se compromete a realizar um filme desses. O que vale aqui é a capacidade de entreter por pouco menos de duas horas, torcendo para que a química entre os protagonistas consiga superar as histórias bobas e os personagens unidimensionais.

A boa notícia é que, nesse sentido, As Bem-Armadas se sai surpreendentemente bem. Tentando ao menos trazer um elemento novo para o gênero ao fazer dos policiais uma dupla feminina, o diretor Paul Feig – do divertido Missão Madrinha de Casamento (Bridesmaids, 2011) – e a roteirista Katie Dippold parecem não se importar nem um pouco em jogar todo o peso do filme nas costas de suas atrizes principais. Sandra Bullock e Melissa McCarthy, felizmente, mostram ser capazes de superar esse peso, construindo uma dinâmica que eleva As Bem-Armadas da posição de lixo descartável a uma produção no mínimo divertida e agradável de acompanhar.

Bullock, que já viveu personagem semelhante em Miss Simpatia (Miss Congeniality, 2000), mais uma vez mostra toda a sua entrega ao papel ao topar quase tudo para arrancar risada da plateia, especialmente rir de si mesma. Se a sua personagem é precariamente construída pelo roteiro (difícil acreditar que alguém capaz de certas atitudes tão idiotas seja uma policial tão eficiente), a atriz faz o que pode, com bom timing cômico e cenas de comédia puramente física, como quando Ashburn se arrasta pelo corredor de um hospital enquanto, ao mesmo tempo, tenta apontar sua arma. É uma performance por vezes equivocada, ocasionalmente exagerada, mas que dá certo no sentido de uma comédia.

O show, porém, é de Melissa McCarthy. Indiscutivelmente uma das melhores comediantes do cinema e da TV norte-americana, a atriz transparece em As Bem-Armadas não apenas a sua incrível presença e talento para entregar cada piada de modo perfeito, como também toda a sua capacidade de improvisação: fica claro que diversas cenas, especialmente aquelas na qual a sua personagem começa a falar sem parar, que a maioria daquilo vem diretamente de McCarthy – e palmas para Feig por deixá-la tão à vontade, pois é de onde acabam saindo alguns dos momentos mais engraçados do filme. Ao contrário de Bullock (que aqui e ali parece se exceder na composição), a comédia de McCarthy soa natural, espontânea e, muitas vezes, construída sobre detalhes, como uma frase ou um gesto que pode passar despercebido.

E o melhor de tudo é que as duas funcionam maravilhosamente bem juntas. O arco da relação entre as personagens é o mais óbvio possível, sim, mas Bullock e McCarthy encontram uma dinâmica interessante, que remete às grandes parcerias do gênero, como Murphy/Nolte e Gibson/Glover. O contraste entre as duas, suas brigas e a os diálogos são o que fazem As Bem-Armadas dar certo como comédia. Ao final, o espectador pode até se surpreender levemente emocionado com o laço de amizade construído por elas e uma certa mensagem em um livro de colégio.

Mas é uma pena que As Bem-Armadas nada ofereça além disso. Logo nos primeiros segundos, Paul Feig parece ter a intenção de realizar uma pequena homenagem aos filmes policiais dos anos 70, com trilha adequada e tela dividida, porém essa lógica nunca mais é retomada nas duas horas seguintes. Além disso, o diretor também parece inseguro na condução das cenas cômicas: se momentos como o da traqueostomia e o do traficante pendurado pelas pernas são divertidos, outros como a sequência da dança na boate chegam a ser constrangedores. Da mesma forma, a trama é confusa e ilógica, além de não haver qualquer tentativa de construir uma pessoa de verdade, apenas personagens e situações que gerem risadas. Nesse sentido, porém, As Bem-Armadas merece aplausos por ter a coragem de se assumir politicamente incorreto, com piadas que trazem obscenidades e até mesmo outras sobre minorias, além de alguns diálogos inspirados: “Tenho um filho de cinco anos que me chama de avô.”

Previsível, irregular, mas inevitavelmente divertido, As Bem-Armadas é mais uma prova de que um bom elenco pode salvar um filme de um desastre. Bullock e McCarthy formam uma parceria improvável, mas com boa química, que faz a produção dar certo. Pode ser apenas mais um filme do gênero, porém, graças às duas, é um que ao menos consegue divertir.

Comentários (4)

Daniel Borges | domingo, 22 de Setembro de 2013 - 18:42

Tive vontade de vomitar quando assisti Missão Madrinha de Casamento no cinema, imagina esse aqui...

Renan Fernandes | domingo, 22 de Setembro de 2013 - 18:48

Apesar de gostar da Sanda Bullock não vou ver esse filme, ainda mais com essa nota e crítica, ainda mais desse crítico que é sempre otimista e vê o lado bom nos piores filmes rs.
Vou gastar meu tempo pra ver outras obras.

Alexandre Koball | segunda-feira, 23 de Setembro de 2013 - 11:13

Também gosto um pouquinho de Bridesmaid, eheh. Já o Ladra Sem Limites não gostei não.

Raphael da Silveira Leite Miguel | segunda-feira, 23 de Setembro de 2013 - 19:41

Não dá pra esperar nada, só mais do mesmo, basta ter visto Máquina Mortífera e filmes afins. Esse Bridesmaid tinha todo um hype positivo que só me enganou e não passa de um filme bobo. Claro que, tenho que concordar que McCarthy tem talento e pode deixar-nos menos insatisfeitos.

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