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Críticas

Cineplayers

Um show técnico, mas nada mais.

5,0

As Aventuras de Pi (Life of Pi, 2012) é, antes de mais nada, um filme com um visual belíssimo e com fotografia exemplar, que não deixa nada a dever para O Hobbit e seus quarenta e oito quadros por segundo. Mas isso, entretanto, era algo que o público podia notar desde a apresentação do trailer do filme. Como um todo, Pi conta uma história - não tão absurda como o personagem principal quer que acreditemos - de um garoto que fica à deriva depois do naufrágio do navio em que ele se encontrava. As comparações que podem ser feitas são muitas, então, vamos a elas.

Pi é uma produção que tira sua força de quatro pilares que podem ser observados claramente durante o filme: a narração, a fotografia, o desenvolvimento dos personagens e a questão filosófica por detrás da produção. Note que não me referi a esses pontos, necessariamente, como os pontos fortes do filme, mas sim como aqueles que mais se destacam.

Ainda que com os primeiros minutos passados de forma desajeitada, a narrativa de Pi é concisa, apesar de não apresentar traços ou picos de dramaticidade ou emoção. Ela ocorre no melhor estilo Titanic (idem, 1997), ou seja, com um sobrevivente contando a aventura pela qual passou. Não deixa de ser um ato arriscado por parte de Ang Lee. Diferentemente do maior blockbuster hollywoodiano de todos os tempos, Pi não é um filme com muitos personagens a serem desenvolvidos, portanto, entregar o destino final de seu elemento principal, logo de cara, torna o filme um tanto quanto previsível e maçante, principalmente de sua metade para frente. Mas entendo que o estilo adotado tenha sido essencial para que o diretor expusesse sua visão filosófica acerca do filme, comentada mais adiante, mantendo-se fidedigno à obra escrita.

Ainda no que tange à narrativa, Irrfan Khan, que faz o papel de Pi em sua fase adulta, o principal elo narrativo do filme, apresenta-se de forma calma, tão calma e inexpressiva que nos faz acreditar que o ator está interpretando a si mesmo, e não a um personagem. Não há um elemento surpresa que percorra sua personalidade, como acontece com Gloria Stuart em “Titanic”. Elemento esse só revelado com claridade por Gloria nos momentos finais de produção. Em um dos poucos momentos em que se sobressai, Khan brilha ao, por meio de uma metáfora, contar como acabou sozinho no bote em que ficara com o tigre.

O filme é assertivo ao desenvolver seus dois principais personagens: o tigre e Pi. Porém, falha ao entrelaçar esses dois elementos. O resultado final é uma tragédia: uma despedida sem muita emoção entre os dois, apesar do esforço de Suraj Sharma, o Pi em questão. A título de comparação, em Náufrago (Cast Away, 2000), a despedida de Tom Hanks e da bola de vôlei Wilson é muito mais comovente e tocante, tendo, esses últimos, não passado metade do tempo em cena que Richard Parker e Pi compartilharam. Tempo esse demasiadamente esticado, ainda que servisse ao propósito maior de construir a relação entre o garoto e o tigre, com fim de dar ar extratemporal à amizade entre os dois. Apesar de, assumidamente, não ter lido a obra escrita, que deu origem ao filme, tenho a convicção de que essa relação é melhor edificada no livro.

As aventuras de Pi preza muito por sua parte técnica. O 3D convence, ainda que não seja o forte do filme. A fotografia, essa sim, é belíssima, extraordinária. Foi assinada por Claudio Miranda, o chileno que já havia trabalhado em outras grandes produções, com destaque significativo para Tron - O Legado (Tron Legacy, 2010) e O Curioso Caso de Benjamin Button (The Curious Case of Benjamin Button, 2008). Apesar das discordâncias com certos rumos seguidos em Pi, Ang Lee adota, assertivamente, uma postura mais cautelosa frente à produção. Se o diretor foge da simplicidade ordinária que permeia uma de suas produções mais famosas, O Segredo de Brokeback Moutain (Brokeback Mountain, 2005), ao mesmo tempo, abstém-se de dar asas excessivas à sua imaginação, que o marcara tanto por O Tigre e o Dragão (Wo hu cang long, 2000).

Deixado por último propositalmente, a questão filosófica – ou, explicitamente, teológica - é o último dos pilares que sustentam o trabalho de Ang Lee que abordarei. Também é o mais polêmico. Logo no início do filme, somos apresentados a um repórter que procura por Pi Patel (Irrfan Khan), para que ele apresente-o a uma história que o faria acreditar em Deus. Até aí, tudo bem. O problema é que a história de “As Aventuras de Pi” não é tão profunda assim quanto Ang Lee quer que acreditemos. É, de fato, uma aventura, mas não uma busca pela espiritualidade. Definitivamente, não é uma busca por Deus, não importa a quantas religiões Pi Patel tenha sido apresentado. É um fato curioso, interessante no começo do filme, mas que não justifica a importância dada em seu fechamento. Ademais, é mister dizer que a cena final do repórter, aos prantos, seria trágica, se não fosse cômica. A questão teológica fora, portanto, supervalorizada por Ang Lee. Caso houvesse espaço, aqui, para relativizações, creio que situações mais corriqueiras do dia-a-dia, especialmente do indiano, condicionariam melhor a busca do repórter.

As aventuras de Pi é, acima de tudo, uma viagem, uma história de sobrevivência a um naufrágio; porém, sem elementos ou toques de genialidade, além de uma parte técnica conduzida com maestria. Esse, justamente, parece ser um dos problemas mais corriqueiros de Ang Lee na atualidade. Afinal, o que teríamos de novo em “Brokeback Mountain”, em termos romance, não fosse o envolvimento de um homem e uma mulher, mas sim de um casal homossexual? O que teríamos de novo, em termos de uma história de um naufrágio, não fosse o envolvimento de Pi com Richard Parker? Provavelmente, não muito. E é, justamente, esse o gosto que os filmes de Ang Lee têm deixado: o de uma obra simples, marqueteada como se fosse uma megaprodução.

Comentários (20)

Luan Castro | quarta-feira, 15 de Maio de 2013 - 02:38

"Esse o gosto que os filmes de Ang Lee têm deixado: o de uma obra simples, marqueteada como se fosse uma megaprodução."

Temos um paladar bem diferente então Tony, Ang Lee pode até ser simples na maioria das vezes, mas nunca é simplório. Gostei de algumas colocações suas, mas 1/4 da crítica é bem fraca, a pior parte foi:

"O resultado final é uma tragédia: uma despedida sem muita emoção entre os dois, apesar do esforço de Suraj Sharma, o Pi em questão"

Acho que o filme atinge seu objetivo exatamente nessa hora.😉

Matheus Duarte | segunda-feira, 13 de Janeiro de 2014 - 23:44

\"Um show técnico, mas nada mais.\"

Deve ter prestado mais atenção na pipoca no que no filme.

Francisco Bandeira | segunda-feira, 13 de Janeiro de 2014 - 23:50

\"Esse o gosto que os filmes de Ang Lee têm deixado: o de uma obra simples, marqueteada como se fosse uma megaprodução.\"


\"Tempestade de Gelo\" não ne deixou esse gosto! 🙄

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