Alguns filmes parecem nascidos para gerar majoritariamente um efeito de distração no espectador, não exigindo muito do mesmo no acompanhamento da obra. Isso não esvazia de reconhecíveis méritos o produto audiovisual que assim se propõe a ser. É claro que numa análise desses longas em questão, possivelmente não se identificarão profundidades a nível de roteiro e exposições metafóricas. Problema algum, no entanto, que tenhamos essas obras mais rasteiras, porém ao mesmo tempo eficientes, que sabem atacar, no caso de O Ataque dos Vermes Malditos, com orçamento irrisório, nas frentes certas para gerar engajamento.
O longa dirigido por Ron Underwood (Pluto Nash), primeiro de muitos que viriam na forma de sequências, partilha, guardada a devida distância em termos qualitativos das duas obras, de uma mesma abordagem progressivamente descortinante das feras da qual Tubarão, de 1975, se apropriou. A ideia é primeiro criar um suspense com manifestações que são misteriosas aos personagens, não sabendo eles a origem das mortes que lhes assustam. Mostrar o monstro fica para depois, o terreno precisa ser assentado primeiro. E no comparativo entre esses dois longas, troque o litorâneo pelo desértico. Também substitua o faminto ser aquático de dentes afiados por vermes (sim, eles estão no plural e aos montes no filme de Underwood) que gostam igualmente da carne humana.
Mesmo sendo um projeto low budget, Underwood apresenta uma ambientação muito pulsante com aquele deserto fotografado lindamente com as formações montanhosas em segundo plano no quadro. Não investe em ângulos diferenciados no enquadramento, mas sabe utilizar o filtro que a própria natureza oferece para fazer ferver aquele cenário que é de labuta para as personagens, em sua maioria operários que trabalham durante horas a fio sob ardente calor e usam chapéu na tentativa de espantar os raios que fazem arder suas peles.
O cineasta também explora eficientemente os arquétipos interioranos, como os caipiras e valentões. Kevin Bacon e Fred Ward, com seus respectivos Valentine e Earl, fazem valer essa ideia de exploração assumida dos figurões típicos da narrativa espirituosa e pouco envergonhada de si. Dividem espaço com esses dois, demais personagens que são trapaceiros ou meros transeuntes na cidade ironicamente batizada naquele universo diegético.
Com o nome de Perfection, a vila passa longe da perfeição e, numa eficiente representação visual, entendemos o porquê disso ao mesmo tempo em que ensaiamos um sorriso de canto de boca, aquele querendo rir. Sujeira espalhada, coisas fora de lugar, cidadãos desastrados, e o que vem para piorar tudo. Bichos rastejando famintos, que inclusive são filmados com a câmera rente ao solo, paralela ao mesmo, trazendo ao espectador a sensação de possuir a mesma visão do escatológico animal, enxergando tudo de baixo pra cima.
A interação dos humanos com a criatura repugnante cria divertidos momentos de embate. Underwood carrega no visual o efeito desses confrontos sem nunca parecer mórbido demais, mas também sem aliviar demasiadamente. Mostra sem pudor uma cabeça decepada enterrada na areia com vestígios do sangue alaranjado daquelas criaturas. Filma o Walter Chang, do ator Victor Wong, sendo colocado na bocarra do bicho para posterior deglutição na sequência em que a mercearia é destruída. Todos esses momentos são intercalados com sequências de respiro, em que um bem-vindo bom humor surge à tona.
Contudo, reiterando aqui ponto anterior, não há nada nessas passagens de enfrentamento ao monstrengo (ou aos monstrengos) que sobrecarregue a narrativa em tom de terror ou assumida obscuridade. O longa de Underwood fica na mescla de uma eficiente decupagem, explorando o visual rasgado, pouco vistoso e, nem precisa dizer, asqueroso daquelas criaturas, com um tom aventuresco consubstanciado na condução narrativa e na evocação de uma trilha que carrega muito um senso de aventura em suas batidas. Cria-se, portanto, um híbrido interessante entre a calmaria naquele mar de areia e a iminência de um ataque feroz, que não tem o mesmo refinamento de tato que um Spielberg demonstraria, mas que funciona mesmo descartando personagens da zona de desenvolvimento.
A sismóloga e outros personagens secundários ora aparecem com algum mínimo propósito na cinética da trama, ora são escanteados. Muito embora o próprio filme tome um contorno a partir do segundo ato que o revele como uma mera desculpa cinematográfica, com escolhas estilísticas trash, para fazer o que bem entende com seus personagens-marionete em nome de uma eficiente ficção que gere diversão. Isso é o cinema pipoca, afinal, e Underwood parece ter entendido bem a ideia, aplicando seu repertório de truques a partir de um dicionário visual repleto de um vocabulário deliciosamente chulo.
Esse aqui é um ótimo exemplo de como se fazer filme de monstro. Nas escolhas narrativas e visuais acerto no clima descompromissado - como o texto acima atesta - que entretém na base da cara de pau. O visual dos animais impressiona pelo realismo sobretudo sabendo do baixo orçamento da obra. Aqui um filme muito seguro do que quer, isto já é mais de meio caminho andado. Filmão.