Saltar para o conteúdo

Críticas

Cineplayers

Comédia escrachada com Jack Black faz uma salada confusa com parábolas bíblicas.

3,0

O argumento de Ano Um aparentemente é genial: no início dos tempos, na era dos homens das cavernas, dois trapalhões caem em tentação ao comer do fruto proibido e são expulsos da aldeia. Partem então para uma jornada em que acabam presenciando fatos históricos presentes na Bíblia, indo da briga dos irmãos Caim e Abel às crucificações do império romano - algo no estilo de Forrest Gump - O Contador de Histórias, ou seja, testemunhas involuntárias de acontecimentos históricos (neste caso, parábolas bíblicas), mas no sentido mais cômico e escrachado possível.

Os trapalhões, ninguém menos que dois dos queridinhos da América em plena ascensão: Jack Black, que conseguiu um construir uma carreira sólida de comediante (ainda que não agrade a todos), e o novato e talentoso Michael Cera, que ganhou destaque no cinema por seu papel em Juno, com sua presença sempre carismática – apenas seu semblante um tanto distraído e virginal já é suficientemente engraçado.

Mesmo com estes bons ingredientes, sendo um filme centrado na atuação de dois bons atores (é notavelmente um filme concebido para Jack Black), e com essa ideia original de intertextualidade constante com a Bíblia em tom de comédia, ainda assim o resultado final é totalmente equivocado. E a culpa está no roteiro: grosseiramente mal construído estruturalmente para a proposta.

A trama tem partida, ganha a sua problemática quando os dois trapalhões, motivados pela posição inferior de coletores (abaixo dos caçadores), ousam em experimentar do fruto proibido, representado por uma maçã, e são surpreendidos por uma serpente. Expulsos da aldeia, partem rumo a novos horizontes, e se deparam com dois fazendeiros, um agricultor e um criador de rebanhos – dando a inspiradora expectativa de que irão percorrer a evolução da humanidade.  E a partir daí que o roteiro demonstra toda a sua confusão, sua falta de critério, de ordem: os dois trapalhões vão simplesmente fazendo sua jornada a esmo, uma saga sem propósito, um épico sem objetivo, que parte do nada para lugar nenhum, com personagens que navegam pela história bíblica induzidos por pequenas situações absolutamente banais.

Aparentemente o roteirista pensou em dado momento: “preciso criar um objetivo para a saga destes dois”, e então em lá pelas tantas as amadas dos dois viram prisioneiras e escravas de um império. Logo, a solução de roteiro fácil: a jornada virá a ser uma busca pela libertação das amadas – caindo no velho clichê. Mas ser clichê não é o problema, o pecado está em não ser convincente dramaturgicamente. De certa forma, ao que parece é que, na concepção do roteiro, foi pensado algo da seguinte forma: que os personagens estejam diante do pecado original de Gênesis, o assassinato de Abel por Caim, o sacrifício do filho de Abraão, fazendo graça do sacrifício de virgens, das construções de templos por escravos e até mesmo da crucificações da antiguidade. Tudo isso foi incluso, porém de forma gratuita, sem uma ordem lógica, nem uma linearidade plausível, tornado a narrativa um tanto pálida e sem vigor, o que é uma pena para uma proposta que tinha tudo para ser brilhante.

Contudo, muitas das piadas funcionam, realmente são engraçadas, mas como gags isoladas, que não contribuem para tornar o filme como um todo um bom filme de comédia. Entretanto, é voltado para fãs de Jack Black, caso contrário pode ser irritante ver o ator em momentos escatológicos degustando fezes de animais, entre outras peripécias.

Não há nada de mais na direção, é simplesmente burocrática sem a menor ousadia, pois este é tipicamente um trabalho para o comediante, um filme de estúdio onde o diretor não representa muito no resultado final. A iluminação merece destaque, e a produção é  boa, mas evidentemente muito aquém do que um filme com este mote mereceria. Talvez com um orçamento maior e um bom roteirista e diretor, pudesse resultar em uma comédia interessante.

Comentários (0)

Faça login para comentar.