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Críticas

Cineplayers

“And feeling like someone in love”.

8,5

Antes de chamar a atenção por sua história, ou pelo simples fato de ser o novo trabalho de Abbas Kiarostami, do aclamado Cópia Fiel (Copie Conforme, 2010), Um Alguém Apaixonado (Like Someone In Love, 2012) causou interesse principalmente por ser todo falado em japonês, filmado no Japão, com elenco japonês e em parceria com produtoras japonesas. Considerando que o diretor iraniano não fala absolutamente nada nessa língua, além do fato de se tratar de uma estranha história de pessoas de alguma forma apaixonadas, podemos entender porque esse detalhe vale tanto em uma análise geral da obra. Como se sabe, o cinema de Kiarostami chama atenção, entre outros tantos atributos, pelas justaposições, pela liberdade de se metamorfosear em seu decorrer e pelo caráter desafiador de seus exercícios com a linguagem cinematográfica. Seu grande talento está em pegar situações cotidianas e transformá-las em análises amplas que discutem uma série de temas interessantes. No caso de Um Alguém Apaixonado, como o próprio título indica, a brincadeira da vez está em mexer com sentimentos românticos.

Apesar de rodear sentimentos como amor, paixão e ciúme, não se trata de um romance. Também não se encaixaria na classificação de comédia, apesar de algumas passagens cômicas, e seria genérico demais apontá-lo como um drama.  Isso por não se tratar de um filme de gênero, mas sim de uma desconstrução. Ele começa apenas nos apresentando o básico sobre sua trama e seus personagens, despertando certo interesse neles, para depois regredir em sua narrativa até não sobrar muito com o que se identificar, de modo que o pouco que sabemos se dissolve até sobrar apenas os princípios que o cineasta deseja abordar. É como se despisse seu filme das carcaças tradicionais de uma encenação – atores, história, cenário – para manter apenas o conteúdo abstrato a ser discutido. Não demora muito tempo para se perceber que a história já não importa mais, e sim o que há por debaixo dela.

O superficial seria dizer que a trama gira em torno de uma estudante de Tóquio, que para pagar seus estudos assume a profissão de prostituta, sem que seu namorado ciumento fique sabendo, e acaba desenvolvendo um sentimento indefinível por um de seus clientes, um idoso professor. Através de longas conversas em carros – o que parece ser uma situação quase obrigatória em todos os filmes de Abbas Kiarostami – algumas normas sociais vão sendo sutilmente dissecadas, até sobrar apenas o princípio por trás de cada uma delas, em seu estado mais cru e inicial.

Dessa dissecação vem a habilidade do diretor em extrair o ser humano como algo abstrato de dentro de seus personagens, onde o jogo de identidades, onde verdade e mentira, fato e ficção, se misturam em uma rede de enigmas e no fim nada disso se mostra muito especial. Em uma das primeiras cenas, por exemplo, a personagem principal conversa pelo telefone com o namorado, enganando-o ao mentir sobre sua localização, o que já indica que nada no filme pode ser considerado de fato confiável. Na cena de abertura, também há imagens sendo mostradas ao som de uma voz da qual não conseguimos encontrar a origem. A geometria confusa das linhas percorridas pela câmera, personagens conversando com pessoas que estão fora do enquadramento – tudo é uma grande brincadeira com técnicas cinematográficas, que serve para desqualificar a integridade de personagens que poderiam se mostrar sólidos, mas que na verdade não passam de incógnitas.

Em meio a um cenário e língua desconhecidos pelo próprio diretor e, consequentemente pelo público, já que o que temos disponível é a visão dele sobre as situações ali mostradas, e a um sentimento-tema que já garante certa confusão, podemos entender porque Um Alguém Apaixonado é tão desconcertante. Fala sobre estar apaixonado, mas quem exatamente nesta história está apaixonado? É o namorado da garota? É a garota? Se for, por quem ela está apaixonada? Pelo velho ou pelo namorado? Será que o professor já a conhece de algum lugar, como por vezes parece indicar? Assim como qualquer um que já se apaixonou sabe, nesse assunto não há respostas definitivas, somente dúvidas sobrepostas. Aproveitando a deixa, Kiarostami sobrepõe reflexões enquanto desconstrói sua trama em um emaranhado de dúvidas e destroços – talvez sem a mesma classe e qualidade artística de Cópia Fiel, inclusive no que diz respeito à mise-èn-scene, mas inegavelmente original, sem começo e de final absurdamente abrupto, que não responde a nenhuma das perguntas que se formam em nossa cabeça durante a projeção (escolha tomada por muitos como preguiçosa e picareta, embora eu não entenda a surpresa destes em ver Kiarostami – autor do final indigesto de Gosto de Cereja [Ta’m e guilass, 1997] – optando por isso). Afinal, esse é um filme de questionamentos, e não de soluções.

Comentários (4)

Rodrigo Torres | quarta-feira, 24 de Outubro de 2012 - 16:00

Sacanagem não ter vindo pro Rio... 😏

Patrick Corrêa | quarta-feira, 24 de Outubro de 2012 - 22:41

Ai, que vontade de ver... Mas só 7.5?
🙁

Adriano Augusto dos Santos | quinta-feira, 25 de Outubro de 2012 - 09:38

Esse eu conto as horas pra ver.Novo Kiarostami é obrigatorio.
Fora que parece bem interessante.

Adoro seus longos dialogos em carros,é o seu ápice.

Paco Picopiedra | quinta-feira, 25 de Outubro de 2012 - 12:30

Faço minhas as palavras do Adriano. Quero muito ver.

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