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Críticas

Cineplayers

Pretensão de Seth Grahame-Smith sabotada por Timur Bekmambetov, o diretor de aventuras genéricas.

5,5

A posição de best-seller alcançada pelo livro Abraham Lincoln: O Caçador de Vampiros e o estabelecimento de seu conceito como novo gênero literário, mash-up novel, são ótimo indicativo de sua aceitação perante o leitor. Na contramão foi a (baixa) expectativa de grande parte dos cinéfilos com o anúncio de sua adaptação ao cinema, mesmo que roteirizada por seu criador, Seth Grahame-Smith, de Sombras da Noite (Dark Shadows, 2012). E se a ideia de transformar um dos mais importantes presidentes americanos em caçador de vampiros seja de fato absurda, surpreende positivamente que Grahame-Smith tenha tido boas sacadas intertextuais em sua obra, mesclando história e ficção de maneira criativa – o que quase livra o filme de ser apenas mais uma aventura genérica. Quase!

O conceito híbrido de Grahame-Smith é bem estabelecido desde os minutos iniciais, quando alia fato histórico comprovado (as dificuldades financeiras na infância de um órfão Lincoln) a elementos ficcionais próprios ao cinema, como o momento em que Thomas Lincoln (Joseph Mawle) esmurra um senhor que maltrata um pequeno escravo (Curtis Harris). Em represália, o homem esmurrado, Jack Barts (Martin Csokas), assassina Nancy Lincoln (Robin McLeavy) durante a noite, sugando todo seu sangue – momento este que, testemunhado pelo filho Abraham (Luz Haney-Jardine), torna-se responsável pelo senso de “justiça” (leia-se “justiça com as próprias mãos”) do garoto.

Desse modo, o primeiro ato - ainda que abrupto, como todo o roteiro - é eficiente por apresentar rapidamente tanto a trama principal (a busca por vingança contra aqueles seres), como a formação do caráter do Lincoln adulto (Benjamin Walker) – eventos que o motivariam a tornar-se advogado e ingressar na vida pública – como as inesperadas (e benvindas) subtramas que envolvem o engajamento do futuro presidente com a escravatura e a participação dos vampiros na Guerra de Secessão.

Os esforços de Grahame-Smith também são satisfatórios ao posicionar o governo do presidente Lincoln e o exército liderado por Adam (Rufus Sewell) como opositores inclusive no âmbito político, trança que dá profundidade ao filme. No ápice dessa disputa, o mentor Henry (Dominic Cooper) desencoraja o discípulo Abraham de lutar pela abolição, alertando que tal movimento faria os vampiros perderem seu principal alimento (os escravos), visão essa que resume o pensamento de muitos governos até hoje. Pretensioso? Talvez, porém não deixa de ser uma grata surpresa.

Infelizmente, o roteiro mostra uma grave deficiência em seu desfecho, quando uma conclusão óbvia de Lincoln põe fim à Guerra Civil Americana. Resta presumir que, na ficção, com o mínimo de coerência, o confronto tenha durado pouquíssimos meses. Ainda assim, o roteiro é de qualidade, assim como todo elenco, que em nenhum momento compromete.

Os vilões interpretados por Sewell, Csokas e Erin Wasson (Vadoma) são unidimensionais, mas os protagonistas Benjamin Walker (misto de Liam Neeson com Eric Bana que funciona nas cenas de ação e drama), Mary Elizabeth Winstead (que emprestou seu ímpeto a Mary Todd), Jimmi Simpson (ótimo como o ambíguo Speed) e Anthonie Mackie (este, pouco exigido como Will) correspondem nas diferentes fases de seus personagens. Nesse sentido, ainda vale ressaltar o bom trabalho da maquiagem, natural e convincente, qualidades que a equipe de J. Edgar (idem, 2011), por exemplo, não alcançou por muito.

Tecnicamente, o filme alterna entre o eficiente (a recriação do século XIX através de figurino e direção de arte) e o equivocado: a montagem comete erros primários, repetindo os hematomas de Lincoln — com direito a olho precariamente fechado — em cenas completamente distintas no início do filme; os efeitos visuais são ruins, atingindo o bisonho numa cena de perseguição com cavalos que parecem aberrações; o 3D é novamente utilizado de modo inorgânico (jamais explora a profundidade de campo), como ferramenta interativa barata, atirando objetos e pessoas no público; e a fotografia, que em clara busca de impor certo estilo se torna confusa, definição que pode ser atribuída ao diretor do filme, Timur Bekmambetov. E não é difícil perceber que alguns desses aspectos negativos se deram por puro exagero proveniente do ímpeto do cineasta russo em inserir sua marca – o que em O Procurado (Wanted, 2008), acredite, ocorreu de forma muito mais natural (a cena em que uma gota de vinho cai sobre o mapa, indicando o local das batalhas mais sangrentas da Guerra de Secessão, é pura artificialidade).

Com isso, a conclusão é de que Abraham Lincoln: O Caçador de Vampiros (Abraham Lincoln: Vampire Hunter, 2012) realmente se leva a sério demais. Embora crie uma história independente, que faz sentido apenas ao universo criado a partir de seu argumento – o que provocará certa resistência nos mais preciosistas, mas é muito válido; afinal, Abraham Lincoln já foi transformado em Blade  –, é evidente a preocupação de Seth Grahame-Smith em manter as principais características (principalmente políticas) do protagonista e certo tom de sobriedade e realismo em sua obra. Tal pretensão é até benvinda, como dito antes, mas destoa de todo o entorno, já que Bekmambetov se desprende de qualquer convenção na condução de cenas de ação que, ao invés de empolgantes, são apenas genéricas. Assim, o cineasta russo sabota o roteirista estadunidense e vice-versa.

Comentários (13)

Fabiano Chinaski | sexta-feira, 21 de Setembro de 2012 - 02:39

tudo bem, pode mandar, mas que fique claro que minhas críticas não foram endereçadas a você, mas aos filmes genéricos e as consequências no nível da recepção.

Adriano Augusto dos Santos | sexta-feira, 21 de Setembro de 2012 - 11:48

Eu não ignoro o generico exatamente de jeito nenhum.
Até por que ele é necessario,estabelece moldes,funda bases a serem seguidas.

Triste é a falta de empolgação ou repetição de ideias exatas (e às vezes).

Fabiano Chinaski | sexta-feira, 21 de Setembro de 2012 - 13:15

'Eu não ignoro o generico exatamente de jeito nenhum.Até por que ele é necessario,estabelece moldes,funda bases a serem seguidas"
Então Adriano, mas este é o filme contrário ao que foi denominado genérico. E concordo a repetição de fórmulas, sem nenhum acréscimo ou razão de ser é triste.
Quanto ao "juízo" de que falei, estava pensando na capacidade de fruição estética e compreensão de uma obra cinematográfica por parte do sujeito. Obras genéricas ao invés de refinarem essa percepção, acabam por embotar completamente os sentidos e gerar zumbis diante da tela, estimulados por efeitos padronizados fabricados pela indústria do cinema. Isso não significa que uma obra genérica ou outra, como os Vingadores, não deva ser assistida; justamete ali flagramos algumas contradições, no limite, sociais. Agora abdicar do senso crítico, no mundo em que vivemos, é no mínimo temerário.

Fabiano Chinaski | sexta-feira, 21 de Setembro de 2012 - 13:41

De fato, você não está equivocado, está bem de acordo com a norma instituída. Nem sempre foi assim. Posso apenas lamentar.

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