[Richard Jenkins realiza atuação da carreira em filme sobre o peso da idade e a situação dos imigrantes nos Estados Unidos pós 11 de setembro]
O tempo passa, mas o 11 de setembro continua tão próximo do presente quanto o dia de ontem. Ninguém duvida que o acontecimento seja o mais significativo do século 21 e o que mais mudanças acarretou na sociedade, sobretudo na norte-americana. Um desses desdobramentos é a vida dos imigrantes árabes nos Estados Unidos, pano de fundo de O Visitante, segundo filme do diretor/ator Tom McCarthy e que rendeu a Richard Jenkins a indicação de melhor ator dada pela Academia de Artes e Ciências Cinematográficas.
Eterno coadjuvante no cinema, Jenkins tornou-se conhecido do público da televisão na série A Sete Palmos, onde interpreta o patriarca morto de uma família de agentes funerários e que volta e meia “aparece” para conversar com a mulher e os filhos. Sarcástico e com uma gargalhada marota ele dá pitacos sobre erros do passado e aconselha os filhos nas suas decisões. Um morto com vivacidade. Em O Visitante, ele é o oposto disso.
Seu personagem, o professor Valter Vale é um viúvo recluso, monossilábico que empurra a vida com a barriga. Na universidade em Connecticut, leciona a mesma matéria há 20 anos e nas folgas livres tenta sem sucesso escrever um novo livro e aprender piano. O olhar vazio e o jeito seco e educado de cortar as pessoas dão a dimensão do seu isolamento. Ao ser convocado para ir numa conferência em Nova Iorque, ele não esconde a frustração.
Por sorte ele tem um apartamento na cidade que não visita há meses. Dentro dele, ele encontra um casal de imigrantes ilegais que foi enganado por um falso corretor que subalugou o imóvel. O nome do garoto é Tarek (Haaz Sleiman), um percussionista sírio. Sua namorada africana se chama Zainab (Danai Gurira) , que ganha a vida como vendedora ambulante. Desfeito o mal entendido, Vale se compadece com os dois e os deixa ficar no apartamento por uns tempos até encontrarem um novo lar.
A amizade cresce entre ele e o simpático Tarek que o ensina os meandros da percussão. Apaixonado por música e viúvo de uma ex-pianista, o professor se encanta com o instrumento e desfruta de uma empolgação inédita. Logo os dois amigos estarão fazendo exibições pelas ruas da cidade. Até que num “mal-entendido” da polícia, o músico acaba preso pela imigração.
Nesse ponto, o diretor dá sua tacada de mestre. Sai um coadjuvante, entre outro. Após a prisão de Tarek, Mouna ,interpretada pela atriz Hiam Habbas (Paradise Now), aparece no apartamento em busca de notícias do filho. A ligação de Vale com a nova hóspede é ainda mais forte e tonificante, sacudindo de vez asua tépida existência. Com ela, ele encontra uma razão para sair pela porta e não apenas abri-la para outras pessoas.
Conduzido com mãos leves e passadas curtas, O Visitante é um filme pequeno, mas caprichado, com as arestas bem aparadas. O pouco tempo atrás das câmeras não foi uma barreira para McCarthy. Embora tenha no currículo apenas o filme O Agente da Estação, o fato se ser também ator parece ter lhe dado o know-how para extrair o melhor do elenco. Tanto a dupla de jovens, quanto a dupla de veteranos mantém a regularidade das atuações. Haaz Sleiman e Danai Gurira são muito carismáticos, principalmente o ator. Hiam Habbas tem uma aparição curta, mas marcante. A voz contida e os traços fortes do rosto realçam na tela as inquietações da sua personagem. Já Richard Jankins não recebeu à toa sua indicação ao Oscar.
O olhar de esguelha que lança nas pessoas, os gestos claudicantes e inseguros dele, compõem um estereótipo preciso do homem de carreira sólida, mas que parte solitário da meia-idade para a última fase da vida. E quando uma situação insólita lhe proporciona uma nova guinada, ele não perde a oportunidade de reviver sentimentos há muito tempo apagados.
A forma como o diretor une e desune as pessoas é outra virtude do filme. É muito sutil o modo como os personagens vão se transformando conforme o destino. De batucada em batucada, Vale vai pulsando suas emoções enquanto os outros perdem sua musicalidade. Da ópera ao afrobeat, a trilha musical embala com suavidade os dramas pessoais dos personagens. A crítica à maneira que o governo americano trata os imigrantes também é posta sem exageros na trama.
Um dos poucos deslizes cometidos por McCarthy é o desenvolvimento de alguns conflitos. Sabe aquela história de que antes da cena acontecer tu já se adianta dizendo: “Ele vai fazer isso!”. O roteiro não bate uma, mas várias vezes nessa tecla. Pegar o espectador de surpresa, no entanto, não foi a pretensão do cineasta. Pois O Visitante é consistente o bastante para precisar de cartas de manga.
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