Um bom vilão é como um bom clichê: não há como resistir. Não é curta a lista de personagens célebres marcados por seu desvio de comportamento ou falhas na conduta moral. Vilões clássicos como Darth Vader Norman Bates, Alex DeLarge e Hannibal Lecter encarnaram o mal com tanto brilhantismo que alcançaram um status de contemplação mais poderoso do que qualquer mocinho do cinema.
O reverendo Harry Powell do filme O Mensageiro do Diabo poderia tranquilamente ser o capitão desse time do mal. Divertido e carismático, o ator Robert Mitchum impressiona - e também arranca boas risadas - com a interpretação de um pastor que se vale de profecias religiosas para se aproximar de viúvas e em seguida assassiná-las e roubá-las com a aprovação do Todo-Poderoso. Um sujeito loquaz e rasteiro que não mede esforços em atormentar criancinhas, desde seja para alcançar seus objetivos.
Mesmo com de toques humor-negro e sarcasmo, o filme não é propriamente uma comédia, mas sim um suspense com ares de conto de fadas macabro, fortemente influenciado pelo expressionismo alemão (uso de sombras, contraste de cores). A trama gira em torno de duas crianças que ficam órfãs durante a Depressão Americana. Antes de ser condenado a forca por assalto a banco, o pai entrega a elas o dinheiro do roubo e pede aos filhos que o escondam até atingirem a maturidade.
O que ele não contava é que seu colega de cela -o reverendo Powell, detido por roubo de carro- toma conhecimento do pacto e, ao sair da prisão, vai atrás do dinheiro roubado. Seu plano é simples: casar com a viúva, matá-la e fugir com o dinheiro. Quando as coisas começam a dar errado, o reverendo Powell torna-se um lobo mau na vida das crianças.
Charles Laughton - ator das décadas de 30 e 40 e um dos primeiros a receber Oscar - fez de O Mensageiro do Diabo sua primeira e única experiência como diretor. Seu grande mérito - especialmente para um principiante - foi afluir os momentos de tensão do enredo às passagens mais burlescas, imprimindo assim um bom ritmo à história.
Há também algumas seqüências oníricas muito bem orquestradas por meio de cânticos infantis, já que tudo é visto sob o ponto de vista de crianças. Seu único equívoco está na produção. Mesmo para um filme da década de 50, algumas cenas são tecnicamente mal feitas e não devem nada às melhores produções de Ed Wood. Talvez devido ao baixo orçamento -inclusive de distribuição- já que o filme foi um fracasso de bilheteria.
Defeitos e qualidades, no entanto, são meros artifícios frente à performance magnetizante de Robert Mitchum, um dos grandes expoentes da era noir. Com as palavras “love” - tatuada na mão direita - e “hate” - na esquerda - ele engendra um vilão inesquecível, que se apropria de passagens do velho testamento e as interpreta ao pé da letra para perpetuar sua maldade em mulheres e crianças.
Uma das cenas mais emblemáticas do filme acontece logo no começo, num cabaret. Ao se excitar com uma dançarina, o pastor dispara acidentalmente um canivete do bolso que salta para fora das calças juntamente com uma exclamação. “Existem mulheres demais nesse mundo”. Além de registrar a dimensão de sua maldade, há também um forte componente sexual nessa passagem, que o torna não apenas mordaz e sarcástico, mas acima de tudo; inesquecível.
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