JCVD vai surpreender você!
[crepúsculo dos “deuses”]
Assim como no xadrez, existem movimentos que definem a vida de um ator. Na década de 90, filmes estrelados por Jean-Claude Van Damme costumavam engordar o faturamento das bilheterias. Ele era o cara certo na época certa. Na minha infância e início da adolescência, tive a privilégio de acompanhar essa fase da carreira do ator. Vou ser franco: não me envergonho nem um pouco em dizer que adorava os filmes dele. É uma das poucas coisas verdadeiramente legais que tenho orgulho de recordar da minha traumatizante época de colegial.
Para nós, fãs de Van Damme, pouco importava se a história do filme era ruim e se até um aspirador de pó atuava melhor do que ele. Ninguém dava bola pra isso. O lance era a pancadaria. O quebra-costelas. O chute giratório na boca do inimigo. Pra que roteiro se você pode chutar algumas bundas? Resumindo: Jean-Claude Van Damme era foda! Mas aí o tempo passou, as rugas vieram, o perfil do público consumidor se modificou e o conceito de Van Damme, que já não era grande coisa, foi para o ralo. Se bobear, a volta pra casa de Hollywood à Bruxelas foi na classe econômica.
Hoje os filmes dele, quase todos de quinta categoria, sequer passam perto de uma sala de cinema. Produzidos por estúdios de fundo de quintal, saem direto em DVD, a atual fonte de renda do ator que direciona seus contratos mediante participação de lucros na distribuição. A época de ouro de canastrões como Dolph Lundgren, Steven Seagal e o próprio JCVD já passou, mas ainda aquece o movimento das locadoras. Mesmo que a qualidade dessa safra de filmes de ação classe B seja duvidosa, não dá pra negar que eles representam uma época.
Nos últimos anos, Van Damme parece ter se conformado com o revés do sucesso. Só assim pra explicar a recusa dele em participar de A Hora do Rush 3 e, mais recentemente, de The Expendables, novo filme do Stallone. Uma loucura para um cara que nem faz tanto tempo, pagou um dos maiores micos da televisão brasileira ao brincar de trenzinho com a Gretchen – além de outros detalhes sórdidos que dispensam comentários – numa cena campeã de acessos no youtube.
[ JCVD: melhor filme da carreira?]
Era uma vez um ator decadente, que topa qualquer parada pra arrumar uma grana e lutar nos tribunais pela custódia da filha. O nome dele é Jean-Claude Van Damme e ele é ídolo no seu país, a Bélgica. Com 47 anos, ele não tem mais fôlego pra rodar várias tomadas de uma mesma cena de ação. O que dirá então de uma tomada longa com quase três minutos, que é difícil até para atores mais jovens? Reclamar não adianta nada, o máximo que acontece é ele ouvir do diretor coisas do tipo: “Só porque conseguiu levar John Woo para Hollywood não significa que ele pode encher meu saco”.
E quando as coisas vão mal, só tendem a piorar, diz o ditado. Após atender educadamente os seus fãs, Van Damme entra numa agência de correios que está sendo assaltada por um cara que é a lata do ator John Cazale no filme Um Dia de Cão. As circunstâncias, porém, levam a polícia a crer que o assaltante é JCVD (vamos chamar ele assim, daqui pra adiante). O ator não tem outra saída senão conduzir a negociação dos reféns com os policiais.
Os acontecimentos narrados acima resumem JCVD, trabalho dirigido ano passado pelo desconhecido diretor Mabrouk El Mechri e que ainda não aportou por aqui. Se não é uma obra-prima, o mínimo que se pode dizer é que se trata de uma gostosa nostalgia sobre um cara que resolveu lavar a alma. Com a expressão acabada e o rosto judiado, JCVD é visto na tela fazendo um pastiche de si mesmo. Por mais que inspirado nele mesmo, não dá pra dizer que é um trabalho autobiográfico. Ele está ali como um ator que interpreta um ator. A realidade da sua vida pessoal resvala pelos cantos da ficção, mas não entra na tela em sua totalidade.
Essa brincadeira de aliar um pretenso recorte da vida real do ator com a tensão encenada de um filme, faz o filme render e surpreender. Há momentos em que parece que a fragilidade do personagem de JCVD está ali por sinceridade, em outros a lucidez retoma ao espectador e nos damos conta de que tudo está seguindo o script. Mas nem tudo…
Após um insucesso na negociação do assalto, há uma cena do filme onde ele promove um monólogo de seis minutos. Nesse breve tempo, ficção e realidade se tornam latentes e cúmplices uma da outra. Não há dúvidas: Van Damme fala pelo personagem e por si mesmo. A câmera vira um purgatório onde ele exorciza todos os demônios da carreira. A decadência do seu gênero de filmes, o ostracismo e a má reputação dele com a crítica são golpeados por um longo desabafo. Os brutos também falam…
Por mais que Mabrouk El Mechri exagere um pouco nos maneirismos, não dá pra negar que seu trabalho possua grandes virtudes. E senso de humor. Se a bola da vez é JCVD é claro que tinha que sobrar uma piadinha pra seu rival Steven Seagal. O enredo também não se encabula em assumir a inspiração por Um dia de Cão. A negociação do assalto, a vinda dos familiares do assaltante e o público famigerado em acompanhar o incidente estão ali escancarados. Ta certo que o filme não é superior ao de Sidney Lumet, mas ao menos emula alguns dos principais recursos do original. Elementos que foram suficientes pra tornar JCVD o melhor filme da carreira de Jean-Claude Van Damme. O que, para alguns, não quer dizer muita coisa. Talvez não seja dessa vez que eu convença alguém a ver um filme do Van Damme, mas oportunidade melhor que essa, dificilmente aparecerá novamente…
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