[Primeira parte do longa de Soderbergh, Che- O Argentino mostra uma visão comedida do guerrilheiro]
Ao lançar Che, no 61° Festival de Cannes no ano passado, o diretor Steven Soderbergh foi enfático ao defender a imagem do guerrilheiro Ernesto “Che” Guevara no filme:
“Conheço bem a argumentação dos que são anti-Che e sei que qualquer quantidade de barbaridades que incluíssemos nesse filme não seria suficiente para satisfazê-los”.
[Ficha Técnica]
Com quase cinco horas de duração - 4h28 do filme e um intervalo de 30 minutos entre suas duas partes - o filme dividiu opiniões. Uns acharam o longa chapa branca. Soderbergh teria feito uma abordagem simpática do guerrilheiro argentino estrelado por um astro de Hollywood, o americano de descendência porto-riquenha Benicio Del Toro. Outros gostaram, sobretudo pela adaptação fiel na língua espanhola.
No lançamento para as salas comerciais, Che foi dividido em duas partes pela distribuidora Warner. A primeira parte, intitulada O Argentino, mostra a participação de Che na Revolução Cubana (1959) intercalado com o discurso do guerrilheiro na ONU, em 1964. A segunda parte Guerrilha ilustra os 341 dias que ele passou na selva boliviana, treinando guerrilheiros, até sua morte, em outubro de 1967.
Com um orçamento de US$ 60 milhões (R$ 98,9 milhões), o filme ganhou locações na Espanha, Bolívia, México, Porto Rico e nos EUA. E teve participação brasileira no longa. O ator brasileiro Rodrigo Santoro deu vida ao guerrilheiro Raúl Castro, irmão do ditador Fidel Castro.
[O Castelhano]
Che - O Argentino se apega nas raízes da revolução no início dos anos 50 e se desenvolve até sua maturidade com o estopim da Revolução Cubana, em 1959. Motivados pela tomada do poder de Fulgencio Batista em Havana, com o apoio dos Estados Unidos, um grupo de jovens cubanos ligados aos ideais marxistas começa a idealizar um golpe de estado. Refugiado no México, o pequeno grupo tem como líder o jovem advogado Fidel Castro(Demián Bichir). Figura entre eles o médico argentino Ernesto “Che” Guevara.
Do tipo calmo, semblante sério e voz flexível, Che é ainda um novato na luta armada quando ruma de barco para Cuba em 26 de novembro de 1956. Acompanhado por Fidel e seus seguidores, ele se embrenha na mata e passa a incrustar na mente dos camponeses e jovens os ideais da revolução. Na medida do possível, procura não recrutar menores de idade e analfabetos – e quando o faz tenta alfabetiza-los.
Ao lado dos irmãos Fidel e Raul e do combatente Camillo Cienfuegos (Santiago Cabrera), os principais líderes da Revolução, Che passa a conquistar a simpatia do povo cubano. Assediados pela truculência do exército de Batista, os moradores de vilarejos vão pouco a pouco se aliando aos rebeldes, seja como informantes ou no campo de batalha.
A revolução adentra para as cidades que cedem espaço aos rebeldes. Mesmo com muitas baixas, o exército de Fidel avança nas batalhas até a derrocada do regime de Fulgêncio, em 1° de janeiro de 1959.
[Revolução]
Nessa primeira parte da trajetória de Che Guevara, Soderbergh leva a risca os acontecimentos históricos da Revolução Cubana. Retratando com cores fortes a selva cubana, o cineasta reconstrói o ambiente de conflitos instaurados na ilha caribenha. Um deles foi a batalha de Sierra Maestra, onde Batista emanou uma ofensiva de 10 mil homens para acabar de vez com o movimento. As cenas de batalha entre exército e rebeldes são filmadas em planos abertos, sem grandes malabarismos de câmera. A simplicidade gera uma noção realista aos tiroteios.
Contrastando com as cores fortes de Cuba, as cenas do discurso de Che na ONU surgem aleatoriamente na trama em preto e branco. Há quem diga que isso foi uma maneira do diretor demonstrar sua simpatia com o revolucionário no ambiente hostil em que se meteu e onde foi duramente criticado por outros chefes de estado. Acredito que não, que foi apenas um recurso de estilo, até porque a entrevista verídica foi registrada dessa maneira. Um recorte interessante dessa passagem de Guevara nos EUA foi o encontro dele com o senador McCarthy, um dos principais críticos do comunismo, responsável pela prisão de muitos compatriotas, incluindo pessoas influentes do cinema.
Líder comunista, orador carismático, soldado médico e estrategista de guerra. Soderbergh trata de expor todas essas facetas de Ernesto Guevara. Sem cair na mitificação e sem pegar pesado com o lado frio do guerrilheiro. É bem verdade que o diretor sublima demasiadamente o lado tenro de Che, nos momentos em que ele cuidava de doentes e moldava sua retórica com palavras positivas para elevar a moral do exército. Por outro lado, as lentes também nos mostram seus momentos de fúria e de retaliação onde ele ofende com desprezo os combatentes que desistem da causa e pune com a morte os desertores. Mas, como o próprio cineasta definiu, é pouco para os que estão acostumados a vê-lo como um sociopata assassino.
Embora tenha seu lado chapa branca, Che – O Argentino também dá umas alfinetas sutis nas utopias da luta armada. Para quem conhece os desdobramentos da Revolução Cubana após o embargo econômico dos Estados Unidos dá pra perceber que o diretor mencionou no filme algumas promessas de campanha mal cumpridas do futuro regime. Como na cena onde Fidel promete a Che que a revolução não será colonizada por nenhum outro país. Acontece que após a retaliação dos americanos, Fidel foi correndo buscar apoio da União Soviética de quem se manteve refém até a queda do regime em 1990. E de lá pra cá, pouca coisa mudou lá no seu quintal em Havana. E se mudou, foi para pior…
O ator Demián Bichir, aliás, incorporou muito bem o ditador. Na primeira cena, onde é apresentado a Guevara, ele domina as discussões numa mesa de jantar, sem deixar os outros falar. O jeito falastrão e os gestos destemperados do cubano são bem orquestrados pelo intérprete mexicano. Já Rodrigo Santoro aparece pouco no filme mas não faz feio emulando as feições discretas do irmão mais novo de Fidel. Quanto a Benício Del Toro não há muito o que falar. Ele é genial, um dos melhores atores de hollywood e mesmo não fazendo a melhor performance de sua vida incorpora sem exageros o mito que carrega seu personagem. Sua atuação está no mesmo nível do filme: no mínimo, satisfatória.
http://blig.ig.com.br/planosequencia/
Comentários (0)
Faça login para comentar.
Responder Comentário