Atualmente, fazemos parte de um mundo onde as pessoas não lutam ou sonham pelos ideais de tempos atrás. Num mundo onde bolinhas de gude foram trocadas por celulares, aonde pipas cederam lugar a videogames, um lugar não mais redondo, cheio de árvores e com um céu laranja onde garotos de camisa de botão, sapato e meia clássicos acompanhavam seus pais para desfrutar de um cinema no fim da semana. Quando se gastava dias e dias em casas de veraneios, ir a igreja era princípio básico e ir viver era um fato não tão consumado. A boa e velha nostalgia, quem não se emociona ao se lembrar dos velhos brinquedos, do velho quarto, do antigo lugar onde você pensava refletia sobre tudo. A boa nostalgia.
Muitos filmes já tentaram, com falhas, faze-la. Sempre falta um detalhe crucial: paixão. Reproduzir em telas lugares, vestimentas, e expressões não é uma tarefa fácil, mas após uma grande inspiração em Giuseppe Tornatore por fazer uma quase auto-biografia, a coisa fluiu com um aspecto leve, suave e amplo. Cinema Paradiso (1988) foi o resultado, um ode a todos os adoradores de cinema e de suas infâncias felizes.
Numa cidadezinha no interior da Itália pós-guerra, Salvatore Di Vita, um garoto na casa dos seus nove anos, conhecido por Toto, tinha como meta, passar suas infimas tardes no Cinema Paradiso, aonde lá, desenvolve uma amizade com o projetor, Alfredo. Com o passar do tempo, eles desenvolvem um laço maior do que a própria amizade em si, mas algo realmente grande, como um amor pai e filho. Até que um incidente os separa, não literalmente, mas o imenso laço é rompido bruscamente, e Toto se vê como único que sabe operar as projeções que o velho amigo o ensinara a manusear. Uma bela história, comum talvez, mas existem muito mais coisas para se apresentar.
CP contribui com menções honrosas a outros filmes, tanto em frases, como até em paródias, tudo isso, misturado com um grande grau de metalinguagem a ser respeitada. O amor pelo cinema é fato base para o desenvolvimento, que varia entre drama e comédia com uma sutileza tão soberba que é digno de aplausos. A direção pode não ser tão grande quanto o filme, mas Tornatore consegue envolver muito bem seus dois gêneros de forma que sobra espaço tantos para os protagonistas, como para cada coadjuvante, cada personagem tem seu estilo próprio e todos são elevados nas derradeiras cenas.
Certamente que CP é tão bem questionado também por Salvatore Cascio (Toto), que está como uma brilhante revelação, pois não era ator, mas sim, um simples garoto a ser descoberto. Não muito atrás vem Jacques Perrin, que apesar de participar em poucas cenas, mostra uma seriedade emocional impecável. Philippe Noiret, claro, também é fundamento para a alma do filme. Todas as atuações são ótimas, mas o filme tende a decair um pouco com o crescimento de Toto, ou seja, sua fase adolescente, que não mantém o ritmo risonho do começo, mas uma simples passagem para um filme tragicômico.
Ennio Morricone, famoso por dar temas aos faroestes italianos de Leone, só é meu compositor favorito porque fez a melhor Trilha-Sonora de todos os tempos com esse filme, uma triste alegoria que, em suma, entre violinos, flautas e violoncelos, uma música, toca a alma com o decorrer da jornada; as cenas finais, acompanhadas da música triste e nostálgica são uma das melhores da história do cinema, que além de ser um réquiem para Toto, mostra o decorrer de seus personagens, seus relacionamentos, e sua velhice, com uma maquiagem suave e bela.
Além de ser uma bela homenagem ao cinema e seus atributos, CP engloba com perfeição tudo que possa ter de bom em filmes e em infância, um complexo exemplo de que coesão e coerência não estão muito longe uma da outra. O final, a música, as atuações, o carisma, tudo isso e muito mais, contribui para que além de um dos melhores filmes italianos, ou da década de 80, também seja, com suavidade, um dos melhores da história.
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