O Curioso Caso de Benjamin Button é uma fábula, e deve ser tratada como tal. Os que se preocupam com o visual fantástico (mas não exagerado, como alguns comentam por aí), ou a história inverossímil, não aproveitarão a grandiosidade da obra em sua totalidade. O diretor David Fincher (dos aclamados Seven, Clube de Luta e Zodíaco) e o roteirista Eric Roth (do clássico Forrest Gump) criam uma história lindíssima, emocionante, inesquecível. Com certeza, esta é uma produção que ficará na memória de muitos espectadores, não pela beleza, mas pela lição de vida que ela triunfantemente passa. Afinal, toda fábula precisa de uma.
Indicado a treze Oscars, é favorito em pelo menos metade. E com razão. É um filme trabalhado meticulosamente em todos os seus aspectos, desde a direção segura de David Fincher, o roteiro genial (e quase perfeito) de Eric Roth, o elenco espetacular (Brad Pitt e Taraji P. Henson brilham, e Cate Blanchett, mesmo com um personagem desinteressante, se esforça ao máximo), a trilha sonora agradável de Alexandre Desplat, a fotografia excepcional do chileno Claudio Miranda, e a maquiagem (favorito ao Oscar de Melhor Maquiagem). A produção nos envolve tanto, que as quase três horas de duração passam mais rápido que a de um filme de uma hora e meia. É a magia de David Fincher em transformar o longo em prazeroso (Zodíaco, seu trabalho anterior, prova isso).
Para os que não sabem nada da história, uma breve sinopse: em New Orleans, Benjamin (Brad Pitt, no melhor momento da carreira, talvez), abandonado pelo seu pai que o considerou uma “aberração”, nasce velho, e ao passar dos anos, rejuvenesce. Sim, o contrário de “nós”. Acompanhamos então a vida dele, cada momento, cada descoberta, cada amor (principalmente Daisy, interpretada pela Cate Blanchett)... E consequentemente, a morte daqueles que conviviam com ele. Uma premissa tão simples (e original) quanto Forrest Gump. E como ele, o desenvolvimento se sobressai. O jeito que os personagens se relacionam, os acontecimentos que os envolvem... Do fim da Primeira Guerra até a destruição provocada pelo Furacão Katrina, somos envolvidos do início ao emocionante fim.
O roteiro de Eric Roth erra em pouquíssimas partes. O principal é dar preferência ao relacionamento entre Benjamin e Daisy. A personagem interpretada por Cate Blanchett é desinteressante ao extremo, clichê, e sem nenhum atrativo especial (só a beleza, para os safados de plantão). As cenas entre os dois, que não são poucas, são cansativas e muito comuns, caindo numa sensualidade desnecessária e não sensual (que??!!). O relacionamento apenas se torna interessante e aceitável nos últimos minutos, quando o romance dá lugar ao drama.
Outro erro é a rápida passagem de alguns trechos. A Segunda Guerra Mundial no filme é mais rápida que uma guerrinha de giz em escolas. Não se dá a devida importância a alguns personagens interessantíssimos (leia-se: mais que a Daisy), e suas histórias pessoais não são exploradas (e quando são, apenas superficialmente). De fato, se o incômodo relacionamento entre Benjamin e Daisy desse lugar ao desenvolvimento de outras sub-tramas, o roteiro alcançaria a perfeição.
Se o lado ruim incomoda, parte dele, ao menos, é ofuscado pelo brilhantismo dos diálogos. Divertidos, curtos, diretos, mais visuais. A complexidade está presente em apenas algumas frases individuais, que surgem apenas quando necessário. A narração só ajuda a entrarmos na mente de Benjamin. Em certas cenas, recursos inteligentes são usados, mesmo que às vezes, pareçam distantes da história principal. Mas como comentei anteriormente, é tudo uma fábula, uma fantasia.
A beleza reside tanto em diálogos quanto no visual. A fotografia apresenta os melhores e mais bonitos planos, afastando-se do confuso, e focando-se no lindo. Colorido, quase uma pintura, e visualmente não cansa. A trilha sonora também é agradável. Não memorável, mas excelente ao ser fantasiosa e calma. E a maquiagem se destaca. Ver um Brad Pitt assustadoramente velho, e uma Cate Blanchett lindíssima e jovem, para depois os papéis se inverterem, demonstra o cuidado que a equipe de maquiagem tomou minuciosamente em cada detalhe.
O grande destaque mesmo é Brad Pitt. Colega pessoal de David Fincher, os dois se reúnem novamente. Agora, ambos mais maduros. Brad Pitt dá um show de interpretação, e passa uma emoção e um carisma ao personagem, que equivalem até mesmo ao Forrest Gump. É engraçado ver a inocência e a “era das descobertas” nos olhos de um Brad Pitt velho em aparência, mas novo no interior. O ator conseguiu captar perfeitamente os momentos mais importantes da vida do personagem, e transmiti-los ao espectador, que se sente emocionado e interessado por ele. Provavelmente, não vencerá o Oscar. Mas por ter sido indicado, já é uma grata recompensa por seus esforços.
Cate Blanchett, sempre uma excelente atriz, não decepciona aqui. Esforçada, assim como Brad Pitt, muda seu personagem ao passar dos anos. A juventude e a animação dão lugar à maturidade e à ponderação. O problema mesmo é a personagem, que se torna interessante só nos trinta minutos finais, quando a platéia já está cansada de tantos beijos e blá-blá-blá romântico.
Queenie, interpretada pela Taraji P. Henson, é, em minha opinião, a personagem mais verossímil da obra. Responsável por adotar Benjamin quando este é abandonado na porta de seu asilo, Queenie infelizmente é muito pouco desenvolvida, e com alguns minutos em tela, envolve o espectador, que se simpatiza facilmente com ela. Sempre alegre, preocupada, trabalhadora, é a figura de uma mãe cuidadosa e dedicada.
Os outros coadjuvantes também estão muito bem no filme. Tilda Swinton (que ganhou um Oscar de Melhor Atriz Coadjuvante por Conduta de Risco), por exemplo, interpreta um rápido caso amoroso de Benjamin, e cá entre nós, muito mais interessante, pela personagem ser mais simpática e misteriosa. Elle Fanning (sim, a irmã da famosa Dakota Fanning) interpreta Daisy quando criança (bem mais interessante do que quando ela é adolescente ou adulta), e apesar de aparecer (MUITO) pouco, terá provavelmente mais oportunidades valiosas em sua carreira devido a este papel. Dos outros, não há nenhum destaque, mas pelo menos, funcionaram no contexto da obra, e não decepcionaram.
Pouco escrevi de O Curioso Caso de Benjamin Button, mas o essencial está aí. É um dos filmes mais bonitos de todos os tempos, um dos melhores do ano (mas não melhor que Wall-E, vejam bem), com atuações impecáveis, trilha sonora e fotografia excepcional, ótima direção e roteiro, e um dos finais mais emocionantes de todos os tempos. Peca em alguns aspectos irritantes, mas nada que tire a grandiosidade que essa maravilhosa produção ostenta. Imperdível, emocionante e completo pelo fato de vermos todo o mundo girar em torno do personagem. É basicamente uma história sobre a vida, de como mudamos ao passar dos anos. Uma obra-prima, que mostra que o cinema hollywoodiano pode sim renovar, mesmo baseado em um conto antigo.
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