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Especial 10 Anos Cineplayers - Filmes de 2004

A equipe teve um Carnaval prolongado, mas finalmente tudo entrou nos eixos e conseguimos terminar a penúltima lista do nosso especial de 10 anos do Cineplayers.

Para quem não lembra, a regra é a seguinte: cada editor escolheu um, e apenas um, filme de cada ano e resolveu escrever algumas palavras sobre ele, não necessariamente significando que era o seu filme preferido do ano citado. Com isso, buscamos abranger o maior número possível de gostos, mas obviamente muita coisa ficará de fora e aguardamos a sua participação para cobrir essas lacunas nos comentários abaixo.

Se você perdeu alguma lista anterior, é só clicar no ano correspondente mais abaixo.

20052006, 2007, 2008, 2009, 2010, 2011, 2012.

 

2046 - Os Segredos do Amor, de Kar Wai Wong

Título numérico que adquire diversos significados dentro da trama, como uma espécie de coringa rolando solto pela história, e preenchendo lacunas simbólicas (um ano, um quarto de hotel etc.), que foram formadas depois que seu diretor decidiu estender o tempo de uma maneira quase inexplicável. Distende o tempo de uma forma tão radical, que se abrem rasgos em sua linha temporal, tapados por um número. 2046 trata da distensão de tempo, imagens, espaços, cenários, gêneros cinematográficos e principalmente sentimentos. Wong se vale de uma liberdade artística muito ousada, modelando o que nos é classificado como abstrato, materializando em imagens conceitos invisíveis aos olhos, mas muito fortes no coração. Liberdade esta que o permite dar saltos no tempo sem prévio aviso, retardar sentimentos enquanto acelera descontroladamente todo o resto, como se pudesse ir esticando sua imagem física, até esta se tornar um borrão irreconhecível visualmente, mas tão palpável; soltando então as pontas de sua tela, agora cheia de estrias, de arestas temporais, que escondem detalhes antes visíveis, brincando com nossa percepção e nos engolindo em seu redemoinho de cores e luzes, e depois nos cuspindo de volta, confusos e ao mesmo tempo familiarizados com seus principais temas. O amor nunca foi tão pulsante e vívido.

- Heitor Romero

 

Antes do Pôr-do-Sol, de Richard Linklater

Existem vários grandes filmes de romance na história do Cinema. Poucos, no entanto, conseguiram capturar de forma real a magia que acontece quando duas pessoas se apaixonam. Richard Linklater, Ethan Hawke e Julie Delpy fizeram isso em Antes do Amanhecer e na sequência talvez ainda mais espetacular, Antes do Pôr-do-Sol. Retratando em tempo real o reencontro de Jesse e Celine nove anos após a noite que viveram juntos, o diretor alcançou a proeza de permear cada frame de sua produção com a mais pura sensibilidade, beneficiado pela química absurda entre os atores. O resultado é um filme simples em termos de estrutura e produção – se é que se pode chamar os longos planos de simples –, mas de uma verdade que toca o coração. Um filme no qual os detalhes – os instantes de silêncio constrangedor, a hesitação de Celine em passar a mão no cabelo de Jesse sem que ele note – constroem o todo e traduzem em imagens o sentimento que arrebata de forma tão intensa aqueles dois seres em uma tarde mágica em Paris. Ao final, não importa se Jesse perdeu ou não o avião; a nós, basta ter vivido junto a eles a experiência única de ver renascer o mais nobre – e talvez até mais raro – sentimento: o amor verdadeiro. Nem que seja por um filme.

- Silvio Pilau

 

Brilho Eterno de uma Mente sem Lembranças, de Michel Gondry

Charlie Kaufman devolveu a Hollywood um conceito que andava em baixa por lá: o da presunção de inteligência do espectador. Com Quero Ser John Malkovich e Adaptação provou que a complexidade esperta tem ligação direta com a coerência – e que o espectador pode e deve ser convidado a pensar. E é essa lógica pouco autoexplicativa nos diálogos, portanto, mais desafiadora, que guia o romance Brilho Eterno de uma Mente Sem Lembranças. Apagar memórias dolorosas é a proposta, mas qual o custo de esquecer os infortúnios? Para Charlie Kaufman, a falta de lembrança pode levar à repetição de erros. As experiências, por mais que signifiquem dor, são o caminho dos acertos. A história pode se repetir sem as referências do passado, inclusive propositalmente, mesmo com o fim certo que se seguirá. O importante é viver os momentos, lembrá-los, pois o amor é fadado ao sofrimento e deve ser algo natural e espontâneo. Tentar fabricá-lo, como o personagem de Patrick, faz a receita ficar incompleta: falta o lado humano. A racionalidade pura e simples, portanto, não pertence ao amor. E esquecer as decepções é, também, aceitar revivê-las. O final é a bela representação do amor em estado bruto. Que seja eterno enquanto dure.

- Emilio Franco Jr.

 

O Castelo Animado, de Hayao Miyazaki

Miyazaki ganhou uma tardia atenção do público mundial depois de vencer o Oscar de Animação por A Viagem de Chihiro, mas poderia ter sido com qualquer uma de suas obras anteriores. O Castelo Animado segue sua linha encantadora de misturar fantasia com realidade, dessa vez apontando seu lápis para as Guerras e para o julgamento de aparências que todo mundo já realizou um dia. O básico está lá: cenários estupendos, muitas cores, o surrealismo que não poupa as crianças, a narrativa muito mais cadenciada; justamente por isso suas obras se tornam tão especiais. Em uma época onde o cinema ocidental estava aposentando o estilo clássico de animação, é glorificante ver e rever uma obra que vai contra tudo, sem tratar as crianças de maneira rasa, deixando-as pensar e, porque não, refletir mais a fundo em um filme muito mais sombrio do que habitualmente estamos acostumados a ver em sua brilhante carreira. E, convenhamos, poucos são mais gabaritados para falar de Guerra, bombas e dor do que um idoso artista japonês, não é mesmo?

- Rodrigo Cunha

 

Closer - Perto Demais, de Mike Nichols

Roteirizada pelo autor da peça original, Patrick Marber, e dirigida por Mike Nichols, que há aproximadamente 40 anos (Quem Tem Medo de Virgínia Woolf?) já mostrara sua aptidão para dramas baseados em diálogos, Closer é um verdadeiro exemplar de adaptação cinematográfica bem pensada e muito bem-sucedida. E relevante, pois o que se levou aos cinemas foram questões que deflagram características universais da personalidade humana, especialmente no contexto de relacões amorosas e conjugais. Igualmente identificáveis em cada um de nós são as características - mesmo as mais cruéis - do quarteto principal, em torno dos quais toda trama se desenrola. E se a dubiedade nos inconstantes personagens de Jude Law (Dan) e Julia Roberts (Anna) intriga, são os coadjuvantes Clive Owen e Natalie Portman que protagonizam as situações mais contundentes da trama e impressionam na interpretação de personagens realmente fascinantes. Larry, um tipo aparentemente cafajeste, porém essencialmente rude, dolorosamente sincero e estranhamente sedutor, como muitos homens gostariam de ser ao menos por um dia, muitas mulheres desejariam ter ao menos por uma noite; e Alice, a doce e misteriosa menina que vai ficando mais linda e complexa ao longo da trama, cujo enigma não se decifra (até se acentua) após inevitáveis revisitas a este filme, capaz de, como poucos, nos fazer refletir sobre imaturidade, egoísmo e todo tipo de fragilidade humana em relações interpessoais.

- Rodrigo Torres de Souza

 

Colateral, de Michael Mann

O momento que define a essência de Colateral é aquele onde Max (Jamie Foxx), Vincent (Tom Cruise) e Daniel (Barry S. Henley) conversam sobre jazz. Este último é um músico que disse ter tocado com ninguém menos que Miles Davis, uma das lendas máximas do gênero em discussão. O fato é que Daniel faz parte da lista negra de Vince (que é um assassino profissional) e até tomar bala na cabeça não demora. Na história contada, Davis teria afirmado que o até então jovem Daniel era bom, mas ainda não estava preparado. Jazz é improviso, assim como passar a noite ao lado de um matador tão experiente é para um simples taxista (Fox). O improviso faz parte das ações de Max, que entra de cabeça e a contragosto naquele solo infernal que devora a noite mais alucinante de sua vida e parece não ter fim. Portanto, Vincent está para Max assim como Davis esteve para Daniel um dia. A diferença é que Max consegue sobrepor-se à situação e aos poucos vai mostrando ser capaz realizar seu próprio Kind of Blue. A violência de Colateral, assim como uma melodia, viaja pelo espaço por que suas personagens trafegam e está em cada detalhe diluído no tecido narrativo fiado pelas linhas mais orgânicas do pensamento de Michael Mann, autor de timing pouco comparável que sabe como poucos o que fazer com quase duas horas de projeção.

- David Campos

 

Contra a Parede, de Fatih Akin

Contra a Parede inaugurou uma onda de filmes em que imigrantes de países ricos fazem filmes sobre as duas realidades, a qual cresceram e qual vivem, misturando universos e criando algo novo, original. Fatih Akin conta a história de um alemão de origem turca que tenta o suicídio e, na clínica psicológica onde estava internado, acaba se encontrando com uma outra suicida. Juntos, decidem se casar para se verem livres da burocracia medical e, enfim, poderam concentrizar o grande sonho de suas vidas, o de se matarem. Sexo pode ser visto nesse filme tanto como libertação como mais uma cruel justificativa para o suicídio.

- Demetrius Caesar

 

Diário de uma Paixão, de Nick Cassavetes

Hoje faz quase 10 anos que Diário de uma Paixão chegou aos cinemas. Ainda hoje é um dos campeões de audiência na seção românticas das vídeo-locadoras. Não é qualquer filme que consegue alcançar tamanho sucesso. Os elementos de romance e drama são tão bem costurados que fica difícil não se render. Desde lá, as adaptações de livros de Nicholas Sparks viraram quase uma modinha anual: o autor escreve para as mulheres sabendo o que elas querem. Diário de uma Paixão talvez seja a melhor das adaptações até o momento, e merece um cantinho em qualquer lista de 2004. Com sua história sobre Alzheimer, consegue arrancar lágrimas de corações duros (alguns, pelo menos), e é quase uma ode ao amor.

- Josiane K.

 

Kill Bill - Volume 2, de Quentin Tarantino
 
Tarantino foi uma espécie de gênio para mim – o Tarantino dos anos 1990. Quando comecei a me apaixonar pelo Cinema, seus textos ágeis e comuns a pessoas ordinárias, pronunciados por anti-heróis e bandidos “fodões” me conquistaram a tal ponto que me fizeram incluir filmes como Pulp Fiction e Cães de Aluguel entre os grandes filmes que vira até então. Kill Bill – Volume 1 foi chamado de “o quarto filme de Quentin Tarantino”, numa auto-promoção canalha, mas que, claro, chamava a atenção. Naquela época (2003) dividir filmes grandes em “parte 1” e “parte 2” começou a virar modinha, mas quando Kill Bill – Volume 2 apareceu, isso fez sentido. É um filme absolutamente distinto de seu primeiro capítulo. Os textos aguçados voltariam aqui, o encontro da ação com o faroeste foi lindo de doer, inspirador e, embora boa parte das técnicas utilizadas e homenagens proporcionadas pelo diretor seja perfumaria, é das mais cheirosas (depois, viria a ficar batido e redundante). Kill Bill – Volume 2 fechou uma história de vingança com narrativa moderna de forma marcante.

- Alexandre Koball

 

Mal dos Trópicos, de Apichatpong Weerasethakul

Entre os desafios lançados ao espectador de cinema nestes anos 2000, é o tailandês Apichatpong Weerasethakul quem talvez tenha apresentado o mais encantador deles: sua filmografia, composta por obras que embriagam nossa cognição através de quebras narrativas e de diluições estéticas filmadas com grande naturalidade pelo cotidiano, cultura e crenças espirituais de seu pais, é desde já uma das mais representativas de uma geração de cineastas que deseja construir através da arte novos conflitos entre o olhar e o mundo, distanciando-se de fórmulas de encenação já assimiladas em mais de cem anos de cinema. Mal dos Trópicos merece destaque em sua ainda curta – e bastante promissora - filmografia por reunir toda beleza do cinema de Joe – como se auto-denomina para os ocidentais – em uma coleção de planos que emanam um prazer imenso por conduzirem o espectador a um abismo obscuro, colocando-o constantemente de frente com o desconhecido. Uma obra misteriosa que parte de um conflito existencial entre o homem racional e as bestas selvagens e se dilui através de uma narrativa quebradiça, que lá pelas tantas pari de si mesma um novo filme e posiciona o espectador através dele em uma condição semelhante à de seu protagonista: perdido na selva em uma noite escura, na qual não se vê a mais que cinco palmos à frente da face. Um convite perfeito para o essencial desbravamento do cinema de Apichatpong.

- Daniel Dalpizzolo

 

Mar Adentro, de Alejandro Amenábar

Alejandro Amenábar trouxe a história de Ramon Sampedro que queria a eutanásia e lutou na justiça pelo direito de morrer. Num estado laico, sobraram indagações a respeito de seus direitos. Em “Cartas do inferno”, escritos publicados de Ramon, várias foram as questões abordadas sobre o que é a vida. Em quais condições é, irrefutavelmente, vida? Tudo rola após anos experienciando conscientemente dificuldades depois de um acidente que o deixou tetraplégico. Amenábar trabalha com tal história sem apresentar soluções ou apologias, deixando lacunas interrogativas a respeito de indivíduos, desejos, sociedade, ética e moral. Ainda conta-se com Javier Bardem em sua melhor interpretação, favorecendo com suas dicções e apoiado na consciência do personagem um afetamento no público que se flagra torcendo por sua conquista. As defesas morais e religiosas do espectador acabam estremecidas por esse filme que não impõe, mas questiona e exemplifica um fato. A narrativa trata da liberdade em choque com a limitação física que a priva. Têm-se a necessidade do outro, aproximação que dá – faz – sentido e complementa saciando a ausência. Ramón salienta sua dignidade e decide, perfeitamente em juízo e esclarecido, seu futuro. Afirma: viver é um direito, não uma obrigação. Espera-se que o espectador faça algo com isso.

- Marcelo Leme

 

Melinda e Melinda, de Woody Allen

A milenar discussão entre comédia e tragédia funciona como ponto de partida e chegada de mais um conto novaiorquino à moda alleniana. Enquanto dois amigos se decidem sobre qual dos gêneros melhor representa e, quiçá, define a existência humana, a personagem-título, invenção de suas mentes criativas, é cindida. O olhar dúplice sobre uma mesma trajetória com sutis variações de abordagem transforma o filme em um delicado estudo de personalidades, temática atraente pelo que traz consigo de inquietante. Allen discorre sobre o pranto que dura uma noite inteira e sobre o riso que o procede. Se ontem era trágico, hoje pode ser cômico: a mesma conjuntura pode se prestar a mais de um ângulo de observação. Normalmente dividida entre as produções sérias e as engraçadas, a filmografia do diretor encontra em Melinda e Melinda a confluência entre ambas, brincando com seus limites como somente Allen é capaz de fazer. É comum que se diga em meio a um acontecimento desesperador: "Ainda vamos rir disso tudo". Isso é um indicador de que um mesmo fato pode ser enxergado sob uma perspectiva triste e, tempos depois, de um ângulo alegre. A vida não é estanque, o quente também pode ser frio, e o amargo também pode se revelar doce se provado mais uma vez, ou com um pouco mais de boa vontade.

- Patrick Corrêa

 

Menina de Ouro, de Clint Eastwood

Em Clint Eastwood como diretor nunca há o recalque. Pode haver personagens com recalque em seus filmes, mas são estes justamente as figuras solitárias e com traumas do passado que pagam um preço com o isolamento e o deslocamento em relação às outras pessoas ao redor (maneira de colocar esse recalque em crise), como as que o próprio cineasta interpretou em Gran Torino e nesse Menina de Ouro, duas das diversas obras-primas que realizou nos últimos dez anos, e ambos mergulhos profundos na solidão de um homem. Soma-se aqui a presença feminina, que se no decorrer da filmografia de Clint foi evoluindo de partners e interesses românticos ao longo de trinta anos, em Menina de Ouro surge como protegida e quase uma filha que cowboys solitários no cinema como Clint raramente puderam ter o luxo de possuir ou conviver bem. Tudo em um filme de boxe, talvez o esporte que mais pareça com a existência, como se vivêssemos num ringue simbólico, e uma das grandes lições do cinema de Clint é não negar a seus personagens uma chance ou a dignidade ao final, vencendo ou não (o que vale pra todos os seus filmes). Nunca antes na história do cinema as potencialidades de um melodrama se encaixaram tão bem num filme de boxe, com a derrocada de uns, e ressurgimento de outros pairando numa penumbra estética de composições escuras, cheias de sombras. Filme de arrancar lágrimas.

- Vlademir Lazo

 

Sideways - Entre Umas e Outras, de Alexander Payne

A certa altura de Sideways – Entre umas e Outras, provocado por Maya (Virginia Madsen), Miles (Paul Giamatti) confessa os motivos da sua preferência pela Pinot Noir. Para ele, esta uva era uma verdadeira sobrevivente. Diferentemente da Cabernet, que crescia em qualquer solo e mesmo quando negligenciada, ela só tinha condições de vingar nos lugares mais distantes do mundo. A Pinot Noir era uma uva temperamental e, por isso mesmo, exigia total atenção e dedicação. No entanto, aos que se dispusessem a enfrentar o desafio, um sabor inesquecível estaria reservado. Se é claro que, mais que falar sobre as características de uma uva, Miles está falando de si mesmo, é possível inferir que esse pensamento resuma o próprio cinema de Alexander Payne. Payne é daqueles cineastas que filmam sem pressa, o espaço entre seus projetos é bem maior do que a média, e nem sempre a primeira impressão é das melhores. Vazio ou excessivamente televisivo são os defeitos sempre apontados pelos críticos de plantão. Mas, tal e qual a Pinot Noir, os filmes de Payne parecem precisar de tempo para florescer e exibir todo seu vigor. Os que estiverem dispostos a experimentar esse tipo de cinema, só têm a ganhar. Sideways, que na filmografia de Payne talvez só perca em qualidade para Eleição (1998), é um exemplo disso.

- Régis Trigo

 

Todo Mundo Quase Morto, de Edgar Wright

Longe de fazer apenas um “Spaced vai ao cinema”, pela repetição da dupla cômica Simon Pegg e Nick Frost, Edgar Wright em 2004 criou um dos mais originais filmes nascidos da interseção entre horror e comédia. Todo Mundo Quase Morto vai na contramão de todo o cinema zumbi-maratonista feito à época: é um filme que mescla gore, cultura pop e gags de humor negro em uma linguagem frenética e atual como a cabeça de Wright. E o diferencial principal, que possibiltou uma linguagem moderna e não apenas modernosa, parte da temática, que resgata o conceito do Romero do zumbi ser na verdadade o cidadão médio; se o velho George tratava dos hedonistas com sede de consumo dos 70, Wright parte dos slackers, os desestimulados jovens adultos que foram adolescentes entediados durante os anos 90. O resultado é um filme onde o humor parte da própria indiferença e alienação de seus protagonistas , que vêem a violência ao redor mas já estão apáticos demais para levarem a sério ou reagir. E os zumbis, claro, continuam ameaçadores, impiedosos e sanguinários. Claro que também conta aí o profundo conhecimento e respeito de Wright sobre o assunto que está tratando. Provocar o riso pela ridicularização dos clichês, tratando o objeto com cinismo, é fácil. Utilizar-se de seus mecanismos narrativos para jogar com nossas expectativas e tirar daí um filme realmente diferenciado... Aí já é algo que exige um pouquinho mais de seu autor.

- Bernardo D. I. Brum

 

A Vila, de M. Night Shyamalan

Spoilers!!

Na cena mais importante de A Vila, Ivy é perseguida por uma das criaturas na floresta. Ela e o espectador descobrem momentos antes que as criaturas são uma farsa, mas ela foge mesmo assim, e o filme empreende artifícios (a trilha, o movimento que revela a criatura distante e subitamente perto) que ignoram a informação recém dada para impor ao espectador um medo que ele sabe não fazer sentido e pedir-lhe que tema pela personagem mesmo consciente de que não há o que temer. Este, ao lado das pessoas que fogem do vento em Fim dos Tempos, é o momento mais corajoso da carreira de Shyamalan, o que críticos mais inocentes chegaram a chamar na época de “erro de edição básico no terceiro ato”. A Vila não é um grande filme, sequer é bem filmado se comparado a Sinais, mas reúne como nenhum outro os dois grandes temas do cinema de Shyamalan: a fé e o isolamento. Os personagens de Shyamalan estão sempre sozinhos em sua bênção/maldição (no caso de Ivy, a coragem, que é naturalmente cega) porque os homens são sozinhos, condição para a qual a fé, seu superpoder (ver o que é invisível, sentir o que é incorpóreo), é mero paliativo. Neste caso, a cena em A Vila funciona como um pequeno cenário-síntese, alegoria dos cegos e assustados que correm na floresta em busca da saída.

- Luis Henrique Boaventura

Comentários (42)

Bernardo D.I. Brum | sexta-feira, 22 de Março de 2013 - 23:03

na internet eu encontrei molezinha os do Joe.

Guilherme Santos | sábado, 23 de Março de 2013 - 00:44

tomara que coloquem o chamado na lista de 2002🙂

Patrick Corrêa | segunda-feira, 25 de Março de 2013 - 11:50

Guilherme,

o especial, a princípio, termina com o ano de 2003.

Abdias Terceiro | quarta-feira, 27 de Março de 2013 - 10:02

Faltou "O operário"
mas a lista está muito coerente levando em conta o que produziu-se nesse ano.

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