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Ranking: Os filmes de Christopher Nolan

Dos diretores em atividade do cinema americano que surgiram nos anos 1990, talvez nenhum divida tanto as opiniões quanto Christopher Nolan. De um lado, os fãs fervorosos o apontam como visionário e revolucionário; do outro, temos os descontentes com seu cinema, que o acusam de embusteiro e pragmático. Na opinião deste que vos escreve, o diretor está longe de ser qualquer um desses extremos, e tem uma carreira de títulos bastante diversos, o que torna possível mesmo para seus detratores encontrarem um ou dois filmes mais interessantes. 

Nas vésperas da estreia de seu novo trabalho, o épico de guerra Dunkirk (2017), elaboramos um ranking de seus longa-metragens, do pior ao melhor. Confiram! 


9. Batman: O Cavaleiro das Trevas Ressurge (2012)

A tão esperada conclusão para a trilogia do cavaleiro das trevas é, talvez, o momento mais frustrante da carreira da Christopher Nolan. Depois de impressionar o mundo com sua releitura drástica do homem-morcego em Batman Begins, limando toda a fantasia cartunesca de anteriores adaptações para o cinema, Nolan procurou usar essa história como reflexo dos males modernos que nos acometem fora do terreno da ficção, como a violência urbana, a corrupção da classe política e as cicatrizes internas do homem que cresce cercado de um ambiente cada vez mais decadente. Esse terceiro e último episódio se vale da crise na bolsa de valores em 2008 e do terrorismo para retratar a paranoia do povo americano em relação às suas instituições financeiras e de segurança pública. Com a confiança no poder abalada, cria-se um terreno fértil para a anarquia e total revolta, propiciando o surgimento do vilão Bane e seu discurso de insubordinação. De monstro desumano, Bane logo é também revelado como uma vítima dessa sociedade desigual e sua redenção projeta a conclusão esperançosa desenhada por Nolan para sua trilogia. Embora interessante no conceito, na prática o diretor perde o timing para fechar os arcos e o tom épico de fim de trilogia acaba sabotado pela própria ambição. Meia hora a menos poderia ser uma boa salvação. Ainda assim, um encerramento digno para uma das trilogias mais representativas do mundo moderno. 


8. O Grande Truque (2006)

É o filme que mais oferece munição aos detratores do diretor que o classificam como embusteiro. O Grande Truque se pretende muito espertinho, surpreendente e chocante, quando na verdade não passa de um simples suspense muito dependente do plot twist final. O enredo de truques de mágica, ilusão e ocultação se mostra propício para o diretor elaborar inúmeras elipses e pistas falsas a fim de confundir o espectador com relação ao desfecho que protege tão cuidadosamente. O que prejudica toda a empreitada é justamente o seu pior defeito como realizador: a autoexplicação excessiva. Nolan parece não confiar muito na inteligência de seu público e costumeiramente oferece respostas e dicas muito óbvias para que o espectador jamais se sinta confuso a ponto de se entediar, e no fim acaba por desmoronar por terra toda sua teia e deixar claro que o que foi deixado ao longo do caminho foram pistas falsas, o que torna impossível que qualquer pessoa consiga sequer chegar perto de adivinhar o final. Ainda que a surpresa tenha seu valor, os recursos para escondê-la são desonestos e infantis, meras pistas falsas e de pouca função narrativa. E tudo se sabota com o tal plot twist final explicado em minúcias, detalhe por detalhe, tornando toda a iniciativa de mistério inútil. O que vai valer nesse meio todo nem é o suspense, e sim o fundo sobre amizade e ambição. 


7. Interestelar (2014)

O maior triunfo é também o maior problema de Interestelar. Se em uma mão oferece uma trama interessante envolvendo viagens para novas galáxias, a possível extinção da raça humana, a possibilidade de vida em outro planeta e a manipulação de conceitos abstratos como tempo e gravidade, na outra mão afoga muitas dessas ideias em excessivas teorizações matemáticas, mecanizando a emoção rogada pelo roteiro. Afinal, sua teoria-base é demasiada complicada e abstrata de se explicar ao espectador (há uma cena, por exemplo, em que um personagem literalmente desenha uma explicação sobre o que está acontecendo), porém Nolan vira refém dela para desenvolver sua história, o que acaba sufocando a intenção de fundamentar tudo na grandiosidade cósmica de sentimentos humanos como o amor. A ponte entre esses extremos é frágil, mas não ao ponto de se romper, por isso o saldo é positivo, principalmente no que se refere ao seu visual encantador e ao seu ritmo cuidadosamente cadenciado. Por outro lado, é uma história que serve de suporte para que ele faça aquilo que mais ama: expandir as estruturas espaço-temporais de seus filmes. Nolan gosta de mexer com o tempo fílmico de modo a influenciar a experiência do espectador em tempo real, oferecendo uma proposta quase metalinguística ao expor essa função do cinema em também conseguir esculpir o tempo de acordo com seu objetivo. Para isso ele recorre a vários recursos já utilizados em filmes como Amnésia, ao inverter a montagem e contar a história de trás pra frente; A Origem, ao criar várias camadas de ações paralelas acontecendo simultaneamente, porém em diferentes tempos; e Batman: O Cavaleiro das Trevas Ressurge, no qual prolonga o clímax da trama por quase uma hora. No fim, acerta e erra também em quase todos os pontos que acertou e errou anteriormente.


6. Batman Begins (2005)

A ideia era ousada: reimaginar o universo sombrio do Batman, um herói já famigerado no cinema, dentro de um contexto mais realista e, por que não?, mais “possível”. Nada de vilões excêntricos e bizarros, nada lutas coreografadas e nada de se resumir a mero entretenimento. Nolan resgatou o viés filosófico do homem-morcego e trabalhou inteiramente em cima disso, fazendo de Gotham City não um delírio expressionista sombrio tal qual Tim Burton fizera, mas sim uma metrópole moderna que esconde por trás de sua fachada “clean” um submundo de corrupção e violência. As motivações de Batman e de seus inimigos vão além de um embate do bem contra o mal, mas partem de um conflito ideológico e de natureza interior. A ideia foi muito bem recebida tanto pela crítica quanto pelo público, mas dentro da trilogia Begins hoje parece apenas um tira-gosto ou uma preparação de terreno para Batman: O Cavaleiro das Trevas, que viria alguns anos mais tarde e potencializaria todo o novo conceito proposto por Nolan nesse primeiro episódio. Foi o primeiro grande blockbuster do cineasta e talvez aquele que o tenha colocado nas graças do público. Depois de Batman, a cobrança em cima de seu trabalho seria muito maior, para o bem e para o mal. 


5. Seguinte (1998)

Seguinte é aquele tipo de filme que, de tão cru, expõe toda a base cinéfila de um diretor, suas influências, seus temas preferidos, seu estilo. Antes do refinamento dos anos e da experiência, Nolan trazia em evidência sua pretensão de brincar com algumas estruturas básicas do realizar cinematográfico, experimentando com a montagem e com a narrativa. Como já mencionado, o diretor tem o costume de estender e comprimir o tempo a fim de alcançar resultados diferentes. Tudo o que ele faz aqui, ainda que em caráter puramente experimental e amador, revela sua característica inovadora, sua intenção de oferecer algo de novo mesmo dentro de um roteiro simples. Mais especificamente, é o degrau que ele precisava escalar antes de estar pronto para um filme difícil como Amnésia.  


4. A Origem (2010)

Talvez o mais controverso trabalho de Nolan, A Origem divide opiniões até hoje. Por um lado há a incrível magalomania de trabalhar dentro da (i)lógica dos sonhos de forma racional e objetiva, por outro parece que a grandiosa viagem de Nolan sucumbe às autoexplicações. Dentro do terreno onírico, de fato, o excesso de explicações acaba matando boa parte da ideia (com a personagem de Ellen Page servindo de “olhos” do espectador enquanto aprende em cada detalhe tudo o que está acontecendo em cena), mas a beleza de A Origem está justamente em explorar esse tema sem tanto abstracionismo. Na sua mais ousada tentativa cinematográfica, o diretor procura expandir o tempo em diferentes níveis de velocidade e os sobrepor em um clímax de mais de uma hora. O resultado é uma hora insana de quatro tempos e unidades de ação ocorrendo simultaneamente, porém divididos pelos “níveis” de sonho dentro da mente de um personagem, além do tempo real ocorrendo fora da cabeça dele. É uma brincadeira muito ambiciosa e cuidadosamente planejada (e que seria repetida em Interestelar através das diferenças temporais no espaço sideral) e o resultado não desagrada, ainda que no meio do trajeto o diretor por vezes acabe metendo os pés pelas mãos. Nesse meio todo, ele aproveita para inventar dentro de espaços fisicamente impossíveis, como na cena da luta de Joseph Gordon-Levitt dentro de um corredor de hotel que começa a se dissolver em formas assimétricas e antigravitacionais. Entre trancos e barrancos, ainda que muito deficiente em forma e conteúdo, A Origem é uma diversão interessante e só possível através do cinema. 


3. Batman - O Cavaleiro das Trevas (2008)

Hoje aclamado como um dos maiores filmes de super heróis do cinema, O Cavaleiro das Trevas foi um divisor de águas e provável responsável de alçar Nolan ao seu posto de hoje diretor mais amado e odiado ao mesmo tempo. Todas as sementes plantadas em Begins germinam aqui e se desdobram num grande embate do bem contra o mal, quando Batman finalmente acha um vilão à sua altura: o terrível Coringa de Heath Ledger, que rendeu um Oscar póstumo ao ator. Numa composição visceral, o Joker de Ledger é uma criatura demente e nefasta capaz de rir da mais cruel tragédia. Temos aqui o cruzamento de um grande personagem caindo nas mãos de um grande ator em seu período de auge, por isso é inevitável associar o Cavaleiro das Trevas mais ao Coringa do que ao próprio Batman. O dilema que ele provoca no herói é o mais sólido da trilogia e o conflito entre eles vai além de qualquer consequência, de modo que Nolan explora exaustivamente os dois polos opostos na mesma medida que os sobrepõe como personagens parecidos dentro de algum nível de interpretação, o que torna a moral da história bastante ambígua e amarga. As sequências de ação não são das mais inspiradas e há erros de edição bastante grotescos para um blockbuster desse porte, mas o que vai valer mesmo é a intrepidez desses dois arquétipos clássicos quando em oposição, cada qual disposto a ir até as últimas consequências em nome de suas convicções. 


2. Insônia (2002)

É o mais tradicional dos filmes de Nolan, um thriller investigativo que ganha peso graças a um elenco renomado. Muito próximo da lógica narrativa de Amnésia, em que o protagonista tem que desvendar um assassinato mesmo acometido de um transtorno que o impede de lembrar os acontecimentos passados, aqui o investigador aos poucos é consumido por seus dias de insônia. Num cenário asséptico, sem noites, aos poucos a psicologia do personagem vivido por Al Pacino é desvendada na mesma medida em que desmorona pela falta de sono. Trabalhando com um roteiro em que teve uma participação menor, é interessante notar a desenvoltura de Nolan quando apenas dirigindo. Menos ambicioso e ousado, é na simplicidade de um filme tão convencional que o diretor parece relaxar mais e deixa de se preocupar e se perder em explicações desnecessárias. Talvez não autoral, mas muito mais fluente e desenvolto, Insônia é um Nolan provando pela única vez em sua carreira que, às vezes, menos é mais. 


1. Amnésia (2000)

O filme que colocou Christopher Nolan no mapa, pelo menos entre a crítica, é também seu ápice como realizador, um trabalho em que sua técnica e ambição estiveram em mais profunda sintonia. Contando duas histórias paralelas, uma colorida e outra em preto e branco, ele inverte a montagem e as narra de trás para frente. Ele não inventou a pólvora, mas Amnésia talvez seja o filme mais popular e acessível nesse formato e é onde ele se aplica mais em forma do que em conteúdo. A história em si, muito simples, é apenas pretexto para ele desafiar o espectador a entrar num espiral cada vez mais complicado de pistas contraditórias, tramas confusas e noção temporal comprometida, uma vez que temos de prestar o dobro de atenção para reter todas as informações a fim de montar o quebra-cabeça e solucionar o mistério. O personagem principal, inclusive, também sofre com as informações incompletas e a ideia de montar o filme de trás para frente nos coloca em sintonia e empatia com a situação dele. A sucessão de nomes curtos e esquecíveis como Lenny, Teddy, Sammy, Dodd, é outro truque espirituoso para dificultar um pouco mais. Analisando a carreira de Nolan por inteiro, é em Amnésia que o diretor conseguiu casar melhor suas ambições de experimentar com tempo/espaço e ainda assim inventar um produto comercial, acessível, sem cair nas autoexplicações que tanto comprometeram seus filmes seguintes.  

Comentários (25)

Luís F. Beloto Cabral | sábado, 08 de Julho de 2017 - 11:58

O problema não é as explicações em si. Explicações podem sim ser muito bem vindas para situar a gente na narrativa ou mesmo na proposta do filme - e Hollywood faz isso desde Griffith. No entanto, uma coisa é você situar o espectador. Outra é fazer um diálogo risível como o da Mulher Gato explicando o sistema de registro dos bandidos (não me lembro direito). E isso também tem a ver com dosagem. Uma cena ou outra, maravilhoso. Agora, uma enxurrada de explicações no primeiro ato do filme como em A Origem aí é demais. Claro que isso é um pouco generoso porque o cara não quer que a gente se perca na coisa toda, mas por outro lado ele subestima o espectador porque esse é aparentemente incapaz de compreender o que ele tá propondo. E particularmente, eu encaro o cinema como uma mídia visual acima de tudo. O que vale em última instância é a imagem e não o texto. O Nolan não parece ter segurança sobre as imagens que ele tá criando porque lota o filme de didatismos.

Luís F. Beloto Cabral | sábado, 08 de Julho de 2017 - 12:03

E não é preciso inclusive recorrer a cineastas romenos. Alguns dos melhores nomes de Hollywood jamais precisaram apelar tanto à didática, e sabe eu acho que o Nolan podia sim ser um desses caras. O ato final da Origem quando ele põe a mão na massa é um deleite de montagem, ritmo, mise-en-scène, imagem... até música. Tanto que o que prevaleceu nesse filme no final não foi as explicações mirabolantes dele sobre a fantasia, mas a dúvida. O pião caiu ou não caiu. Ainda era um sonho ou não. Foi isso que se destacou e não a aula do primeiro ato.

Taumaturgo Moura | sábado, 21 de Julho de 2018 - 02:13

1-Batman Begins (2005)
2-Interestelar (2014)

Walter Prado | sábado, 21 de Julho de 2018 - 11:46

Eu gosto bastante de Insônia. Acho muito melhor que Dunkirk, por exemplo.

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