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Biografia Otto Preminger - Parte III

Antes mesmo de encerrar as filmagens de Exodus, Preminger já sabia qual seria seu novo projeto: Tempestade Sobre Washington. O filme era baseado num romance de Allen Drury, que abordava a história – fictícia mas mais atual do que nunca – da indicação de Robert A. Leffingwell como o novo Secretário de Defesa dos Estados Unidos e as negociações políticas entre Democratas e Republicanos que se sucediam nos corredores do Senado Federal Americano para sua aprovação.

Para o papel chave do Senador Brigham Anderson, presidente do subcomitê de investigação de Leffingwell que se via prestes a ter revelado alguns segredos sobre o seu próprio passado, Preminger escalou Don Murray. Longe de ser um ator de ponta, Murray fora indicado ao Oscar em 1956 por Nunca Fui Santa, mas nos últimos dois anos concentrara sua carreira apenas em trabalhos para a televisão. O Senador Seab Cooley foi vivido por Charles Laughton (seu último filme). Burgess Meredith interpretou a testemunha que confirma a tendência comunista de Leffingwell (Meredith se tornaria um dos melhores amigos de Preminger e ambos voltariam a trabalhar juntos em mais cinco filmes). O veterano Walter Pidgeon viveu o Senador Bob Mudson, líder da bancada governista. O personagem de Leffingwell foi defendido com a autoridade e serenidade de sempre por Henry Fonda (seu segundo filme com Preminger).

Ainda no quesito elenco, Tempestade Sobre Washington serviu para Preminger dar uma chance a quatro atores da velha geração e que andavam sumidos do mapa há vários anos: Franchot Tone, como o Presidente dos Estados Unidos e que praticamente abandonara o cinema em 1951; Lew Ayres, como o Vice-Presidente e que não atuava desde 1953; Will Geer, forçado a ficar fora do circuito por causa da caça às bruxas; e Gene Tierney, cujos sérios problemas de depressão a levaram a ficar internada em clínica de reabilitação nos últimos anos.

As filmagens começaram em setembro de 1961. Como sempre, havia tensão no ar. Gene Tierney achava que a qualquer momento Preminger poderia gritar com ela. Lew Ayres ficou doente na hora de gravar suas cenas e esteve a um passo de ser demitido. Larry Trucker, que interpretava o cafetão Manuel, foi humilhado pelo diretor na frente de várias pessoas. A ira de Preminger não se limitava ao elenco. Vários integrantes da equipe técnica foram demitidos (uma de suas marcas registradas) e alguns deles, recontratados em seguida.

Os problemas de bastidores não impediram Preminger de terminar as gravações em novembro. Menos de um mês depois, Tempestade Sobre Washington já estava montado, pronto para ser lançado nos cinemas e, portanto, apto a concorrer ao Oscar daquele ano. Mas uma disputa burocrática com Drury, o autor do romance, jogou a sua estréia para junho de 1962. O filme participou da mostra competitiva do Festival de Cannes, mas, apesar de ser um dos melhores trabalhos de Preminger, passou em branco nas indicações ao Oscar.

O fôlego de Preminger da época parecia não ter fim. Seu filme seguinte era uma nova super-produção, a adaptação do romance O Cardeal, escrito em 1950 por Henry Morton Robinson. O livro trazia a história do padre Stephen Fermoyle, filho de imigrantes irlandeses residentes em Boston. Suas habilidades acadêmicas e diplomáticas atraíram a atenção dos superiores. Ele se transforma em Secretário do Cardeal Glennon e, tempos depois, passa a integrar o corpo diplomático do Vaticano. Após se apaixonar por uma condessa italiana e questionar sua fé, Fermoyle retoma seu caminho e, em 1939, torna-se cardeal.

O primeiro tratamento de roteiro feito pela dupla James Lee e Daniel Taradash não agradou Preminger. Então, em junho de 1962, ele começou a trabalhar numa nova versão em parceria com Robert Dozier. Preminger e Dozier eliminaram boa parte do passado dos pais de Fermoyle e atribuíram uma decisiva importância ao incidente ocorrido na gravidez de Mona, a irmã do padre. Em outubro, Gore Vidal foi chamado para as revisões de sempre. Nas mãos dele, a condessa italiana se transformou numa estudante vienense, posteriormente casada com um judeu perseguido pelo regime nazista. A idéia de narrar o filme em flashback foi trazida por Ring Lardner Jr. Apesar das importantes contribuições, nem Vidal, nem Lardner (ironicamente dois ateus) receberam os devidos créditos.

Por volta desse período, Preminger começou a escalar os atores para o papel principal. Nomes como Stuart Whitman, Cliff Robertson e Bradford Dillman foram testados e reprovados. Outros, como Gregory Peck, Peter O´Toole e Albert Finney, estavam sendo considerados. No final das contas, a escolha recaiu sobre o relativamente desconhecido Tom Tryon, 34 anos, e cuja carreira se concentrava em produções para a televisão. Até sua morte, em 1991, Tryon se arrependeria daquela experiência.

Aparentemente sem motivos, Preminger escolheu Tryon para Cristo (sem trocadilhos). Durante as filmagens o diretor xingou, humilhou e gritou com o ator por diversas vezes e com várias pessoas ao redor. Era comum ver Tryon perambulando pelos sets em lagrimas, esgotado emocionalmente, após rodar uma cena pela enésima vez. Tryon, que era homossexual e tinha problemas com a bebida, ficou tão traumatizado com o tratamento que recebeu de Preminger, que poucos anos depois trocou o cinema pela literatura, tornando-se um escritor de sucesso (em 1971, ele escreveria o romance de terror The Others – levado para o cinema por Robert Mulligan sob o título A Inocente Face do Terror – e em 1978, seu livro Crowned Heads serviria de base para Fedora de Billy Wilder).
 
De qualquer forma, após seis meses de trabalho, em locações que variavam entre Viena, Roma e Estados Unidos, o filme estava pronto. O lançamento ocorreu em dezembro de 1963 e as reações da crítica americana foram positivas (a maior ressalva recaiu justamente sobre a interpretação de Tryon). O Cardeal foi indicado a 6 Oscars (Preminger estava entre as nomeações) e – algo que poucos se lembram – ganhou o Globo de Ouro de Melhor Filme Drama.

Assim que as filmagens de O Cardeal se encerraram, Preminger partiu para o seu projeto seguinte: A Primeira Vitória. O filme era uma adaptação do romance intitulado Harm´s Way, escrito por James Bassett com base nas suas nas suas experiências de guerra. A estrutura da história era semelhante à de Tempestade Sobre Washington: um conto de ficção recheado com vários personagens, tramas e sub-tramas, através das quais o autor mostra os bastidores de uma poderosa instituição pública (no caso, a marinha dos EUA). O romance foi enviado ainda sob a forma de manuscrito a Preminger que comprou os seus direitos em 1962.

O diretor resolveu aproveitar a boa parceria que estabelecera com Wendell Mayes nos últimos filmes, e o contratou para escrever o roteiro. Após algumas revisões, o diretor colocou o projeto de lado. Dois anos depois, com a agenda de Preminger mais livre, Mayes foi novamente chamado para retomar seus trabalhos. Ambos concluíram o roteiro em março de 1964.

Meses antes, a Paramount assinara um contrato de sete filmes com Preminger (talvez o mais lucrativo acordo entre um diretor e um estúdio fechado até então). A Primeira Vitória, que originalmente seria distribuído pela Columbia, tornou-se o primeiro desses filmes.

Para viver o protagonista Capitão Rockwell Torrey, Preminger não pensou em nenhum outro ator que não se chamasse John Wayne. A idade do personagem e os problemas de relacionamento com seu filho mais jovem, guardava ecos com o papel que ele interpretara no faroeste Rio Grande, nos anos 50, e Wayne aceitou a oferta de cara. A pedido de Wayne, Kirk Douglas foi convidado para interpretar o Comandante Paul Eddington Jr. Mesmo sabendo que era um papel secundário dentro da trama, ele topou. A enfermeira Maggie Haynes foi entregue à Patricia Neal. Brandon de Wilde encarnou Jere, o filho do personagem de Torrey (em papel recusado por Keir Dullea). Tom Tryon esteve na pele do oficial Mac McConell (ele prometera a si mesmo que nunca mais voltaria a trabalhar com Preminger novamente, mas uma cláusula contratual o forçou a recuar). Para demais as posições coadjuvantes, foram trazidos Paula Prentiss, Burgess Meredith, Stanley Holloway, Franchot Tone e Dana Andrews (em seu quinto e último trabalho com o diretor).

As filmagens começaram em junho de 1964. As várias locações previstas no roteiro, a logística de transporte dos materiais e da equipe de produção, e a necessidade de inclusão de efeitos especiais e sonoros na pós-produção, transformaram A Primeira Vitória num dos trabalhos mais complexos da carreira de Preminger.

Se no aspecto técnico Preminger não teve vida fácil, com os atores a história não foi diferente. O mais visado era, de novo, Tom Tryon. Durante a gravação de uma determinada sequência, Preminger passou dos limites: repreendeu-o severamente na frente de todos os colegas e, não satisfeito, aproximou-se por trás do ator e gritou bem próximo aos seus ouvidos: "RELAXE!!!!". Mas os problemas não pararam por aí: Chill Willis, veterano ator de faroestes dos anos 30 e 40, e com mais de 100 filmes no currículo, não suportou as humilhações de Preminger e resolveu enfrentar a fera. Foi demitido no ato (Henry Fonda assumiu seu lugar). Kirk Douglas não tolerava a falta de educação de Preminger com os atores e resolveu virar-lhe a cara pelo restante da produção. No futuro, ele falaria abertamente em entrevistas que nunca o considerara um bom diretor. O único que mereceu respeito de Preminger foi John Wayne. E também não era para menos: durante as filmagens Wayne descobriu que estava com câncer nos pulmões.

A Primeira Vitória estreou nos Estados Unidos em abril de 1965. Lideradas pelo crítico Bosley Crowther, do The New York Times, a reação foi amplamente negativa. A maioria apontava que a trama era repleta de clichês e que as três de horas de projeção eram desnecessárias. Além disso, ninguém conseguiu engolir as sequências de batalhas navais, todas elas formadas por ridículos objetos em miniaturas. Influenciado pela voz da crítica, o público também não morreu de amores pelo filme, que mal se pagou nas bilheterias americanas.

De todos os trabalhos de Preminger,  Bunny Lake Desapareceu, seu filme seguinte, foi o de maior tempo de gestação. Entre o momento da compra dos direitos do livro em que ele se baseia e a estréia nos cinemas, seis anos e quatro filmes se passaram.

A epopéia começou em 1959, quando Preminger contratou Ira Levin para escrever a adaptação do romance de Evelyn Piper (pseudônimo de Merriam Modell). O diretor achou que Levin permanecera fiel demais ao original, inclusive nas partes que ele considerava mais fracas. A solução desses problemas foi adiada por dois anos, até que Preminger encerrasse as filmagens de Exodus. Entre 1961 e 1962, o diretor trouxe os roteiristas Dalton Trumbo e Arthur Kopit para fazer as revisões, mas nenhum dos dois trabalhos o agradou. Prestes a desistir do projeto, Preminger teve a idéia de transferir a ambientação da história de Nova York (como no livro) para Londres. A novelista inglesa Penélope Mortimer foi contratada para preparar um novo rascunho a partir dessa nova premissa. Ao lado do seu marido, John, ela entregou uma nova versão em junho de 1964, quando Preminger estava iniciando as filmagens de A Primeira Vitória. Para ganhar tempo, Preminger tentou trabalhar em conjunto com os Mortimers durante as gravações, no período da noite. Mas ele estava ocupado demais para discutir detalhes do roteiro. Penélope ficou fula da vida por ter sido ignorada em plena praia de Honolulu e quase jogou tudo para o alto. A versão final do script foi completada por John.

Em fevereiro de 1965, já livre de A Primeira Vitória, Preminger começou a escalar o elenco. Para os três papeis centrais, Laurence Olivier (seu primeiro e único filme com o diretor) foi escolhido para viver Newhouse, o detetive que investiga o desaparecimento de Bunny Lake. Carol Lynley interpretou Ann, a mãe da garota, e Keir Dullea viveu Steve, seu tio. Além destes, Noel Coward tem uma participação pequena como Wilson, o locador do novo apartamento de Ann.

As filmagens começaram em abril de 1965 e, como sempre, foram tensas. Preminger construiu Bunny Lake Desapareceu com vários planos-sequências, o que exigia muita preparação e concentração de todos. Algumas destas cenas tiveram que ser refilmadas várias e varias vezes, levando alguns atores ao desespero. Carol Lynley, por exemplo, não agüentou o rojão e abandonou o set quando Preminger anunciou que queria uma outra tomada – a 14ª – de uma conversa entre ela e Olivier. Keir Dullea foi humilhado pelo diretor ao não conseguir pronunciar seu diálogo e pegar um objeto de cena ao mesmo tempo. Por mais de uma vez, Laurence Olivier teve que entrar no circuito para pedir calma a Preminger.

De uma forma ou de outra, os trabalhos se encerraram em junho de 1965. A Administração do Código de Produção aprovou o filme em setembro, e a estréia nos Estados Unidos e Grã-Bretanha se deu em outubro. As críticas ficaram num meio termo, alguns se queixando da falta de lógica de determinados aspectos do roteiro, e outros enaltecendo o virtuoso exercício de câmera de Preminger.

O segundo filme de Preminger para a Paramount (Bunny Lake Desapareceu foi distribuído pela Columbia) foi O Incerto Amanhã, adaptação do alentado romance escrito por Bert e Katya Gilden. A história era ambientada numa pequena cidade do Sul dos Estados Unidos, logo após a 2ª Guerra Mundial, e tratava da disputa de terras entre brancos e negros. O diretor viu a oportunidade de abordar um tema ainda inédito em sua filmografia: o racismo social. Rápido no gatilho, ele comprou os direitos do livro em 1964, quando ainda estava envolvido até o pescoço com as filmagens de A Primeira Vitória.

Em meados de 1965, Preminger contratou Horton Foote (então em alta pelo Oscar que ganhara três anos antes por O Sol é Para Todos) para escrever o roteiro. Seis meses depois, a primeira versão estava pronta. Eventualmente, Preminger e Foote chegaram a um impasse em relação às modificações no script, e o diretor trouxe Thomas C. Ryan para as revisões costumeiras.

Resolvido o problema do roteiro, Preminger voltou seu foco para o elenco. Michael Caine foi escolhido para viver o protagonista Henry Warren, o empresário branco que tenta adquirir as terras do seu vizinho negro. Caine sabia da fama tirânica de Preminger e, por isso mesmo, alertou o diretor que abandonaria o set caso o diretor gritasse com ele. O papel de Julie, esposa de Henry, foi entregue a Jane Fonda (após recusa de Candice Bergen). Os coadjuvantes foram vividos por John Philip Law (que chamara a atenção na comédia Os Russos Estão Chegando!), Faye Dunaway (Preminger ficou tão impressionado com seu desempenho nos palcos, que fechou com ela um contrato de seis filmes), Robert Hooks (em papel oferecido inicialmente a Sidney Poitier), Diahann Carroll e Beah Richards.

As filmagens começaram em junho de 1966, no Estado da Louisiana. Pra variar, o clima das filmagens transcorreu de forma tensa. Talvez por causa das experiências concretas com o racismo da região (a equipe percebeu que a história tratada na tela não era me ficção), Preminger espumava de raiva por qualquer problema. Law e Dunaway eram seus alvos preferidos. Num determinado momento das gravações, insatisfeito com o desempenho de ambos numa cena romântica, Preminger saiu de trás das câmeras, agarrou a cabeça dos dois atores e bateu uma contra a outra, ferindo o lábio de Law. Em condições como essa, é incrível como nenhum integrante do elenco tenha abandonado o barco antes do fim.

O Incerto Amanhã estreou nos EUA em fevereiro de 1967. As críticas da época – em evidente exagero – foram praticamente unânimes ao classificá-lo como o pior filme de Preminger até então.

No final de 1967, Preminger estava correndo contra o tempo. Seu contrato com a Paramount o obrigava a deixar um filme pronto para ser lançado durante o ano de 1968. O projeto no qual estava trabalhando – uma adaptação do romance de Too Far to Walk, de John Hersey – empacara na fase de desenvolvimento do roteiro. Mesmo que ele conseguisse superar esses problemas, a produção não seria concluída no prazo exigido.

Nesse meio tempo, Preminger descobriu que Erik, seu filho com Gypsy Rose Lee, ficara sabendo sobre sua existência. Com a autorização de Gypsy, os dois se encontraram para tirar um atraso de 22 anos. Ambos colocaram as eventuais mágoas de lado e continuaram a se falar em segredo. Não demorou muito para que Erik começasse a trabalhar nos filmes do pai, ora como diretor de elenco, ora como roteirista.

Nessa época, Preminger já comprara o roteiro original de Skidoo se Faz a Dois, escrito por Doran William Cannon. A história – se é que havia uma – beirava o psicodélico. Tratava da vida de Tony, um gangster que é convocado por seu ex-patrão, um cara conhecido como Deus, a sair da aposentadoria para se infiltrar num presídio e assassinar o mafioso George Packard. Dentro da prisão, Tony embarca numa viagem alucinógena movida a LSD, o que o faz repensar sua missão. Num espectro maior, esse fiapo de trama servia para discutir a própria sociedade americana da época, imersa no movimento hippie e na contra-cultura. Preminger percebeu que com aquele projeto seria possível tirar a Paramount do seu pé. Skidoo estava oficialmente em pré-produção.

Preminger e Cannon partiram para a revisão do roteiro. Em novembro de 1967, uma segunda versão estava pronta. Ainda insatisfeito, Preminger começou a procurar um novo escritor. Num período de três meses, três profissionais mexeram no texto (Mel Brooks foi sondado, mas o diretor voltou atrás). Àquela altura, se a estrutura do roteiro original de Cannon ainda se mantinha, o novo script mudou o tom do filme, tentando dar alguma lógica a situações que foram criadas propositadamente para não fazerem sentido. Mas o diretor tinha pressa. Ele sabia que, por contrato, a Paramount poderia demiti-lo caso o filme estourasse o orçamento previsto. E era justamente o que iria acontecer se aquele lengalenga se prolongasse ad eternum.

Para correr com a produção, Preminger começou a escalar seu elenco. Para o papel de Tony, o diretor fez de tudo para conseguir o comediante Jackie Gleason. Carol Channing aceitou interpretar sua esposa Flo. Cesar Romero (que Preminger dirigira em A Condessa se Rende) e o eterno garoto das praias, Frankie Avalon, ficaram com personagens mafiosos secundários. Para viver a amante do chefão Deus, Preminger exercitou um direito contratual e chamou Faye Dunaway. Escolada depois da experiência de O Incerto Amanhã, ela recusou. Preminger não deixou por menos e a processou. Faye foi obrigada a fazer um acordo, que comprometeria uma parte do salário do seus cinco filmes seguintes. Em seu lugar foi chamada a modelo andrógina Donyale Luna. Outro integrante do elenco de O Incerto Amanhã, John Phillip Law, interpretou um hippie.

Para o papel de Deus, o chefão da Máfia, Preminger considerou vários nomes, entre eles Frank Sinatra, Rod Steiger, Zero Mostel, Anthony Quinn e até mesmo Alfred Hitchcock. No fim das contas, ninguém menos que Groucho Marx encarnou o personagem. Mesmo já tendo abandonado há anos o personagem que lhe tornara famoso nos anos 30, Preminger obrigou Groucho a usar os óculos e o bigode que o caracterizavam. O diretor se arrependeria dessa escolha, já que o ator demonstraria enormes dificuldades para pronunciar suas falas, mesmo com o auxílio de um teleprompter (o que é claramente perceptível na cena do iate).

As filmagens ocorreram entre março e maio de 1968. A pós-produção se estendeu por mais quatro meses. A premiére aconteceu em dezembro, em Miami, cidade natal de Gleason, e a recepção foi das piores. Uma semana depois, o filme ganhou o circuito comercial. As críticas foram desastrosas, assim como os resultados das bilheterias. Sabendo que tinha um abacaxi nas mãos, a Paramount atrasou o lançamento em Nova York por três meses, até que o boca-boca negativo não destruísse ainda mais a carreira do filme. Em vão. Àquela altura, Skidoo Se Faz a Dois não tinha mais salvação.

Em junho de 1968, Preminger adquiriu o direitos de adaptação de Dize-me que Me Ama, Junie Moon, romance de estréia da assistente social Marjorie Kellogg. A história abordava a vida de três pacientes de um hospital que resolvem morar juntos. O trio é formado por Junie Moon, uma garota com o rosto deformado por uma briga com um ex-namorado; Arthur, um jovem com problemas mentais; e Warren, um homossexual paraplégico. A simplicidade da trama definitivamente não combinava com a temática épica dos últimos trabalhos de Preminger. Mas provavelmente tenha sido justamente essa característica que atraiu o diretor. Após o fracasso de Skidoo, Preminger queria sossego e nada como um drama intimista para recarregar as baterias. Dize-me que Me Ama, Junie Moon foi seu quarto filme para a Paramount e o segundo daqueles em que não precisava de autorização de estúdio.

Para o elenco, o diretor não queria nenhum medalhão. Em busca de novos rostos, as escolhas recaíram sobre Liza Minnelli, para o papel de Junie Moon (Preminger se impressionara com uma cópia de trabalho de Os Anos Verdes, de Alan J. Pakula, que estrearia alguns meses depois); Ken Howard, para viver Arthur; e o futuro diretor de cinema Robert Moore, para interpretar Warren. Os personagens coadjuvantes foram entregues ao ator de teatro James Coco, Kay Thompson (avó de Liza), e Anne Revere (que trabalhara com Preminger nas antigas produções da Fox e, por ter ligações com o Partido Comunista na época do macarthismo, não aparecia diante da telona desde 1951).

A própria Kellogg se encarregou de escrever o roteiro. Contrariando sua prática habitual, Preminger não precisou chamar nenhum outro profissional para revisões. Em maio de 1969, o script estava pronto. Os executivos da Paramount leram e ficaram preocupados. Para eles, além de excessivamente longo, o tom amargo da história praticamente anulava o potencial de bilheteria do filme. Mesmo sabendo que o contrato não lhes dava o direito de se intrometer, eles enviaram a Preminger uma lista de 12 reclamações e sugestões, todas com o objetivo de tornar a fita mais atraente para o público. O diretor, claro, recusou todas.

Com suas convicções no bolso do colete, Preminger começou a filmar em julho. A relação entre ele e Liza Minnelli foram tensas, embora sem brigas. A morte da sua mãe, Judy Garland, em junho, certamente comprometeu o estado de espírito de Minnelli durante as filmagens.

Em maio de 1970, Dize-me que me Ama, Junie Moon foi exibido na mostra competitiva do Festival de Cannes, mas saiu de mãos abanando. Dois meses depois, a fita estreava EUA. As críticas não foram cem por cento animadoras, mas certamente eram as melhores dada a um filme de Preminger desde Bunny Lake Desapareceu. Já nas bilheterias, como o estúdio previra, o resultado foi dos mais fracos.

Através de seu filho Erik, Preminger ficou sabendo que o escritor Lois Gould estava finalizando um livro chamado Such Good Friends. A história era sobre a vida de um grupo de nova-iorquinos de classe média alta, em especial de Julie Messenger, uma mulher na faixa dos 30 anos, casada e mãe de dois filhos, e que se vê obrigada a repensar seus valores quando descobre as infidelidades de seu marido, que, àquela altura, vegeta numa mesa de hospital após complicações cirúrgicas. O diretor se interessou tanto que comprou os direitos de adaptação em maio de 1970, bem antes de o romance chegar às livrarias. Nasci ali seu próximo projeto: Amigos são Para Essas Coisas.

Era comum Preminger contratar os serviços de mais de um roteirista, mas aqui ele se superou. Mais de cinco profissionais passaram as mãos no roteiro do filme, sem que o diretor se satisfizesse com nenhuma das versões. Até que no início de 1971, ele chamou Elaine May. Dez semanas de trabalho depois, o script estava pronto e o longa começou a tomar corpo. Por insistência da própria May, que recusava o vínculo a projetos que não fossem cem por cento seus, seu nome não aparece nos créditos iniciais do filme.

Para viver a protagonista, Preminger escolheu a loira Dyan Cannon, uma espécie de Goldie Hawn cover, e que fizera sucesso na comédia Bob, Carol, Ted e Alice, de Paul Mazursky. Os demais personagens foram entregues a coadjuvantes de sempre, como Ken Howard, James Coco e a brasileira Jennifer O´Neill.

Se em O Cardeal, Preminger pegou no pé de Tom Tryon, em Amigos São Para Essas Coisas foi a vez de Dyan Cannon pagar seus pecados. Logo de cara, os dois se desentenderam por um problema nos figurinos. Dali para frente a coisa desandou de vez. Eles não se falavam no set e, para piorar o clima, Cannon começou a chegar atrasada para as gravações. Dois anos depois de encerradas as filmagens, a atriz concedeu entrevistas ironizando a tirania da Preminger durante as gravações: "Alguém ainda ouve falar em Otto Preminger? Ele ainda está vivo?".

Mas não foi apenas Cannon que sentiu as garras de Preminger. Howard e O´Neill também receberam sua cota. Nem mesmo Gayne Rescher, o fotógrafo escolhido pelo próprio diretor, escapou. Qualquer erro técnico que ele cometesse, Preminger fazia questão de depreciá-lo, comparando-o com Leon Shamroy, seu diretor de fotografia preferido.

A equipe conseguiu levar os trabalhos até o fim e o filme estreou em dezembro de 1971. Se as críticas foram divididas, o público simplesmente abdicou da fita, transformando-a num dos maiores fracassos da carreira do diretor. Na temporada de premiações, apesar das suas reservas para com o diretor, Dyan Cannon foi indicada ao Globo de Ouro de Melhor Atriz em Filme Drama. Amigos São Para Essas Coisas foi o último filme que Preminger fez para Paramount.

Nos anos seguintes, sem um estúdio por trás, Preminger se envolveu em uma série de projetos. Pensou em levar para as telas o famoso julgamento do casal Julius e Ethel Rosenberg, condenado por fornecer aos soviéticos os segredos da construção da bomba atômica. Cogitou também retomar a parceria com Frank Sinatra na adaptação de um romance policial. Por um motivo ou por outro, nenhum das idéias avançou.

Até que em setembro de 1973, Preminger adquiriu os direitos de Rosebud (que no Brasil recebeu o título Setembro Negro), um thriller político escrito – em francês – pela dupla Paul Bonnecarrère e Joan Hemingway. O livro contava a história do seqüestro de cinco jovens garotas, todas elas filhas de importantes políticos e executivos, por ativistas do movimento pró-Palestina. A United Artists entrou no circuito e viabilizou o projeto. Para escrever o roteiro, Preminger chamou seu filho Erik, então com 29 anos. Mesmo sabendo da sua inexperiência na função, aquela parceria profissional poderia contribuir para uma maior proximidade entre os dois.

Preminger estava errado. Tanto do ponto vista profissional, quanto pessoal, Setembro Negro seria um desastre em todos os sentidos. Robert Mitchum foi escalado para viver o protagonista Larry Martin, o agente da CIA disfarçado de correspondente da Revista Newsweek, na Inglaterra. Entre as atrizes que interpretam as cinco garotas seqüestradas, Preminger escolheu Isabelle Huppert (praticamente irreconhecível) e Kim Cattral (em seu filme de estréia). Logo de cara, Mitchum demonstrou insatisfação com o roteiro. Preminger sabia que o ator tinha razão, mas como falar sobre isso com o seu próprio filho? O próprio Erik percebeu que a coisa não andava bem e pediu ao pai para ser liberado da produção. Em vez disso, Preminger trouxe Marjorie Kellogg para tentar melhorar o trabalho de Erik.

Se até ali os problemas estavam concentrados no roteiro, outros começaram a pipocar quando as câmeras começaram a rodar, em maio de 1974. Muitos integrantes do elenco não dominavam o inglês, o que exigia que cenas simples fossem encenadas várias e várias vezes. Alguns atores eram dispensados ou pediam demissão, obrigando Preminger a refilmar com o substituto as sequências já filmadas. Pra piorar, o diretor se desentendeu com Mitchum, que pulou fora do barco (o motivo da sua saída nunca foi confirmado, mas alega-se que os antigos problemas do ator com a bebida vinham atrasando as gravações). Preminger o trocou por Peter O´Toole (outro alcoólatra inveterado), que exigiu algumas mudanças no roteiro (foi ele que sugeriu, por exemplo, que seu personagem usasse aquele estranho chapéu). Em determinado momento, O´Toole foi internado com dores estomacais, atrasando as filmagens em 10 dias. No final, com o orçamento prestes a estourar, Preminger estava correndo contra o tempo. Algumas sequências previstas no roteiro foram simplesmente cortadas, e outras (especialmente as ambientadas em Berlim), encenadas com certo desleixo.

As filmagens transcorreram nesse clima de caos total até o fim, em setembro de 1974. Em março de 1975, Setembro Negro foi lançado nos cinemas. A opinião da crítica da época parecia unânime: era o pior filme de Otto Preminger, mesmo se comparado a O Incerto Amanhã e Skidoo se Faz a Dois.

Após o desastre de Setembro Negro, Preminger dedicou os anos de 1975 e 1976 para escrever sua autobiografia. Em março de 1978, ele adquiriu os direitos de adaptação do romance The Human Factor, de Graham Greene, que estava prestes a ser publicado. O diretor convidou Greene para verter o livro para o cinema, mas ouviu um não. Em seu lugar, foi chamado o dramaturgo Tom Stoppard. Em agosto, um primeiro rascunho já estava nas mãos de Preminger.

Inicialmente ele cogitou Richard Burton e Michael Caine para o papel de Maurice Castle, um funcionário do segundo escalão do Ministério das Relações Exteriores da Inglaterra. Ambos recusaram, e o diretor contratou Nicol Williamson (lembram-se dele como o mago Merlin, em Excalibur?). Davis, seu companheiro de escritório, foi vivido por Derek Jacobi. A novata Iman foi escolhida para o papel da sul-africana Sarah, a esposa de Castle (anos depois, ela se casaria com o cantor David Bowie). Os coadjuvantes de peso exigidos pelo roteiro foram entregues aos sempre confiáveis John Gielgud, Richard Attenborough e Robert Morley. A veterana Ann Todd aparece em seu último filme.

As filmagens começaram em maio de 1979. Ao contrário de seus trabalhos anteriores, Preminger não demonstrou muita preocupação com o apuro visual. Em O Fator Humano, os planos mais elaborados são uma raridade. Sua relação com o elenco foi, como sempre, tensa. Com exceção de Iman, a quem sempre tratava com respeito (até mesmo pela sua falta de experiência), o restante do pessoal ficava petrificado no set a cada grito mais forte do diretor.

O Fator Humano talvez tenha sido o único filme de Preminger que os problemas de orçamento se tornaram públicos. Desde o fim de seu contrato com a Paramount, o diretor não tinha um estúdio para se escorar financeiramente. Em Setembro Negro, a United Artists – mais em deferência aos serviços que prestara no passado e menos por confiar na rentabilidade do projeto – pagou a conta. Em O Fator Humano, Preminger foi obrigado a recorrer a dinheiro de milionários com nenhuma experiência no ramo cinematográfico. O nome do magnata da vez era Paul Crosfield. Com tudo apalavrado entre os dois, Preminger passou a gastar por conta, assumindo que a grana entraria no futuro próximo. Em agosto, apenas três meses depois do início da produção, os cheques começaram a voltar. Os salários dos membros da equipe técnica estavam atrasados. Havia ameaça de greve. Sem dinheiro, Preminger apressou a maioria das filmagens, além de eliminar algumas sequências do roteiro. Em outubro, o cineasta vendeu parte de sua coleção de arte e uma casa na França. Todo o dinheiro levantado não foi suficiente para pagar as dívidas. Entre os credores, estavam Williamson e Morley. O Sindicato Britânico dos Atores entrou no circuito e conseguiu um acordo pelo qual parte da renda do filme seria destinada ao pagamento dos salários. As cláusulas do acordo eram tão rígidas que, se fossem descumpridas, Preminger corria o risco de ser preso.

O Fator Humano estreou em dezembro de 1979, a tempo de habilitar-se ao Oscar daquele ano. Mas nenhum filme passa impune por uma turbulência como essa. A crítica ficou num meio termo, com reações não propriamente entusiasmadas. O público, por sua vez, não compareceu e o filme foi um estrondoso fracasso.

Depois de O Fator Humano, Otto Preminger continuou trabalhando em vários projetos simultâneos. Mas, no fundo, todos pareciam saber – inclusive ele – que nenhum deles sairia do papel. Meses depois de encerrar as filmagens, o diretor foi atropelado por um taxi em Nova York. O acidente lhe causou um traumatismo craniano de efeitos devastadores no futuro. Em meados dos ano 1980, a imprensa noticiou que Preminger estava com mal de Alzheimer (informação não confirmada por sua esposa Hope). Embora ainda consciente, ele começou a ter dificuldades de reconhecer os amigos que o visitavam. Tempos depois, Preminger foi internado com fortes dores no estômago. Três semanas depois, os médicos diagnosticaram câncer no intestino grosso. Ele foi operado, mas não havia mais nada que se pudesse fazer. Otto Preminger morreu em 23 de abril de 1986.

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