Vingança. Se existe um tema recorrente na filmografia recente de Quentin Tarantino é este. E não apenas vingança comum, pessoal, como é no caso da duologia ‘’Kill Bill’’, mas também uma vingança histórica, como no caso de ‘’Bastardos Inglórios’’, onde uma fugitiva alemã da 2° Guerra Mundial, aliada a um grupo de judeus que se auto-intitulam Os Bastardos, consegue uma brecha para executar vários membros do Terceiro Reich, inclusive o führer Hitler, criando um desfecho alternativo para eventos históricos. Esse tema se repete mais uma vez em ‘’Django Livre’’, novo filme do diretor. Aqui, a vingança é protagonizada pelo escravo liberto Django (Jamie Foxx), que auxiliado por um caçador de recompensas alemão (Christoph Waltz), consegue se tornar um temido mercenário, vivendo em função de encontrar sua desaparecida esposa, Broomhilda, que, mais tarde, descobre-se estar sob domínio do grande magnata de escravos Calvin Candie (Leonardo DiCaprio).
Tendo como pano de fundo a região sul (escravagista) dos Estados Unidos em meados do século XIX, Tarantino, dotado de certa rebeldia, não hesita ao mostrar, logo no início, a forma animalesca como eram tratados os escravos nessa época. Essa segurança na direção, aliada a uma belíssima fotografia e uma trilha sonora contagiante, faz com que o espectador mergulhe de cabeça no universo que nos é apresentado, comprando logo de cara as motivações do protagonista-título do filme. As atuações estão espetaculares. Christoph Waltz, em especial, está soberbo, roubando o primeiro terço do filme todo para si, no papel do carismático e imprevisível Dr. Schultz, ex-dentista que exerce o cargo de caçador de recompensas. DiCaprio e Samuel L. Jackson também não fazem feio e apresentam atuações bem acima da média. Os diálogos, apoiados sempre em longos planos-sequência, estão afiadíssimos, provando a qualidade do roteiro e carimbando-o com a marca registrada de seu realizador.
O trabalho de direção de arte é absolutamente fantástico. Tons escuros e cores quentes sempre predominam quando a situação sugere algum tipo de perigo, como, por exemplo, quando os protagonistas encontram pela primeira vez o magnata Calvin Candie, ou na longa cena da mesa de jantar em Candyland. O amarelo é a cor que representa a esposa de Django e todo o passado feliz dos dois juntos. Isso é facilmente verificado no primeiro ato do filme, quando Django frequentemente tem visões de Broomhilda ao seu lado, sempre com um longo e bonito vestido amarelo. Também na cena em que Dr. Schultz a revela o porquê dele estar em Candyland isso fica bastante claro, com o tom predominantemente amarelo do cenário à suas costas, como se ela estivesse de costas para sua verdadeira personalidade, fugindo de quem ela realmente é, de seu passado feliz com o marido que a aguarda do outro lado da porta. A explosão da mansão no final filme é onde desemboca toda essa predominância, quando o amarelo em tela quase que ofusca a visão do espectador, representando a felicidade do casal e toda a sensação de triunfo sentida por eles perante seus patrões brancos.
Todo esse trabalho técnico, de direção arte, roteiro, fotografia e atuação, é reunido a doses cavalares de humor negro e muita, muita violência ‘’tarantinesca’’. Aqui, talvez até mais do que em ‘’Bastardos Inglórios’’, o politicamente correto é deixado de lado, dando espaço de sobra para que o diretor destile toda sua revolta em forma de vingança e reescreva parte da história escravagista dos Estados Unidos com muito sangue, invertendo os valores históricos da época. A cena em que Django, após um tiroteio com alguns transportadores de escravos, literalmente ressurge das cinzas é, apesar de propositalmente clichê, épica e representa todo esse argumento central do filme; da vingança, da reescrita da história com parâmetros invertidos.
Talvez, o maior (ou o único) pecado filme seja justamente o excesso. Não o excesso de sangue, humor negro ou violência, porque pedir isso, sendo um fã de Quentin Tarantino, seria absolutamente contraditório. Mas sim o excesso de duração. Logo após o inverno, quando Dr. Schultz e Django se consagram como uma dupla implacável de caçadores de recompensa, o filme sofre com alguns longos minutos maçantes, irregulares, que só não desconstroem o que foi feito de bom até ali, porque algum tempo depois a trama engrena novamente. Com cerca de meia hora a menos, o longa se resolveria de maneira mais do que satisfatória, sem precisar encher linguiça.
Mesmo com essa pequena restrição, é conveniente afirmar que o resultado final é simplesmente espetacular. Pode ser um pouco precipitado, movido às emoções do momento, mas me arrisco a dizer que esse filme se coloca no mesmo patamar de ‘’Pulp Fiction’’, pra mim, até então, a obra prima do diretor. O que se espera de um filme do Tarantino? Autenticidade? Sangue? Violência? Roteiro bem escrito? Direção estilosa e segura? Tudo isso é encontrado em ‘’Django Livre’’ da maneira mais coesa possível, sem apelação ou inutilidades. Tudo contribui, de alguma forma, para a narrativa central. O que eu quero mais? Tarantino, neles!
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