Não existe nada que intrigue mais a mente do ser humano que a certeza de sua morte. Geralmente, o óbito é considerado como algo distante, que não deve ser pensado muito. Mas e quando o sujeito tem a certeza que irá falecer em breve? Existem vários filmes que falam sobre o que acontece na cabeça de uma pessoa quando ela sabe que a morte está próxima. Na maioria das vezes, eles partem de uma perspectiva de tentar viver a vida ao máximo nesses seus últimos dias, fazendo aquilo que nunca fez e sempre teve vontade de fazer. Mas e quando o cidadão se deixa levar pelo desespero de suas mínimas expectativas de vida? Esse é o ponto de partida de “Clube de Compra Dallas”, do cineasta canadense Jean-Marc Vallée.
O filme começa quando o rústico texano Ron Woodroof (Matthew McGonaughey) descobre, após um acidente de trabalho, que é portador do HIV e só deve ter mais um mês de vida. E tudo isso de passa em meados dos anos 1980, quando a AIDS era inteiramente relacionada à homossexualidade e ao consumo de drogas. A ideia de tentar melhorar ao máximo seus últimos momentos de vida torna-se uma obsessão.
Nesse momento do filme, o clima é extremamente pesado, para tentar dar ao espectador uma noção do que Ron está passando. Na primeira cena do filem já dá para perceber como Woodroof está doente pela sua aparência esquelética. A fotografia é trêmula, para passar a ideia da confusão que a cabeça do protagonista se encontra. E isso não se vê só na fotografia. É interessante que, em uma determinada cena, Ron atira com um rifle em uma porta. No momento em que se segue, um zumbido toma conta do som, como se o espectador estivesse sentido tudo, até mesmo as dores, de Ron. A cena na qual ele começa a tomar seus remédios, acompanhados de cerveja e cocaína, é excelente.
Porém, a história muda de rumo quando algumas coisas acontecem. Ron conhece no hospital Ray (Jared Leto), que é um travesti também soropositivo que, assim como ele, também que levar uma vida melhor apesar da AIDS. E isso ocorre quando Ron começa a comprar drogas que foram vetadas pela agência reguladora farmacêutica dos Estados Unidos, ao mesmo tempo em que essa agência liberou o uso de outro medicamento, considerado por Ron, pela sua própria experiência, ineficaz. Nesse momento, o eletricista tem a ideia de, associado à Ray, traficar drogas do exterior para os aidéticos dos EUA, através dos furos das restrições impostas pelo governo.
Nesse momento, Vallée muda o filme. O tom amargo se enfraquece. É óbvio que ainda existem algumas cenas um pouco tensas, como as que Ron injeta as drogas. Mas o filme fica mais “leve”. O espectador passa a simpatizar com os personagens. Chega até em um momento em que Ron se sente atraído pela médica que o tratou, levando-a a um restaurante e, mesmo falando frases extremamente clichês como “a vida é curta”, o casal se mostrou muito simpático. Outra coisa que, apesar de ter clichês semelhantes, também ficou legal foi a construção do relacionamento de Ron e Ray. Ainda que a cena do supermercado seja bem forçada, dá para perceber como a solidão, causada por uma doença incurável, pode criar uma grande amizade entre um redneck legítimo e um travesti. Nesse ponto, vale demais à pena destacar a belíssima atuação dos rapazes, que levarem previsivelmente os prêmios do Oscar nas suas respectivas categorias.
A crítica do filmes, além de incidir sobre o preconceito com os portadores do vírus da AIDS, também recai sobre a cruel indústria farmacêutica, poucas vezes lembrada e criticada, e seus acordos com as agências estatais de saúde. Esse sistema consegue eliminar ainda mais as poucas esperanças de alguém que já está quase em estado terminal. É fascinante como o filme não mostra os portadores do HIV como coitadinhos, nem como pervertidos, mas como vítimas de um sistema perverso, que começa na própria desinformação da sociedade dobre a AIDS, até chegar ao cartel entre as agências estatais e as grandes corporações.
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