O padrão social estético é um conjunto de ideais culturais e sociais que define, em determinado contexto histórico, o que é considerado belo ou atraente. Esses padrões são construídos pela sociedade e reforçados por diversas instituições, como a mídia, a indústria da moda, a publicidade e atualmente muito pelas redes sociais. Eles ditam uma expectativa sobre como os corpos e as aparências devem ser, criando um modelo rígido que exerce pressão sobre os indivíduos para se adequarem a ele. Esse processo tem um impacto profundo nas identidades pessoais, frequentemente levando à perda da autenticidade e à desconexão com o eu verdadeiro.
"The substance" trás uma Demi Moore em decadência, considerando os padrões estéticos vigentes, de sua beleza física, ironicamente ela também encarnando uma atriz e estrela de TV. Acuada, ela será alvo fácil para uma empresa misteriosa realizar um experimento em que ela poderá criar um "eu" mais jovem e mais bela, no entanto, tal clone e a original não podem conviver mutuamente, há sete dias para cada uma, devendo-se respeitar o equilíbrio temporal, e enquanto um corpo fica apto à convivência, o outro fica desmaiado, aguardando o prazo.
Na psicologia humanista, autores como Carl Rogers abordam o conceito de "eu ideal" e "eu real". Quando o indivíduo se sente forçado a perseguir padrões estéticos que estão em desacordo com seu "eu real", há um desajuste entre esses dois conceitos, o que pode gerar sofrimento emocional, baixa autoestima e alienação. A tentativa de se enquadrar em um modelo externo muitas vezes leva à perda de uma compreensão genuína de quem somos, de nossas necessidades e de nossas preferências. A angústia da protagonista é revelada não apenas com uma sublime atuação, mas com uma câmera inquieta, com cortes rápidos, um terror psicológico dos bons.
Do ponto de vista da sociologia, Émile Durkheim argumentava que a sociedade exerce um poder coercitivo sobre os indivíduos, influenciando comportamentos e atitudes. A pressão estética pode ser vista como uma dessas forças coercitivas, um "fato social" que molda como os indivíduos percebem a si mesmos e aos outros. A imposição de um padrão estético cria uma normatização que, ao se tornar dominante, transforma-se em um mecanismo de exclusão para aqueles que não se enquadram.
Pierre Bourdieu, por sua vez, oferece uma visão importante sobre a relação entre estética e poder. Em sua teoria sobre habitus e capital simbólico, ele descreve como o gosto estético e os corpos considerados belos são, em última instância, construções culturais associadas ao poder e à classe social. A busca pelo corpo "ideal" ou pelo rosto "perfeito" não é apenas uma questão de preferência pessoal, mas um reflexo das estruturas sociais que valorizam determinados grupos e subordinam outros. O padrão estético está, portanto, diretamente ligado à reprodução das desigualdades sociais, já que nem todos possuem o capital (econômico, cultural e social) necessário para atingir os ideais impostos.
Deste modo, tentar ao máximo seguir o padrão é manter-se relevante socialmente, sem cair no ostracismo. O processo de alienação do "eu" que ocorre pela busca da adequação a padrões estéticos pode ser compreendido também a partir de conceitos desenvolvidos na psicanálise, como o conceito de "alienação do sujeito", tratado por Jacques Lacan. Quando o sujeito se vê constantemente sob o olhar do outro, em busca da validação externa, há uma fragmentação da identidade. O indivíduo passa a se reconhecer apenas a partir da imagem refletida por esses padrões, perdendo a conexão com suas próprias subjetividades e desejos.
As consequências dessa busca pelo padrão estético ideal podem ser devastadoras. Na psicologia, o impacto psicológico da não conformidade a esses padrões pode resultar em distúrbios alimentares, como a anorexia e a bulimia, transtornos de imagem corporal, depressão e ansiedade. Aqui, o conflito entre dois corpos desajustáveis é materializado em uma figura cada vez mais horrenda, acentuado por uma maquiagem pesada e um filme que não poupa esforço para serbizarro.
Infelizmente achei que as interações sociais deixaram a desejar, por exemplo, o fato de haver uma semana apra cada corpo quase não gera inconveniente nas relações, e sim mais no próprio eu, cada vez mais autocentrado, no conflito que há para que o corpo mais jovem tenha mais tempo. O vizinho, os colegas de trabalho, parecem nem notar o sumiço, o que enfraquece um pouco a narrativa e torna tudo mais conveniente (tanto que o clímax envolvendo interação pouco convence, e é absurdamente acima do tom, sendo mais convincente no espaço dedicado ao apartamento dela, lugar mais intimista).
Ainda assim, "The substance" é um retato visceral desse eu e de como corpos mais jovens tem acesso mais facilitado a bem materiais e simbólicos (Bordieau), do sexo à profissão, com um filme com impactos visuais que certamente ficarão na memória após a projeção.
Comentários (0)
Faça login para comentar.
Responder Comentário