Àdele, a vida, os encontros e desencontros
O maior problema em assistir a um filme como Azul é a Cor Mais Quente é achar quase todo o resto ruim. Eu, defensor da eficiência dos tradicionais noventa minutos, nunca havia achado quase três horas de filme tão necessárias e prazerosas. Tudo beira a perfeição,em especial a construção minuciosa das personagens, que nos leva facilmente a uma relação de intimidade especialmente com a protagonista, o que foi possível também pelas inspiradas atuações de Àdele e Lea.
Apesar de se tratar de um romance lésbico e de ter cenas de sexo mais longas e explicitas que o convencional, não se trata de um filme homoerótico como muitas vezes tem sido rotulado, ou de um filme necessariamente militante. Azul é a cor Mais Quente é grande porque é universal e é universal porque fala dos encontros e desencontros que podem ser de todo mundo.
A primeira parte é o encontro. O momento em que Àdele e Emma se cruzam na rua muda todo um destino. Antes desse encontro, em uma cena na sala de aula, o professor pergunta aos alunos sobre a sensação de cruzar com alguém desconhecido que lhes chame a atenção na rua. A sensação era de preenchimento ou de vazio? Aqui, com certeza é preenchimento. É a partir desse breve encontro que vemos Àdele em sua crescente angústia a respeito de seu mundo e de sua sexualidade, é daí que ela parte para uma redefinição de si mesma e descoberta do novo, essência de sua relação com Emma. Daqui sai uma Àdele presa em um mundo de macarronada e sexo burocrático para um mundo de ostras e sexo voraz.
Depois desse encontro, as minúcias da personalidade da protagonista começam a ser notadas. Àdele é insegura e ao mesmo tempo destemida. É insegura em relação a sua sexualidade, não tanto para si mesma, mas principalmente e justificadamente para seus amigos de escola. É destemida quando busca se encontrar enquanto lésbica e em dar abertura para a aproximação de Emma, quando apesar de certa timidez ela não demonstra em momento algum duvidas sobre sua vontade em investir na sua paixão, no seu desejo. Àdele se joga nesse relacionamento como que em queda livre e de certa forma é ela quem puxa Emma para a mesma queda.
O tempo passa e vem o desencontro. Àdele é agora recém-lançada a vida adulta. É uma professora de maternal dedicada e satisfeita com seu trabalho vivendo junto com Emma, agora uma artista que apesar de promissora enfrenta uma série de dificuldades de início de carreira e já sem os cabelos azuis, marca de uma primeira fase onde ela ainda representava para Àdele a descoberta do novo. Aqui os mundos diferentes começam a ser um problema.
Àdele volta a se mostrar angustiada, imersa em um relacionamento onde mal consegue compreender as dificuldades de sua companheira, não consegue ficar a vontade perto dos amigos de Emma, todos cultos e que falam de coisas que ela desconhece. A sensação de solidão é inevitável. Àdele vive uma rápida aventura com um colega de trabalho, a traição descoberta traz o rompimento de uma relação que se ligava então apenas pelo amor.
O amor não acaba, a incompatibilidade de mundos torna o rompimento inconsertável. O preenchimento vira então vazio.
Paixão não mede incompatibilidades ou compatibilidades. Para Àdele o vazio vira dor, desespero e obsessão. Passam-se anos e ela não se desliga de Emma, que por sua vez, encontra-se em um relacionamento menos apaixonado, porém, que a completa e a deixa feliz. Àdele parece só compreender o desencontro no final do filme. Desencontro que foi tão inevitável quanto as marcas que deixará para sempre.
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