Ao se apresentar, um filme pode depender tanto de sua estética, quanto de sua "ideologia". Diria que de todas as características, existe uma essencial que mescla ambas as qualidades. Muitas vezes me referi a ela como "empatia" - a capacidade de uma obra de captar a atenção, envolver em sua trajetória e, independente de ser bonita ou feia, má ou angelical, conseguir acomodar o espectador enquanto conta sua história. No caso de "Mirror, Mirror", prefiro chamar a tal pegada de "ocasião". A adaptação do conto "Branca de Neve e os Sete Anões" estrelada por Julia Roberts (Closer - Perto Demais) e Lily Collins (Sem Saída) saiu no último fim de semana, e mesmo com todas as críticas prévias por ser uma comédia "boba", é um filme bem "ocasionante" - e que baita ocasião!
O gênero do conto é comédia, os anões têm nomes diferentes dos originais, o espelho é na verdade um portal, existe uma fera à solta na floresta e Branca de Neve é uma heroína do povo. Bem a cara de uma besteira hollywoodiana rasa, certo? Sim, mas "Espelho, Espelho Meu" é tão sagaz que não se mantém apenas na besteira roteirística. O diretor Tarsem Singh (Imortais), mesmo com uma comédia pastelão em mãos, não limitou-se a construir uma história de risos, mas aplicou todo um talento estético para criar seu mundo encantado (nem tão encantado assim, mas cheio de si) que engordasse as qualidades do longa.
O início da história, narrado pela Rainha Má (Julia Roberts), já traduz a beleza de "Mirror, Mirror": em uma narração inspirada, a vilã conta os eventos anteriores à trama central, ilustrados por uma animação belíssima - quem assistir e disser "Tim Burton" vai levar porrada - à qual não consegui resistir. O trecho foi capaz de despertar todas as minhas atenções aos aspectos visuais, que são simplesmente maravilhosos! Uma gostosura ver que há espaço tanto para o roteiro, quanto para a estética, e que esta serviu para destacar ainda mais a boa produção. Tarsem fez algo para o qual nunca ligam: conquistou o espectador que não exige muito - é uma comédia absurdamente comercial, né? - por outras perspectivas, tentou atrair o público por aspectos além de piadas divertidas. Mudou mesmo meu conceito sobre comédias! Acho que se o exemplo fosse seguido, com certeza o gênero ganharia espaço e maior seriedade tanto do público, quanto da crítica.
Não satisfeito em me surpreender com sua arte, "Mirror, Mirror" ainda apresenta maravilhoso contexto cômico. Teria odiado tudo caso tivesse assistido com olhar unilateral - visão quase inevitável em filmes simples -, mas aí vem o preparo da tal "ocasião". O filme funciona não contínua e diretamente, mas como uma sequência de esquetes. Cenas que mostram o real desenvolvimento da história são intercaladas com outras com propósito único de diversão. Parece até uma série de humor dividida em blocos, uma comédia pastelão que brinca consigo mesma, mas respeita-se a ponto de conquistar respeito.
Julia Roberts está incrível, e lidera no quesito "trechos-esquetes", com atuação digna de uma canastrona experiente do teatro. Por incrível que pareça, isso é um elogio: ser um canastrão sob medida é o ponto mais interessante do elenco, que já está ideal ao contexto que nos propõe. Lily Collins nos conquista imensamente com sua Branca de Neve que vai desde uma sagacidade amável até uma songa-monguice divertida clássica das heroínas princesas. A interação das protagonistas com seus respectivos núcleos é incrível, trazendo anões que dão toque mais inocente ao enredo, um príncipe que desponta de verdade nos momentos cômicos e empregados que arrancam sérias risadas quando interagindo com a tirana de Julia Roberts.
Claro que há incoerências no enredo, todas aquelas resoluções fáceis que poderiam ter feito de "Mirror, Mirror" apenas um filme bobo caso não fosse tão doce - Inclusive, o clímax é desordenado, quase incoerente. A questão é que o longa tem tanto êxito em montar seu território e captar nossa atenção que as bobeiras-típicas-de-toda-comédia parecem nada demais frente a sua simpatia. Diante de atuações, estética e diálogos tão belos quando combinados, é muito fácil ser convencido pelo enredo. Tanto que somos exatamente levados à proposta mediana do filme, que é nota 10 em ser razoável.
"Espelho, Espelho Meu" é inocente, é bobinho, e repleto das asneiras que vemos por aí, mas exibidas de maneira tão gostosa que nos entregamos a suas tolices sem pensar duas vezes. Com humor que vai de piadas bobas até sutil sarcasmo, mostra-se um filme apenas charmoso e engraçado. Na verdade, ""apenas"", porque quem disse que ele quis ser mais do que isso?
(Texto que escrevi para meu blog Beep Bop Boom - como visto em http://www.beepbopboom.com.br/2012/04/espelho-espelho-meu.html - e adaptado ao CinePlayers)
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