"Branca de Neve e o Caçador" é um filme de ideias, e digo isto pois desde o início deixa clara a ambição de criar uma nova identidade para o conto. Isto é notável desde a criação do cenário encantado até as personagens e suas relações com tal universo.
No campo visual ocorrem os maiores investimentos em singularidade. A estética abusa de sombras para exibir o reino devastado pela rainha Ravenna (Charlize Theron, Jovens Adultos), ao passo que também incrementa o visual com diversas cores em outros momentos, introduzindo recursos que podem até se tornar desnecessários. Fica claro que o propósito é variar cada vez mais, deixar uma marca da qual o espectador não se esqueça assim que sair da sala. E pior é que funciona na maior parte do tempo: embora desorganizadas e em excesso, os efeitos visuais são apaixonantes, como o espelho mágico e a cena do pseudo-Jardim-do-Éden - esta é de encher os olhos de lágrimas, tão linda é.
Em relação às personagens, "Snow White and the Huntsman" segue apreciável até certo ponto. Grande mérito foi a fuga da tendência clichê anti-machista de colocar mulheres como heroínas de guerra. Branca de Neve (Kristen Stewart, Saga Crepúsculo) não se torna uma guerreira instantânea. Óbvio que chega um momento em que o gênero exige que a protagonista erga a espada, mas no resto, lida com um aspecto que a firma muito melhor como o antônimo da rainha: a inocência. Achei incrível como Stewart, mesmo com seus vícios - caras e bocas em excesso -, conseguiu exibir precisamente a delicada beleza da personagem. O resultado é absurdamente cativante, principalmente no próprio contexto, em que Branca representa a oposição à tirana.
Esta, por sua vez, não se resume à qualidade usual de vilãs: Theron exibe uma verdadeira versão adulta e insana das madrastas encantadas. Mais que surtada, não poupa gritos e exaltações violentas, que lhe rendem uma performance mais que competente. Seria quase óbvio denomina-la "impecável". Deste modo, é firmada a beleza antitética entre as personagens: podemos ser atraídos tanto pela leveza de Branca de Neve, quanto pela sensualidade malévola de Ravenna.
Retorno ao conceito inicial: ideias. Tive o cuidado de destacar a solidez das qualidades justamente porque nos deparamos com um roteiro incapaz de satisfazer a vaidade do longa. As personagens são belíssimas em ação - exceto o Caçador (Chris Hemsworth, Thor), que aqui é apenas uma versão sensível do herói da Marvel -, mas não são exploradas, aproveitadas por completo. Do mesmo modo, é quase vergonhoso ver as reinvenções do conto tão soltas e indiferentes ao desenvolvimento, num filme que nem ao menos possui ritmo, parece sempre estar no mesmo ponto. Cansado de tentar acompanhar o enredo com seu parco roteiro, o seguimento já na metade desiste de si e se entrega a resoluções do lugar-comum e a eventos mais que clichês, como o beijo que desperta Snow White, de adaptação muito mais interessante em "Espelho, Espelho Meu" - Ops, comparei.
"Snow White and the Huntsman" tinha tudo para ser memorável. Parece até esquisito que eu expresse impressão negativa após tantos elogios, mas é a má distribuição destas qualidades que prejudica o resultado final. Havia uma boa história, ótimas personagens e grandes artifícios de enredo e visuais prontos para a ação, mas a própria "ação" não chegou a ocorrer. E é justamente por conta desta falta de harmonia que o longa não funciona, não atrai e não diverte como poderia. Diante de tanto potencial explícito, mas desperdiçado, é muito provável se sentir culpado por não gostar do filme. Não se sinta confuso, você está certo: é "apenas" uma grande obra que deu errado.
(Texto escrito para meu blog, Beep Bop Boom, como visto em http://www.beepbopboom.com.br/2012/06/branca-de-neve-e-o-cacador.html, e adaptado ao CinePlayers)
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