O bizarro é um tema que nunca repercute apenas em sua própria ideia, prova disso é a resposta usual do público ao absurdo, mesmo quando o exagero expresso é o principal propósito do longa. Parece que a sátira briga consigo mesma no intuito de provar seu valor, seja levando-se a sério ou opondo-se completamente a sua crítica-alvo. Não importa a intenção, fato é que uma obra trash deve possuir uma característica quase utópica, uma força que a mantenha sobre as próprias pernas e prove seu valor apesar de qualquer preceito que sua origem criativa dite. Esta é a principal reflexão que "Abraham Lincoln: Caçador de Vampiros" desperta, fazendo-nos questionar até onde o absurdo é aceitável ou coerente em sua própria realidade.
O longa, assinado por Timur Bekmambetov (O Procurado), baseia-se no livro de mesmo título e adapta por um viés fictício a história de Abraham Lincoln (Benjamin Walker), contando num cruzamento entre história e ficção as carreiras do presidente como político e caçador de vampiros.
Confesso que foi fácil entregar-me ao preconceito já por conta da obra original, principalmente devido a essa agressiva onda de releituras e aplicações de mitos clássicos em que nos encontramos. As novas adaptações de vampiros, zumbis e contos de fadas vieram com promessas de novidade, mas grande parte manteve-se medíocre ao valorizar sua mitologia apenas como mero recurso estilístico, sem criar enredos que portassem suas pretensões. O conto de "Abraham Lincoln" nem se esforçou para escapar disto, apresentando apenas duas ideias vaidosas de pouco valor: intertextualidade e forte linguagem visual.
A primeira fase do filme narra a juventude de Abraham Lincoln, seu interesse por direito e a iniciação na caça a vampiros. Aqui, acompanhamos o jovem protagonista em inúmeros embates cujas cenas enevoadas tentam esconder a ausência de conteúdo. Não que o contexto seja desinteressante - oferece várias possibilidades -, mas o roteiro arrastado e morno acaba por conduzir a história como se o próprio senso narrativo não tivesse importância. Espera-se deste modo que certa inspiração resida nas cenas de luta, que acabam também como pura decepção. Os artifícios 3D vêm acompanhados de momentos enfadonhos, cujos resultados são apenas objetos e personagens sendo atirados pelo cenário em sequências apáticas e confusas.
Na segunda metade, que procura uma abordagem mais "política", o espectador finalmente se pergunta o que raios está acontecendo. Isto, porque o roteiro também não está pronto para desenvolver desfechos dotados de qualquer inteligência relativa à construção do enredo. O paralelo feito entre a existência de vampiros e a abolição da escravatura, por exemplo, é torpe, num tratamento raso que envergonha qualquer estudante de história a nível fundamental. O longa tenta, então, encerrar-se como uma aventura qualquer, incluindo contextos emocionais dos mais simples e até recuperar parte da ação, quando já não tem fôlego para sustentar qualquer resquício de aventura.
É nessas horas que pensamos no efeito que a publicidade exerce sobre expectativas. O filme, quando se propõe como porralouca, já demonstra querer ultrapassar o senso comum e quebrar as barreiras usuais da criatividade, mas suas pretensões acabam no próprio gogó. A "mentira" é logo desfeita quando o longa assume não ter cacife para exibir qualquer homenagem ao cult-bizarro, e falha ainda mais ao firmar-se como uma aventura genérica. O produto final é tão triste que não vale a pena nem rir das falhas que o roteiro, a ação e o próprio argumento ridículo exibem sem a menor vergonha.
"Caçador de Vampiros" é daqueles filmes - lógico, de modo inocente - cujo propósito você não entende. É simplesmente o cinema comercial em sua pior forma, expondo seus estandartes como grandes qualidades, luxos, mas que na prática, não receberam qualquer tipo de cuidado para que honrassem a própria divulgação. Do aficionado por ação ao amante de roteiros, não há o que aproveitar aqui, é uma das maiores pobrezas de conteúdo que vi nos últimos tempos. "Abraham Lincoln" é só um bando de tentativas vaidosas e pretensiosas que nem ao menos se esforçaram para dar certo.
(Texto que escrevi para meu blog, Beep Bop Boom, como visto em http://www.beepbopboom.com.br/2012/09/abraham-lincoln-cacador-de-vampiros.html, e adaptado ao CinePlayers)
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