Vamos pular a parte sobre a importância histórica de The french connection. Disso todo mundo sabe ou pode saber sem muita dificuldade: basta procurar no Google. Falarei, pois, apenas sobre a história e a beleza visual desse filme vencedor de 5 Oscar em 1972: dois policiais, ‘Popeye’ Doyle (interpretado pelo grande Gene Hackman) e ‘Cloudy’ Russo (Roy Scheider), adentram no submundo de Nova York para destrinchar um grande esquema de tráfico de drogas em escala direta com o belo e limpo litoral francês. Só há beleza unânime mesmo nesta realidade paralela; a trama em si está concentrada nas ruas imundas de uma Nova York sombria e violenta da década de 70, como bem mostrou Scorsese em Taxi Driver. Mas também há beleza no incomum quando se tem sensibilidade visual para perceber como a escuridão, as sombras, as próprias contradições das ruas, das construções decadentes podem ser traduzidas no maior dos impactos com as imagens; neste sentido, o trabalho de Willian Friedkin é admirável e não por acaso ele foi devidamente recompensado.
Há intriga suficiente em The french connection para não deixar o espectador se distrair por um momento sequer: as cenas de investigação são guiadas cautelosamente ao clímax de cada passo do processo, até o momento final, em que as forças da polícia ficarão cara a cara com os bandidos; a ação não é um mero acessório: é a valorização do bom cinema, bastante diferente da megalomania de muitos dos filmes atuais, onde o que mais importa não é a qualidade do caso específico em si e a busca da solução, mas a quantidade de explosões e tiros, que muitas vezes não adicionam absolutamente nada para o que realmente importa – o resultado é o distanciamento entre quem apresenta e quem acompanha a história. A longa sequência de perseguição entre um trem e o carro guiado por ‘Popeye’ é um exemplo para ser seguido: o realismo não é por acaso, afinal de contas, para filmá-la Friedkin fez uso do tráfico da cidade sem muitas encenações, com transeuntes reais e o protagonista, Gene Hackman, a dirigir freneticamente pelas ruas de Nova York.
No aspecto mais intimista do filme, creio que poucas vezes a dimensão psicológica de um policial foi tão bem representada. Hackman é um agente tradicional da lei, combatendo quase sempre os casos “miúdos” do dia-a-dia, muitas vezes utilizando de abuso de poder, que se depara com um caso realmente grande de comercialização internacional de heroína. Irá, então, concentrar, mesmo contra a maré, todas as forças nesse combate – afinal de contas, a sordidez dos “miúdos” só existe por causa dos “grandes”, financiados por gângsters vivendo em pedestais, cercados pelo maior dos confortos sobre a criminalidade.
Este personagem, uma espécie de Serpico após a dura percepção da podridão que o cerca ou, como bem conhecemos, uma espécie de Capitão Nascimento em outras circunstâncias locais e históricas, é em primeiro lugar um workaholic, mal remunerado, que poderia muito bem se desviar para o caminho mais fácil e compactuar com o crime organizado, ou simplesmente fazer vistas grossas com a realidade, mas que tem consciência, mesmo que um pouco deturpada, do que sua profissão representa para a sociedade e como ela se confunde com sua própria personalidade – nesse sentido, não há outra saída senão o perigo constante ou a utilização de meios pouco republicanos para atingir seus objetivos, até mesmo pela certeza de que, perante os chefões do tráfico, ele e seu ajudante são forças menores, mais vulneráveis, quase solitárias, cujo combate quase sempre terá um desfecho incompleto, porém sempre violento. E quem, tendo em vista as circunstâncias alarmantes do tráfico de drogas sobre a sociedade e dos investimentos sempre abaixo do recomendável em segurança, diria com todas as letras que ele é um “mau policial”? Em outras palavras, o mundo de The french connection não suporta muitas idealizações. As coisas são o que são, e estão acontecendo rápido demais.
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