Em sua mais nova empreitada, o promissor diretor James Gray extrai o máximo de um tema absolutamente desgastado para criar uma obra verdadeira e tocante. Sobretudo, prova que uma leitura sobre a ''paixão verdadeira e suas improváveis consequências'', se feita de maneira ''correta'', pode sim criar uma composição única, merecedora dos tantos aplausos que recebeu mundo afora. E definir ''correta'' vai ser justamente meu trabalho nesse pequeno texto.
Um magnético Joaquim Phoenix interpreta Leonard, o objeto central da câmera durante todo o filme. O público é apresentado a ele em um dos mais desanimadores clichês que o início de um filme pode conhecer: uma tentativa de suicídio. Mas em boas mãos, um clichê seguramente pode ser revertido em uma virtude, como é o caso. A tentativa em questão está associada ao fracasso amoroso de Leonard, que consumiu por completo sua motivação. Mas agora sua vida ganha novo ânimo quando uma outra paixão surge em sua frente: a recém-vizinha Michelle (uma surpreendentemente competente Gwyneth Paltrow).
São muitos os atrativos do roteiro, também escrito por Gray: uma narrativa reta divide os pontos de destaque e emoção em partes estratégicas, garantindo o interesse absoluto da platéia. Leonard, agora amigo de Michelle, quase que por acaso se envolve com a boa Sandra, que também é judia e se apaixona por ele instantâneamente, sem que o contrário aconteça. Essa sua relação acaba sendo mostrada também como uma válvula de escape para a sua tórrida obcessão não-correspondida por sua vizinha.
Talvez, o grande segredo de Amantes seja seu bruto realismo e sua fácil assimilação: sequências como aquela em que Leonard se finge de inocente para encontrar sua amada no metrô devem fisgar o interesse e a identificação de qualquer tipo de pessoa. E acima de qualquer fato, sua ambientação é inquestionávelmente atual. Prova disso são as baladas, os pais imigrantes, as drogas e as bebidas, um negócio pai-filho, etc. Tudo isso faz com que o universo criado por Gray se torne irresistível, e prepara o expectador para emocionar-se e interessar-se mesmo em um desfecho já muitas vezes visto.
Qualquer tipo de análise sobre o filme Amantes não seria completa sem uma parte exclusiva dedicada ao seu personagem central. Imprescindível engrenagem no grande sucesso desse filme, Phoenix faz uma caracterização tão envolvente que praticamente força o espectador se colocar em seu lugar, ver o mundo aos seus olhos. O personagem é convincente e atual, mostra à câmera praticamente colada em sua sombra todas suas fraquezas e suas qualidades. O dia-dia mostra um Leonard engraçado, indeciso, apaixonado, preocupado e acima de tudo em crise existencial.
O desenrolar nos leva à um final que é tão previsível e anunciado como dramático e envolvente. Mas ainda alguma surpresa é encontrada na decisão do protagonista em não se suicidar, em voltar para sua família e sua namorada em um visível sacrifício altruísta, o de não deixar que essa máxima decepção apanhe sua agora noiva.
Dentre suas muitas vertentes, a construção de Amantes se dá no que vou chamar de um ''jogo de setas'': A ama B, que ama C, que por sua vez ama D. A conclusão não é outra senão a de que alguma das variáveis com certeza não será correspondida.
Em suas limitações, o longa de Gray é praticamente impecável, e traz uma verdadeira renovação à esse gênero tão saturado. Não é fácil emular com tanta clareza o nível que uma paixão pode chegar, ou o abismo existente entre gostar e amar. Vale ressaltar que a câmera de Gray é suave e discreta, além de concisa. Sempre acompanhando de perto o protagonista, também é mais um elemento dessa ''identificação inevitável'' de que tanto falei, o que, digamos, é o grande trunfo do filme. São apresentadas belíssimas imagens durante toda exibição. Definitivamente, um dos melhores do ano e um dos melhores do gênero em toda história. Com isso tudo, o promissor cineasta somente confirma sua reputação e nos deixa completamente anciosos pelo seu próximo trabalho.
Antes do fim, uma pequena observação: foi interessante ver Ingrid Bergman andando por aí novamente. Ainda por cima, atuando com excelência em um filme como esse. Quem diria...
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