Confesso que comprei o ingresso para a sessão de Gravidade pensando ver o filme que formaria, juntamente com 2001 – Uma Odisseia no Espaço (de Stanley Kubrick, 1968) e Contato (de Robert Zemeckis, 1997), a santíssima trindade do cinema sobre o espaço. Mesmo fugindo de trailers, fotos, vídeos promocionais, entrevistas e críticas, a expectativa era grande. Sem lançar um filme desde de 2006, ano de Filhos da Esperança, o mexicano Alfonso Cuarón por si só já desperta interesse devido a seus filmes em sua terra natal, seu trabalho no terceiro filme da série Harry Potter e a já citada obra anterior.
A característica principal do diretor todos já conhecem: os planos-sequência. E logo de cara já somos maravilhados pela técnica. A cena inicial dura algo entre 10 e 15 minutos e não apresenta nenhum corte. Nenhum! É uma abertura excepcional, impactante e importantíssima para nos situar no local em que a história se passará. Na trama, a novata Dra Ryan Stone (Sandra Bullock) testa um protótipo de sua pesquisa numa estação espacial. Ela é acompanhada pelo veterano Matt Kowalski (George Clooney) e por uma tripulação. Após destroços de um satélite atingirem a estação, Stone e Kowalski ficam à deriva na órbita da Terra.
A lentidão dos movimentos, a ausência de som, a falta de gravidade e o contraste entre os comportamentos de Stone e Kowalski estão todos presentes nesta primeira cena. Tanto que na saída da sessão muitos comentavam sobre a sensação de claustrofobia. Do acidente em diante, nos deparamos com todas as complicações de sobreviver no espaço. Cada plano que a dupla traça parece uma tarefa hercúlea, desafiando vários aspectos do ser humano como inteligência, preparo físico, lógica e persistência/vontade de sobrevivência. Este último aspecto é inclusive o tema central do filme. Gravidade mostra como a raça humana vem se sobressaindo em suas ‘batalhas’ contra a natureza, mas não sem muita persistência, inventividade, sorte e, por que não, fé. Infelizmente o tema é tratado apenas superficialmente durante toda a projeção e jogado na cara do espectador durante a última cena.
Gravidade se apresenta como o ápice do apelo técnico de Cuarón. Alguns podem dizer que é apenas firula, mas o fato é que o diretor abusa de movimentos de câmera incomuns. Já que estamos no espaço, sem gravidade, a câmera do diretor também flutua e gira como os personagens. Isto unido com os planos-sequência e com o 3D já garante que Gravidade é um filme único, nunca antes visto. Preste atenção na cena em que a câmera se aproxima lentamente de Ryan, atravessa o capacete e então temos o ponto de vista da personagem, para percorrermos o caminho inverso e estarmos novamente de frente à cientista. Espetacular! Ainda mais na presença da trilha sonora inspiradíssima de Steven Price, que ajuda a invocar a tensão necessária sempre que preciso e utiliza o silêncio de maneira inteligente.
Contudo, o roteiro não é capaz de manter o ritmo e o miolo do filme é um tanto maçante. A sequência de situações de risco cansa e o desespero de Ryan não é condizente com a preparação que imaginamos de alguém que vá para o espaço. Além disso, ver Sandra Bullock imitando um cachorro é bem constrangedor. Culpa do roteiro, não dela. A atriz faz um ótimo trabalho, ainda mais considerando a situação adversa em que atuava. Bullock foi filmada dentro de uma câmara, único modo possível para que a técnica do diretor fosse aplicada. A atriz chegou a passar 10h seguidas dentro de tal câmara. Haja concentração!
Com tudo isso dito, fica a mágoa de que não, Gravidade não entra para essa hipotética santíssima trindade do cinema espacial. O excesso de foco na parte técnica parece ter desviado a atenção dos pontos conceituais do filme. Assim, temos uma experiência cinematográfica ímpar, mas que não levanta discussões como as outras duas obras que, pelo menos para o público, parecia almejar.
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