Em primeiro lugar queria destacar o belíssimo trabalho técnico do filme, o que não depende do mistério todo. A direção de David Lynch é ótima, confirmando para mim como ele é um grande cineasta, cenas como a do carro a caminho e na frente do Silêncio e a da caixa azul, quando a câmera entra na caixa e depois a caixa cai, são dois ótimos exemplos. Lynch também constrói outras cenas muito boas, como a do assassino que se complica e mata três pessoas, ou quando Adam descobre sua mulher lhe traindo (e nessa cena a trilha sonora é um destaque, como também em todo o filme) e ainda toda a parte no Clube Silêncio, que é muito bonita.
Agora, falando do Lynch como roteirista, ele expressa todos seus sentimentos e pensamentos no filme, deixando-o definitivamente com a sua marca. Uma coisa interessante a se reparar é o papel do diretor Adam, no filme, que serve como uma crítica do diretor a imposição de interesses, com a qual certamente já vivenciou. E falando da história em si, que é o ponto alto do filme, foi feita de uma forma espetacular:
Diane, uma mulher de certa forma fracassada na vida, tem um sonho, baseado em fatos reais, de sua vida como ela preferiria que fosse. E então temos as mudanças: Diane, que no sonho se chama Betty, tem um grande talento para atuar e é uma mulher muito alegre (ao invés do fracasso e da melancolia na vida real), Camilla, que no sonho se chama Rita, é indefesa e dependente de Betty (ao invés da mulher de caráter forte e totalmente independente na vida real), Adam, que mantém o mesmo nome, é um diretor que está se dando mal de todas as formas (ao invés do diretor bem sucedido, sortudo e noivo de Camilla na vida real). Essas são as principais mudanças no sonho (além de outras pequenas), que ainda conta com outras pessoas conhecidas de Diane, exercendo “papéis” diferentes. O mais importante porém, é Betty, que na vida real (Diane) esta perdendo sua namorada Camilla, no sonho conseguir ficar com Rita (Camilla), que é seu grande amor e também impedir sua morte, que na vida real aconteceu por ordem da própria Diane.
A principal coisa que nos confunde são as trocas de nome, Camilla que não sabe seu nome e Diane que se chama Betty, dando espaço assim para existir uma Diane no sonho também (que no caso é a verdadeira Diane). Mas Lynch da varias dicas de que aquilo tudo é um sonho, umas concretas, como no começo do filme, quando “afunda” a câmera no travesseiro de Diane e no final no Clube Silencio quando o homem diz “It is an ilusion” e outras um pouco irônicas, como em falas de Betty: “It is strange to be calling yourself” e “and now I am in this...dream place”.
Mas o principal mesmo é que o sonho tem uma ótima história, tem um mistério que nos intriga, desviando assim nossa atenção do verdadeiro segredo. Assim, essa história toma conta da maior parte do filme, e apenas nos 30 minutos finais que descobrimos que aquilo era um sonho, e os mistérios ali eram apenas reflexos da vida real, como o dinheiro que é uma herança que Diane usa para pagar a morte de Camilla e a chave que significa que o serviço foi feito.
O grande mistério do filme na verdade é a caixa azul, presente nas duas realidades. Alguns dizem que a caixa representa a passagem do sonho para a realidade, mas não concordo porque logo após Rita ser “sugada” pela caixa tia Ruth aparece, mas na vida real tia Ruth está morta, então não faria sentido. A meu ver a caixa azul representa a morte: Rita é sugada por ela, que na vida real (Camilla) está morta; Tia Ruth aparece logo depois, e como disse, também está morta; e no final os velhinhos saem da caixa para “causar” a morte de Diane. Além disso, a caixa esta sob posse do mendigo atrás do Winkie’s, que no sonho pode ter causado a morte daquele homem.
As cenas que sucedem o fim do sonho servem para mostrar todas as influencias que Diane teve para cria-lo, a parte da festa na casa de Adam revela a maioria delas, principalmente quando Diane conta sua história. Percebemos varias referencias que o sonho tem, como o nome do diretor que negou Diane na vida real ser o mesmo do teste no sonho, ou também o nome da atriz imposta a Adam no sonho ser o de Camilla na vida real. E apesar de Lynch ainda embaralhar um pouco essa parte, as cenas na casa de Diane podem ser distinguidas como passado e presente através da chave azul e do cinzeiro.
Uma última coisa que gostaria de destacar é a atuação magnífica da dupla protagonista, principalmente de Naomi Watts, que foi brilhante. As duas tiveram que interpretar quase que duas personagens já que no sonho e na realidade são pessoas com caráteres diferentes. A cena no Clube Silêncio em que as duas choram ao ouvir a música é a mais bonita entre elas na minha opinião, e ainda tem um significado, já que a musica fala de um amor perdido e na realidade é o que esta acontecendo com elas.
Por fim, Cidade dos sonhos é uma obra complexa e genial. Um trabalho sobre sentimentos e desejos, sobre a vida. É um filme para assistir no mínimo duas vezes, curtir e prestar bastante atenção.
Originalmente postado (e mais elaborado) em visoesepercepcoes.blogspot.com, post: http://migre.me/4Bg8Z
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