Não precisa ir longe para ver em grandes produções cinematográficas um retrato da sociedade, em sátiras, paródias ou críticas e até situações que de tão comuns traçam um verdadeiro reflexo do telespectador. Isso indo mais além de documentários e obras baseadas em fatos reais claro, em grande parte o cinema se preocupa em traçar uma linha direta ou indireta com seu público.
Todo gênero é encarregado de uma função estereotipada em suas histórias, algumas simplórias e pobres, e outras complexas e profundas, e todas fazendo um convite irresistível a enxergar aquela obra além da tela.
Com o terror, embora muitas vezes não pareça, não é diferente. Sua função primordial é chocar, impactar, causar medo e nojo. E muitas dessas produções prendem-se tanto a esses princípios que deixam de lado a humanização dos personagens, de explorar deles suas emoções que vão além de gritos de desespero enquanto algum de seus membros é decapitado. E das poucas obras que conseguem transcender dos banhos de sangue a esse lado mais humano, embora que negro, é Martyrs.
Vindo da grandiosa safra de produções europeias que tem alavancado o gênero do terror, deixando de lado os adolescentes americanos drogados fugindo de serial killers para filmes mais brutais, Martyrs é um filme que impressiona em sua riqueza de elementos.
A história divide-se em três atos, dos quais apenas o primeiro é presumível, mostrando a garota Lucie fugindo de seu cativeiro, perturbada e machucada, sendo encaminhada a uma instituição onde cria um forte vínculo com Anna, e quinze anos depois partindo em busca de vingança.
Embora se arrisque no psicológico dos personagens, boa parte do filme dedica-se a cenas de extrema violência que agradarão aos mais sádicos e serão dispensáveis aos mais sensíveis.
O desenrolar da história apresenta vários elementos de terror, como o psicológico, presente em peso no primeiro ato, com uma Lucie enlouquecida e assombrada, até o ponto em que nos é mostrada a razão de tudo aquilo, trazendo a Anna consequências terríveis e angustiantes, embora acompanhadas de uma forte carga dramática.
E o drama maior vem com a reflexão que o filme nos convida a fazer. Nada do que acontece é por pura perversão, motivado pelo sadismo de mentes perturbadas. Os algozes em momento algum podem ser chamados de loucos ou doentes, são cruéis, frios, calculistas e principalmente organizados, com um propósito que coloca em cheque todos os outros que a humanidade já usou para realizar terríveis atrocidades, contra as imagens dos mártires que temos hoje.
As protagonistas, diferente da maioria que habita produções ridículas do gênero mundo afora, também mostram-se humanas, e muito bem interpretadas, cativam o público, o faz desejar que tudo aquilo acabe, que nunca tivesse acontecido.
Muito além de tortura e crueldade, Martyrs é um filme humano, mesmo em sua escuridão, mostra que somos vítimas dos nossos próprios monstros, e que nosso fim não está em Jasons ou Jigsawas da vida, mas sim em tudo naquilo que cerca nossas ambições ocultas, que escandalizam nossas almas mas não deixam de existir.
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