O cinema clássico é constituído de todas as obras que transpassam gerações por sua originalidade (muitas vezes polêmicas principalmente no contexto e época em que são lançadas) que conseguem manter-se atemporais no convite que nos fazem a observar os mínimos detalhes de um belíssimo espetáculo.
Icônico, Laranja Mecânica é sem dúvida um dos filmes que melhor se encaixam nessa definição, sendo figurinha carimbada até no inconsciente de quem nunca apreciou a produção de Stanley Kubrick.
A história de Alex DeLarge é marcada de conturbações e violência gratuita, com estupros, espancamentos e assassinatos gratuitos cometidos junto de seus drugues (nome dado aos outros três membros de sua gangue ), até o dia em que é preso e submetido a um tratamento experimental e revolucionário, com a premissa de fazer com que ele sinta uma dor e náusea insuportáveis caso pense em cometer algum ato violento.
A parte técnica do filme é impecavelmente competente em sustentar o enredo e dar vida aos personagens bem construídos e interpretados (menção honrosa claro ao excepcional desempenho de Malcolm McDowell na pele do protagonista) inseridos em tramas muito bem conduzidas no roteiro primoroso de Anthony Burgess e Stanley Kubrick. A fotografia é de primeira qualidade aliada ao bom trabalho da direção de arte e a seleta trilha sonora, enchendo os olhos e ouvidos do telespectadores de uma história riquíssima em elementos subjacentes.
E poder discorrer sobre as diversas opiniões que o filme é capaz de construir e levar à discussão é o que o torna tão essencial a vida de qualquer ser humano capaz de pensar. É claro que àqueles a qual essa dádiva permanece tão adormecida quanto uma certa Bela dos filmes de Walt Disney resta uma aprazível peça de entretenimento, já que a história em si, superficialmente falando, consegue fisgar o público do começo ao fim.
Se bem observada, a produção pode ser analisada como um grande questionamento a postura ética e até então incorruptível dos heróis e das vítimas, trazendo a tela um jogo onde as peças mudam de posições constantemente, em contraponto as suas funções primordiais e a tudo aquilo que chamamos de moral, que se esconde por trás de diversos personagens não se fixando em nenhum na e dança que faz através das mais de duas horas de projeção.
Muito mais do que tentar justificar os fins com os meios, Laranja Mecânica coloca em cheque a liberdade, os direitos e deveres de cada um e como a lei deve ser estabelecida e vigorar em todos esses campos, não contradizendo seus atos e sendo aplicadas a todos os cidadãos de forma justa, e contestando o que o governo faz além de promover um espetáculo opulento de seus interesses de sutil manipulação, e que fecha suas cortinas quando não consegue atingir o gosto popular em escala aceitável para sua continuação.
A razão das vítimas entra em conflito quando sede a tentação da vingança, que seria algo estimulável, digna e praticável? Até onde ela vale a pena é algo muito além da nossa compreensão, e condená-la não está nas mãos de ninguém.
Laranja Mecânica desponta-se assim como uma das maiores referências do cinema, com personagens que vagam imortalizados em nossa memória, complexa no escândalo de suas cenas cruas de ultraviolência que não definem nem mocinhos nem vilões, e refletem a imagem mais próxima do ser humano que somos capazes de ser.
"É curioso como as cores do mundo real parecem muito mais reais quando vistas no cinema." Alex DeLarge
Comentários (0)
Faça login para comentar.
Responder Comentário