Maktub. Esta e a palavra síntese deste maravilhoso filme Ganhador de 8 estatuetas douradas. “Quem quer ser um milionário” é um conto de fadas contado na dosagem certa. Com um excelente roteiro e um enredo magnificamente pensado, o filme de Boyle e Tandan arrebatou não somente 8 oscar, mas também o gosto em se ver que o cinema ainda conta com boas produções que conseguem inovar a maneira de emocionar e tocar o telespectador através de recursos da sétima arte.
Jamal Malik é um jovem da periferia indiana que juntamente com seu irmão, o engenhoso e também maldoso Salim, percorrem as ruelas imundas e estreitas de uma imensa favela indiana onde moram. Mais do que isso, eles precisam sobreviver arduamente dia após dia. Vestidos de trapos e farrapos, os irmãos, ainda crianças, procuram diversão que quase sempre esbarram nos limites impostos pela polícia que os perseguem como animais. Nesse contexto também entra em cena uma grande crítica à situação precária em que vivem milhares de indianos em amontoados fétidos, sem nenhuma estrutura em situação de “quase-animais”.
A trama central do filme gira em torno da participação de Jamal, já adulto, no mais famoso programa televisivo da Índia: “Who wants to be a millionaire?” comandado por um apresentador torpe e sem escrúpulos. Inicialmente, o apresentador faz bastantes piadas tendo como mote a situação socioeconômica de Jamal: Ele é um garoto favelado, que serve chá em uma empresa de telemarketing. Para além disso, existe também a descrença de que Jamal conseguirá passar da primeira pergunta em função de sua não escolarização e também de sua origem miserável e humilde. É aí que se inicia a saga de Jamal, seu irmão Salim e Latika, o amor quase platônico de Jamal.
Cada pergunta feita a Jamal no programa coincide com um momento empiricamente vivido por ele desde pequeno até chegar ao programa. Explico-me. O conhecimento de Jamal é construído em meio a turbulenta vida levada pelas ruas indianas. Perguntas tais como: quem foi o inventor do revólver, qual poeta compôs a canção de Geneisha, qual famoso estadista norte americano está na nota de sem dólares, dentre outras são o eixo a partir do qual tomamos conhecimento da história de Jamal, Salim e Latika.
Por falar em Latika, cabe focar mais essa personagem tão importante no filme. É por ela que Jamal decide participar do programa. Jamal não tem nenhuma ambição financeira, ao contrário de seu irmão que se torna um capanga. O objetivo fulcral do simples ‘garoto do chá’ é reencontrar Latika e poder estar com ela. Basicamente é isso que Jamal faz o filme inteiro.
Conjugando perguntas feitas a Jamal no programa com a sua vida pelas ruas indianas o filme cria interessantes espaços. Um deles é ganância representada por Salim cujas ações são sempre voltadas para obter o lucro, custe o que custar. Vejam, por exemplo, a cena em que Jamal se joga em uma fossa a céu aberto para poder ver o ator mais famoso da Índia e lhe pedir um autógrafo literalmente coberto de bosta!
Com o desenrolar da história, Jamal, cada vez mais, se aproxima do prêmio máximo oferecido pelo programa (20 milhões de rúpias). E é nesse ponto que ele levanta suspeitas sobre uma possível fraude para ganhar o prêmio, afinal, como um garoto favelado e sem estudos poderia ganhar mais do que doutores e intelectuais que já participaram do programa. Por causa disso, o apresentador do programa, após o término de um dia do programa entrega Jamal para que a polícia possa descobrir como ele executou a suposta fraude.
Desse encontro com a polícia, após muita tortura para confessar sobre a fraude, Jamal começa a relatar como sabia as respostas e questionado sobre cada pergunta pelo inspetor de polícia, ele conta o momento de sua vida que o fez conhecer a resposta da pergunta.
Finalmente, após um longo interrogatório, Jamal retorna ao programa para continuar sua participação. Pouco a pouco ele se torna o homem mais conhecido da Índia e todos torcem para que o garoto da favela consiga ganhar o prêmio máximo do programa. Faz-se uma verdadeira torcida nacional para Jamal que, finalmente chega à última pergunta: Qual o nome do terceiro mosqueteiro? Ironicamente, Jamal sorri diante da pergunta. É a última pergunta e a única que ele não tem a resposta. Pergunta irônica porque Jamal, juntamente com Salim e Latika, por assim dizer, eram os três mosqueteiros e porque Jamal se lembrara perfeitamente dos tabefes que levara na cabeça em uma das aulas em que o professor havia justamente discutido sobre Os três mosqueteiros”.
Por fim, não sabendo a resposta, Jamal recorre ao último recurso oferecido pelo programa: ele tem direito a ligar para um amigo para perguntar-lhe a resposta. O único número conhecido por Jamal é o de seu irmão Salim. Momentos de tensão compõem os instantes em que o número de Salim é discado pela direção do programa. O telefone toca uma vez, duas, três, quatro até que o apresentador do programa resolve dar por encerrada a tentativa da ligação. No último instante eis que Latika, que havia fugido de seu “marido” ajudada pelo próprio Salim, atende ao telefone. Sua resposta à pergunta: um singelo “eu não sei”. Nesse momento, obrigado a responder à pergunta, Jamal tenta, pela primeira vez, a sorte: ele chuta uma resposta. E para alegria de todos os indianos e nós, telespectadores do filme, ele acerta a pergunta e se torna um milionário e, é claro, fica com Latika.
A princípio o filme pode parecer água com açúcar ou simplesmente insosso. Mais do que isso, uma simples produção cujo enredo batido é trabalhado com vistas a simplesmente comover quem assiste ao filme. O fato de “Quem quer ser um milionário” terminar com um final feliz prova que boas produções podem, sim, ter finais felizes sem recorrer a pieguices ou receitas enlatadas.
A meu ver, o grande mérito do filme é maneira como os diretores resolverem contá-lo. Um ótimo enredo, ótimas músicas e, é claro, um excelente roteiro. Por detrás das perguntas feitas a Jamal, vemos descortinar o dia a dia de milhares de indianos que lutam diariamente para sobreviverem em uma Índia explorada, desigual e sangrada por conflitos, dentre inúmeros, pela intolerância religiosa.
Jamal, o herói do longa, tem várias das características de um herói romântico. Parece até um cavaleiro errante atrás de sua amada simplesmente querendo ser feliz. Bom. É isso, o filme se encerra como começa: Maktub: estava escrito!
Comentários (0)
Faça login para comentar.
Responder Comentário