“Viver é muito doloroso...” Essa é uma das falas iniciais dessa belíssima produção do estreante Tom Ford. Impecavelmente pensada e arquitetada, a película de Ford prima, sobretudo, pelas sinestesias que são construídas imageticamente. Sinestesias essas que são responsáveis por fazer o telespectador experimentar, de forma difusa, as sensações dilacerantes que corroem George (Colin Firth).
George é um professor de Literatura Inglesa que, há oito meses, agrura a dor de ter perdido, em um acidente de carro, seu companheiro de longa data – Jim, interpretado por Mattew Goode. Durante esse período, como bem nos diz a personagem, viver tem sido doloroso e diariamente ele precisa se tornar George, manter as aparências e agir em função do que os outros esperam de suas ações. Para tanto, sua rotina consiste em levantar pontualmente no mesmo horário, vestir-se impecavelmente, pegar seus livros e seguir para a Universidade.
A solidão que dilacera George encontra seu par na brilhante atuação da belíssima Julianne Moore que dá vida à Charlotte. George e Charlotte tiveram uma enfatuação nos tempos de juventude que se transformou em encontros casuais no presente cuja pauta são as lembranças que viveram regadas pela dor do vazio que ambos sentem pelas perdas da vida.
É a partir desse simples enredo que Ford constrói “A Single man”. No que tange à estética, a arquitetura do filme é brilhante, senão vejamos. George está sempre impecável, sua rotina consiste em interpretar o próprio George, e para tanto entram na cena de sua composição terno escuro muito bem alinhado, cabelos sisudos e penteados para trás e pesados óculos de armação preta que conferem ao personagem o tom da angústia, do pesar e, é claro, do luto não declarado.
Outro importante ponto do filme é o contraponto estabelecido entre o tom soturno e sorumbático de George e a alegria e inocência de sua vizinha e sua filha que, em uma bela cena em um banco, contrasta o colorido de seu vestido com a “sombridez” do terno sisudo de George que se encontra sobremaneira introspectivo. Além disso, Charlotte, ao contrário de George, apronta-se para viver uma sensação de alegria, ainda que de maneira vazia e fugaz. Ela passa o dia preparando o encontro que terá à noite com George: maquia-se cuidadosamente, arruma os cabelos detalhadamente e se põe em um vestido vivo e alegre.
Em relação ao amor perdido de George, somos apresentados a ele a partir de pequenos flashes sobre a vida dos dois, como viviam e como se conheceram. O filme possui um enredo simples que gira em torno de um dia da angustiante e mecânica vida de George desde a morte de Jim. Durante o destramar da película, o telespectador se depara com uma série de relógios que são “plantados” nas diversas cenas. Esses relógios simbolizam, simultaneamente, o arrastar do tempo no decorrer do dia, o peso de seus ponteiros sobre George assim como o aproximar da exata hora de por fim à tortura que é viver.
Ao longo do dia de George, tomamos conhecimento de Kenny (Nicholas Hoult) que interpreta um dos alunos de George. Nesse ponto o filme adquire um tom dúbio quanto ao seu possível final. Isso se justifica pelo fato do envolvimento que se encena entre George e Kenny. Nada explícito, pois a aproximação entre eles ocorre em função de uma aula que George ministra em seu último dia de vida que muito surpreendeu Kenny. Essa encenação de uma possível relação entre ambos dá um tempero a mais na produção, pois, em meu caso, cheguei a pensar que eles ficariam juntos ou pelo menos aproximariam mais. Isso, no entanto, não acontece.
O filme é simples, possui um enredo também simples. Mas a maneira como nos é contado, as sutilezas das interpretações e a sua montagem técnica mostram-nos sentimentos humanos de maneira delicada, bem trabalhada e nos fazem experimentar a dor que assola George no decorrer do último dia de sua existência.
Comentários (0)
Faça login para comentar.
Responder Comentário