Uma obra-prima que mexe com os sentimentos do espectador. Um filme que, em vez de apresentar a narrativa de forma tendenciosa, cumpre seu papel como formador de pensamento autônomo, e mostra que a liberdade é a chave para todas as conquistas. Mostra que o verdadeiro sábio é aquele que sabe quando contestar, e aquele que sabe quando usar a liberdade por ele conquistada. Deixa implícito que a poesia pode mudar o mundo e que ela não é feita somente de palavras à tinta, mas sim feitas de ações. Sociedade dos Poetas Mortos, um filme triste e belo, mostra que existe algo muito valioso dentro de cada um de nós.
"Fecho meus olhos. Uma imagem flutua ao meu lado.Um louco dentuço suado com um olhar que golpeia meu cérebro. As mãos dele me estrangulam. E ele está balbuciando algo. Balbuciando 'a verdade'. A verdade que é como um cobertor que sempre deixa seus pés com frio. Você empurra, estica, nunca há suficiente. Você chuta, bate, nunca nos cobrirá. Desde que chegamos chorando até partirmos mortos. Só cobrirá seu rosto, enquanto você berra, chora e grita."
A ruptura dos valores clássicos, a ascensão do Romantismo em uma cena do mais perfeito e nítido sentimento libertino. Todd Anderson, garoto tímido, ofuscado pelo brilho do irmão mais velho, descobre-se com uma alma aflita, presa e maculada. Anderson, que enxerga em seu novo professor de inglês aquilo que ele sempre mais precisou na vida, enuncia a introdução para a transição de valores de época, que ocorreria em segundos. O menino quieto, retraído, libertando-se de seus medos, de pensamentos egoístas. O menino acanhado, que muitos acreditavam ser fraco. Todd Anderson, tão brilhantemente interpretado por Ethan Hawke, é o responsável pelo o que viria a seguir. Após o desprendimento, veio Ludwig van Beethoven, na memorável sequência do jogo de futebol, onde Anderson já não é mais aquele garoto receoso. A nona sinfonia do compositor austríaco, que embala o passeio galopante de John Keating, interpretado pelo ótimo Robin Williams, nos braços de seus alunos, marca o início do segundo ato de "Sociedade dos Poetas Mortos".
A liberdade, que fora tão bem retratada quando o personagem Todd Anderson extravasa na frente de toda a sala de aula, imaginando um Walt Whitman louco, dentuço e suado, balbuciando "a verdade", é a palavra-chave para os momentos mais importantes de "Dead Poets Society", um dos grandes filmes do final da década de 80. Peter Weir, um nato contador de histórias nascido na Austrália, dirige este filme com algo que poderíamos chamar de "licença poética". Ao mostrar o duro cotidiano dos alunos da escola preparatória de Welton, Weir enuncia o direito à liberdade. Ao mostrar as consequências dos atos vindos de homens livres, o diretor pede por excelência. "Tradição, disciplina, honra e excelência". Ora, não é esse o lema da escola que um específico grupo de estudantes de Welton tão sabiamente optaram por modificar para "paródia, terror, decadência e excremento"? Neil Perry (Robert Sean Leonard), Knox Overstreet (Josh Charles), Charles Dalton (Gale Hansen), Steven Meeks (Allelon Ruggiero), Gerard Pitts (James Waterston), Richard Cameron (Dylan Kussman) e Todd Anderson, cada um com seu cada qual, tem algo que se assemelha com o novo professor de inglês do colégio. John Keating é ex-aluno de Welton, e entra para o corpo docente da instituição a fim de substituir o antigo professor, que decidiu se aposentar. Keating foi um dos mais notáveis estudantes da escola, sempre muito apaixonado pela poesia. Ele foi um típico aluno de Welton: dedicado e inteligente, mas que usa a inteligência também para outros fins que não os estudos. Mas se você pensou que a semelhança entre o novo professor e os alunos é o fato de ambos terem alguma relação subordinada com Welton, você está muito enganado. John Keating conhece Welton, e tem ciência, principalmente, dos métodos ortodóxicos que são adotados por lá. Ele, mais do que ninguém, mais do que todos os outros professores, conhece o universo dos alunos, sabe as privações as quais eles se submetem. Mas Keating conhece poesia, e sabe como fazer para criar indivíduos autônomos e que pensem por si mesmos.
As aulas do professor Keating, os alunos puderam perceber logo na primeira delas, não são nada parecidas com as de outras matérias. Keating entra na sala sem dizer palavra, caminha até a outra porta e convida os estudantes a se levantarem e acompanhá-lo até o lugar onde são expostas as fotografias de ex-alunos de Welton. Keating pede para que os jovem se aproximem das fotos, pois aparentemente elas desejam sussurrar-lhes algo no ouvido. "Carpe Diem", é o único som que se ouve; "Tornem suas vidas extraordinárias" é a mensagem da primeira aula do novo professor de inglês dos rapazes; "Aproveite o dia" é o significado da frase em latim, extraído de um poema de Horácio. "Vocês podem se referir a mim com 'Oh Capitain, my Capitain!'", completa Keating ao fim da aula, fazendo menção ao poema da autoria de Walt Whitman, o mesmo que mais tarde seria retratado como um "louco dentuço suado".
Acontece que ensinar os alunos a pensar por si mesmos não segue as diretrizes de Welton, o que acaba provocando o desagrado da diretoria do colégio. John Keating, no entanto, parece disposto a transformar a sua e vida de seus alunos em algo extraordinário. Suas outras aulas seguem o mesmo padrão vanguardista, mostrando aos rapazes que poesia não é simplesmente um conjunto de versos que o homem coloca no papel, mas sim aquilo que ele sente. Keating logo vira o professor preferido dos estudantes e também uma espécie de herói. Aquele que contesta o regime, que inflama as mentes dos jovens para a mudança. Keating é uma figura e tanto, e após procurar informações suas no anuário do colégio, o grupo formado por Perry, Overstreet, Cameron, Meeks, Pitts, Dalton e Anderson descobre uma tal de Sociedade dos Poetas Mortos. Sem fazer ideia do significado, eles resolvem perguntar pessoalmente ao professor. Ele responde, com certa paixão na voz, que tratava-se de uma organização estudantil que se reunia à noite em uma caverna próxima à escola, para recitar poemas e delirar com a imaginação que as leituras provocavam.
Assim, seguindo os passos de Keating, mesmo sem esse ter ciência disso, os rapazes reúnem mais uma vez a Sociedade dos Poetas Mortos e, sempre que podem, vão até a caverna para imaginar o que quisessem. Tal atitude é a simples e pura liberdade de pensamento, um pensamento autônomo e novo. "Carpe Diem", aproveitem o dia! Tornem suas vidas extraordinárias! Mas é claro que tudo tem sua consequência. E a licença poética que Peter Weir concede a si próprio encontra-se justamente em mostrar-se tendencioso no início, mas extremamente equilibrado e sensato no final. O próprio cineasta se faz passar por poeta. Mas será que Peter Weir não é realmente um poeta? Acreditou religiosamente no poder que as palavras do roteiro de Tom Schulman tinham sobre a realidade, tratou o tema com respeito e criou uma obra-prima como poucas. Ainda que não tome partido, Weir se mostra decisivo ao sempre defender a liberdade.
Tal liberdade é proferida aos poucos, conforme vai se desenvolvendo junto com a narrativa. E é quando Todd Anderson imagina Walt Whitman como um "louco dentuço suado" que essa tal senhora chamada "liberdade" finalmente entra para mudar o rumo do filme. É na cena em que a música de Beethoven, compositor da liberdade e da transição do Classicismo para o Romantismo, que "Dead Poets Society" atinge o seu auge, a sua plenitude. Os personagens já estavam com seus destinos traçados. Knox, descobrindo amor, parte para a conquista, e pouco lhe importam as consequências; Charlie encontra na poesia e na música a sua inspiração; Meeks, o nerd, se mostra cada vez mais decidido, e não larga o espírito vanguardista que adquiriu por tradição, disciplina, honra ou excelência nenhuma; Todd encontra sua verdadeira identidade nos amigos e na poesia; e Neil, com sua predestinação para ser ator, com o medo de enfrentar o pai e com o impedimento de se libertar do autoritarismo familiar, traz o mais exemplar significado da quebra de valores clássicos, que foram rompidos conforme a liberdade foi se alastrando pelo enredo. O Romantismo enxerga o suicídio não como uma atitude covarde, impensada e desesperada para se ver livre do mundo onde se sofre, mas como um jeito de encontrar a verdade sobre si mesmo, de chegar a um lugar onde seus desejos de existência plena se tornem reais. Neil, que ao final se transforma no personagem mais querido do filme, é o corpo e o espírito de um poema romântico, com direito a um final belo e trágico.
Sociedade dos Poetas Mortos é um dos filmes mais bonitos e tristes da década de 80. A música impactante de Maurice Jarre, a fotografia artística de John Seale, os cenários vazios e opacos de Sandy Veneziano. Tudo isso, junto com as excelentes interpretações de todo o elenco e a direção precisa de Peter Weir, faz parte da grande obra-prima que é este filme. Um ode à liberdade proferido por boca de poeta, um trabalho grandioso, com o mais digno dos finais, que ficará na cabeça daquele que o assiste durante muito tempo.
"Ó Capitão! meu Capitão! Finda é a temível jornada,
Vencida cada tormenta, a busca foi laureada.
O porto é ali, os sinos ouvi, exulta o povo inteiro,
Com o olhar na quilha estanque do vaso ousado e austero.
Mas ó coração, coração!
O sangue mancha o navio,
No convés, meu Capitão
Vai caído, morto e frio.
Ó Capitão! meu Capitão! Ergue-te ao dobre dos sinos;
Por ti se agita o pendão e os clarins tocam teus hinos.
Por ti buquês, guirlandas... Multidões as praias lotam,
Teu nome é o que elas clamam; para ti os olhos voltam,
Capitão, querido pai,
Dormes no braço macio...
É meu sonho que ao convés
Vais caído, morto e frio.
Ah! meu Capitão não fala, foi do lábio o sopro expulso,
Meu calor meu pai não sente, já não tem vontade ou pulso.
Da nau ancorada e ilesa, a jornada é concluída.
E lá vem ela em triunfo da viagem antes temida.
Povo, exulta! Sino, dobra!
Mas meu passo é tão sombrio...
No convés meu Capitão
Vai caído, morto e frio."
Poema "Ó Capitão, meu Capitão!", de Walt Whitman.
Comentários (0)
Faça login para comentar.
Responder Comentário