Uau! Rever "O Sol da Meia-Noite" mesmo depois de tantos anos não deu para segurar as lágrimas no final. Se antes a torcida era para que um dos personagens seguisse por aquela corda rumo a liberdade - num dos grandes momento do filme -, dessa vez ela ficou contida. Melhor! Foi substituída por um "Bravo, Ray!" Por então já saber que ele fez o que fez para que os "três" tivessem mais chance de sair dali. Para quem ainda não viu esse filme, fica a sugestão. Está na programação do Canal TCM. Assista. E depois volte para seguir na leitura. É que mais adiante no texto, terá spoiler. Para quem já viu, venha comigo!
Qual o tamanho da liberdade que lhe é necessária? Não a utópica. Mas sim aquela que lhe daria a liberdade de seguir o seu norte. Em poder mostrar o seu talento. Para realizar aquilo que lhe dá prazer.
Conquistar o direito de ir e vir não parou no período pós Guerra Fria, nem com a materialização disso com a Queda do Muro de Berlim. Ainda hoje há muitas dessas cortinas de aço. Israel levantou uam há bem pouco tempo. Para cercear esse direito aos cidadãos da Palestina. Cito isso, caso alguns adolescentes que queiram assistir esse filme saibam que o tema principal desse filme não está apenas nos seus Livros de História. Assim, o filme se tornou também atemporal. Além de um Clássico na memória afetiva de alguns cinéfilos. Entre eles, eu! Traçando esse paralelo com a realidade atual, e de algumas nações, pode-se visualizar melhor o drama de alguém ir atrás não apenas do seu sonho, mas por sentir que terá a liberdade de escolha. Mais! Ao abraçar uma outra pátria, se sinta de fato um cidadão nela.
Em "O Sol da Meia-Noite" será a Dança e a Música que contarão uma emocionante história. Como pano de fundo a época da Guerra Fria entre duas potências: Estados Unidos versus União Soviética. Na personificação de dois personagens que antes nativos de cada uma delas, agora pertencentes ao outro lado. Que traz também uma outra realidade, e que tem a ver com preconceito racial: de um lado um "louro nórdico", e do outro um "afro-americano". Ambos Bailarinos. Um, por se sentir podado numa gaiola dourada, ousou fugir dela. Já o outro que a princípio foi ciente de que viveria numa, o seu grande motivador fora por não querer abraçar uma Guerra: a com o Vietnã. Desertara dela. E quem seria esses dois?
"O ballet clássico é para jovens. O que mais me fascina na dança contemporânea é a possibilidade de interpretar a nossa própria idade". (Mikhail Baryshnikov)
Mikhail Baryshnikov interpreta um deles. Como também algo que vivenciou na vida real: o abraçar outra pátria. No filme ele faz o Nikolai. Um bailarino que pedira asilo polítio aos Estados Unidos. Queria poder dançar o que quisesse, e não o que lhe era imposto. Amava a dança para ficar somente preso aos Clássicos. Queria também vivenciar o Balé Moderno. Acontece que por um acidente do destino, o avião onde viajava, já como integrante de uma Companhia americana, fora obrigado a fazer um pouso de emergência em solo soviético. De volta a toca dos leões!
O outro quem o faz é o ator Gregory Hines. Ele é o Raymond, o Ray. Cansado de ser mais um negro Sapateador nos Estados Unidos, sonhou em ter um reconhecimento profissional na Rússia. Mas muito mais por conta da sua ex-nacionalidade do que pelo seu talento é que lhe deram um palco. Que para ele era bem mais do que conseguiria no Harlem, Nova Iorque. E em solo soviético conhece Darya, personagem de Isabella Rossellini. Se apaixonam e se casam.
Tudo seguia rotineiro para esse casal. Até que o destino traça um outro rumo: Ray será usado para tentar convencer Nikolai a primeiramente voltar a treinar, depois voltar a se apresentar no grande Teatro Kolya. Ray mesmo sendo obrigado, acredita que com isso irá se apresentar em teatros mais importantes na Rússia. Para um público mais seleto.
Quem faz essa intermediação é o Ministro da Cultura, Coronel Chaiko, personagem de Jerzy Skolimowski. Excelente performance! Mas revendo agora esse filme, não lembro se na primeira vez que vi se esse personagem me impactou tanto quanto o Coronel Landa, de Christoph Waltz, em 'Bastardos Inglórios'. Pelo perfil do personagem, me peguei a pensar se de certa forma Quentin Tarantino se inspirou no Chaiko para construir o seu Landa. Não gosto de fazer esse tipo de comparação. Acho injusto. Mas o Coronel Landa de Christoph Waltz veio para pontuar os Vilões da História do Cinema. De qualquer maneira, Jerzy Skolimowski merece aplausos. E seu Chaiko fez uma ácida ponte para os personagens principais se confrontarem.
"Não tento dançar melhor do que ninguém. Tento apenas dançar melhor do que eu mesmo." (Mikhail Baryshnikov)
Então, nesse embate temos, de um lado um negro nascido nos Estados Unidos tentando ter um palco importante em solo soviético, e do outro lado, um branco que abraçou o país do outro porque lá poderia dançar o que quisesse, e sem importar em que palco. Será um belo duelo! De ideais também. Algo bem planejado pelo Cel. Chaiko. E aos que ainda não conhecem esse filme, quando eu friso a negritude do personagem é porque o preconceito racial está na trama do filme. Mais! Será usada como arma pelos dois lados.
Nikolai sabe que tem pouco tempo. Precisando do fato que sua Agente (Personagem de Geraldine Page) ainda está fazendo tudo o que pode para trazê-lo para dentro da Embaixada Americana. O único jeito dele se ver livre novamente. Se antes o destino cochilou com o tal pouso do avião... Depois mostrou a ele um jeito de fugir daquele prédio. É quando o Cel. Chaiko traz a antiga namorada, como mais uma arma de persuasão. Ela é a bailarina Galina Ivanova, personagem da Helen Mirren. Galina está na direção da Escola de Balé. Um alto cargo. Para o Coronel, ela não porá tudo a perder. Mas seu tiro sai pela culatra! Já que Galina consegue um jeito de ser uma ponte entre Nikolai e a Embaixada. Também terá umas ajudas invisíveis para essa fuga. Uma, de um subalterno do Coronel. Numa de - "Beba do seu próprio veneno!" -, acaba dando segundos preciosos a mais para a fuga. A outra ajuda vem de uma zeladora da Academia. Mesmo para alguém acostumada em viver como numa casta, se sente bem quando alguém de uma superior lhe trata como um igual. Demonstrando que conhece um pouco da sua vida pessoal.
Se separarmos o contexto histórico - Guerra Fria -, o filme traz mais um tema. Mais que mostrar os Estados Unidos como a Terra Prometida, é o de querer ter o livre arbítrio em traçar seu próprio destino. Mas ambas as nações tolhiam esse desejo. Uma muito mais abertamente do que a outra. O que me fez lembrar agora, revendo esse filme, de um outro, o "O Declínio do Império Americano", por levantar essa questão, em especial, com essa frase síntese:
"A História não é uma ciência moral. A legalidade, a compaixão, a justiça são estranhas à História. Isso significa, por exemplo, que os negros da África do Sul estão destinados a vencer um dia, enquanto os negros americanos, provavelmente, nunca o conseguirão.“
Para Ray, um fator novo irá pesar na sua decisão final. Que o fará recusar aquela mão amiga a lhe chamar para a liberdade. Agora tinha um filho a caminho. Que ali não teria mais o "peso" do pai. Ray era como um troféu de guerra para os russos. Já seu filho, nascendo ali, não seria. Então Ray deixa que esse futuro filho tenha oportunidade de traçar seu próprio destino. Decide ficar para dar mais tempo à fuga dos três: Nikolai e Darya grávida.
O título do filme participa como um fato que mesmo que habitual na vida dos habitantes, ainda desnorteia um pouco a rotina diária. Do tipo: "Apesar de estar claro como o dia, ainda é noite." Com isso há o de se esperar pelo funcionamento de tudo, quando de fato é de dia. O que pode ajudar, como também dificultar a fuga. O título também evoca algo romântico: uma luz a brilhar, a guiar, na escuridão. Como também há uma simbologia no campo psíquico. Se o sol do meio do dia seria o momento onde a sombra (conceito junguiano) se faz totalmente ausente, com o da meia-noite seria ter a visão por completo dela: conhecer a fundo os seus medos. E sendo o filme made in usa, uma outra simbologia: o sol representaria os Estados Unidos, e as trevas a cortina de aço.
Agora, o filme também traz um tema importante: o valor de uma verdadeira amizade. Mostrando que ela pode nascer mesmo sobre um forte antagonismo. Se fortalecer mesmo que num curto período. E o quanto um simples gesto pode deixar raízes profundas. Algo que marcará tanto, que virá a ser um divisor de água pelo menos na vida de um deles. Uma amizade que, se não durar para sempre, por certo fará parte da memória afetiva dos envolvidos.
Finalizando! Eu amei muito de rever esse filme! Só potencializou esse gostar. Confirmando que continuará na minha memória afetiva. E ao som de “Say You, Say Me”, na voz de Lionel Richie.
Assistam!
Nota 10.
Por: Valéria Miguez (LELLA).
Comentários (0)
Faça login para comentar.
Responder Comentário