O Porto (2011). Ainda Tinham Brios Pelos Ideais da Bandeira
“Era uma vez, num reino distante, o povo passava seus dias numa rotina meio doente por não ter mais os ideais do passado. Mas eis que num belo dia algo veio para mudar suas vidas. Reacendendo a chama para um novo presente. E quem sabe, uma nova história para o futuro…” E eu até poderia contar desse jeito a história desse filme. Que mescla História do Passado com algo ainda recorrente nos dias de hoje. Se as grandes migrações – espontâneas ou não -, no passado povoaram os continentes, atualmente elas se tornaram um problema para vários países. Questões não apenas de ordem social, como também política. Mas em vez de um amargo “Não temos vagas!” o Diretor Aki Kaurismäki, que também assina o Roteiro, traz esse tema numa leve Comédia Dramática, em “O Porto“.
É sempre válido manter essa questão em pauta: a do imigrante ilegal. Até por nos levar a refletir qual seria o nosso posicionamento. Até onde ir, ciente de que estaria burlando a lei ao ajudar uma pessoa nessas condições. Moral e ética tentando achar um meio termo. Na trama o grupo veio da África. Onde no mundo real, vão em busca não apenas de uma vida condigna, mas que muita das vezes estão fugindo da gana assassina de algum Ditador. No filme, por um deles ficamos ciente de também um outro fator, e bem recorrente também no contexto real. Enfim, dentro ou fora da tela sempre fica a busca pela terra prometida.
Temos no título original o nome da cidade francesa de onde se passa essa história: Le Havre. Pelo contexto histórico, como ela faz parte da Normandia, no passado pertencia ao Reino Unido. Que num passado mais recente, foi palco na ajuda para se livrarem do julgo nazista. Então ainda há um orgulho mesmo que quase adormecido em seus habitantes. Mas o filme não vem com nada didático, todo esse contexto é de um jeito en passant, nas conversas dos homens nos bares.
O filme se dá na zona portuária, tanto nas docas como no lado pobre da cidade. Seria os mais pobres os mais solidários? O lugar parece que parou no tempo. Onde a modernidade é vista numa antena parabólica numa das casas. Também num celular. Que põe em xeque se quem fez a delação também o fez por princípios ou não. No nome de um dos Café Bar onde os homens se encontram, o La Moderne. Mas também vem na manchete sensacionalista de um jornal. Com a foto do incidente fio condutor dessa história. E é por conta dessa matéria que o Chefe de Polícia local se vê obrigado a elucidar o “crime”: há um imigrante ilegal a solto pelas redondezas.
O bairrismo também se faz presente nesse filme, e de um modo divertido: entre os trabalhadores do porto com os da “capital”. Por conta de um erro burocrático, um conteiner ficara retido no lado francês do Canal da Mancha. Pela data, já deveria ter chegado em solo britânico. Por causa disso, um grupo de pessoas vindo da África, é descoberto. Grande aparato policial que acabou atraindo um foca. Registrando assim o incidente, como a fuga de um deles.
Acontece que o pé-no-calo do Inspetor Monet (Jean-Pierre Darroussin), o tal fugitivo, não passava de uma criança: o jovem Idrissa (Blondin Miguel). Monet tão acostumado a caçar bandidos se vê perdido para descascar esse abacaxi que o Prefeito lhe impôs. Até porque havia um contingente maior ajudando Idrissa. Algo que até surpreendeu aquele que primeiro tomou a iniciativa, o aposentado Marcel Marx (André Wilms). No geral, são gente simples, que sentem, pressentem que não estão tão velhos assim para mudarem o jeito que iam levando a vida. Ainda era tempo de lutar pelos ideais da Bandeira – Liberdade, Igualdade, Fraternidade -, mesmo que numa revolução silenciosa; sem armamentos.
Idrissa pelo jeito iria operar milagres naquela gente. Mas que ainda manteriam um jeito romântico de ser.
O filme também brinca com leves homenagens nos nomes dos personagens. Mas ai, sem uma confirmação por parte do Diretor, fica como um Quiz num brinde a mais do filme. Assim vejamos! O Monet seria a Claude Monet que passou a infância e adolescência em Le Havre. Idrissa, talvez ao Diretor Idrissa Ouedraogo com trabalhos premiados em Cannes, mas ainda um desconhecido internacionalmente. O de Marx seria a Karl Marx? Por ai! Sem pesar no contexto da trama do filme, mas sim como um tempero a mais ajudando no sabor da história.
Então é isso! Um filme para quem gosta de ouvir histórias. Essa é de acompanhar com brilho nos olhos, sorriso no rosto, e confesso que meus olhos marejaram no final. Um filme que eu voltaria a rever, para então saborear com mais tempo todas as referências até implícitas. Eu que só conhecia o ator Jean-Pierre Darroussin por sua ótima atuação em “Conversas com meu Jardineiro“, também gostei das performances dos demais. Temos em “O Porto” um ótimo filme.
Por: Valéria Miguez (LELLA).
Comentários (0)
Faça login para comentar.
Responder Comentário