Léo e Bia. (2010). A Radiografia de uma Época
“Quem não pode atacar o argumento, ataca o argumentador.”
A frase acima dita no filme “Léo e Bia” meio que define não apenas toda a obra de Oswaldo Montenegro, mas também os seus fãs, em qual eu me incluo. Um artista que não teve medo de se mostrar por inteiro, em cantar em verso e prosa o seu lado romântico, de não ter sido um engajado ferrenho em plena ditadura, por ter sido um pequeno burguês como muitos de nós. Que sonhava com um mundo melhor em conversas com amigos. Alguém assim termina aos olhos de muitos se tornando um poeta maldito. Mas ele sorri para os críticos de um jeito sereno. Abstrai como uma religião essas pedras pelo caminho. E assim nos identificamos com ele.
“Se tudo fosse claro, tudo nos pareceria inútil.”
Oswaldo Montenegro transpos a peça teatral homônima dos anos 80 para a tela do cinema. E o fez de modo magistral! Em “Léo e Bia” o teatro está ali, já que o filme todo se passa num único cenário. Onde quase não há objetos cênicos que me fizeram lembrar de “Pina“, de Wim Wenders. Sendo que nesse filme aqui, mesmo as cenas que saem do tal palco do teatro, são passadas escurecendo o entorno. Para quem assiste nota e não nota essa ausência de cenários porque a presença dos atores aliados ao roteiro e a trilha sonora prende a atenção até a cena final.
“Quando você estiver triste, a gente vai fazer teatro, quando você estiver feliz, a gente vai fazer teatro e quando você estiver arrasado, a gente vai fazer teatro”.
“Léo e Bia” está centrada num período marcante da História do Brasil. Ambientada na época da Ditadura. Início dos Anos 70. Onde um grupo de amigos usam o teatro também como uma catarse. Se sentem meio deslocados em Brasília. Uma cidade erguida meio que para se ter um poder central, ou o sentimento dele. São jovens nascidos ou levados para morar nela que buscam por uma identidade, e o fazem com essa paixão em comum pelas artes cênicas.
“Lúcio Costa e Niemeyer resolveram o problema da pobreza no plano piloto varrendo todos os pobres para as cidades satélites.”
Nessas reuniões, mais que para apenas um laboratório para a peça que irão encenar, eles se desnudam interiormente. Não são jovens alienados, mas sabem que a melhor arma é se ajudarem mutuamente. Existe amor entre alguns deles, mas acima de tudo há a amizade, o companheirismo. Alguns são mais abastados, outros mais humildes.
“A ditadura acha que protege, mas na verdade ela tortura.”
O filme aborda o contexto político da época, mas mostrando que muita das vezes ela está dentro de casa. A personagem Bia sofre até fisicamente toda a opressão vinda da própria mãe, mas não se rebela por pena. Como também se sente presa pela forte cobrança que a mãe sempre faz. Já um outro personagem, o Cabelo, sofre pela homofobia tão repressora na época. Mas que ainda é forte atualmente. Também mostra que não se pode transar livremente, ou impunimente. Até porque o peso recairá na mulher. É a gravidez não planejada. Um outro tema tem a ver com as drogas. Até onde ela aprisiona a pessoa.
“O povo é burro”. / “O povo é vítima”.
Os jovens estão encenando uma história que faz um paralelo entre Jesus Cristo e Lampião. Política e Religião sempre andam juntas, mas quando uma começa a perder terreno, não medirá esforço para recuperá-lo. “Antonio Conselheiro” que o diga! Não fazem de Lampião um herói, mas um produto do meio. A encrenca maior que arrumam será com a “dona Censura“. Que me fez lembrar do nome “Solange” na assinatura do documento exibido antes de cada filme na época.
“…Brasília lá em baixo, …era mais do que toda a possibilidade de vôo. Eu sentia a dor que o Léo tava sentindo… Eu amava o Léo. …todo mundo sabia… O Rio me assustava …mas até ter medo era novo. A gente tinha um tédio …de tudo. E aí percebi que seria diretora e protagonista do filme da minha vida. …não ia permitir que nenhum patrocinador influísse… Começou …e ele não é bom nem mal… Mesmo que doa, é o nosso filme! …conduziríamos o barco… o caminho era mais lindo que o barco… Valeu Brasília! Já fomos!“
Mesmo ainda muito jovens, eles sentem quando chega a hora de cortarem o cordão umbilical para ir ao encontro do sonho maior: viver do teatro. E aí é hora de saber quem irá carimbar esse passaporte para a felicidade. Saber quem está preso a outros compromissos, outras responsabilidades. É o amadurecimento advindo da tristeza para uns. A dor de não poder ser livre. De não poder ser o protagonista da própria história de vida.
“São sete bichos / Sete regras do jogo / Sete provas de fogo / Para a lógica de cada um / São sete mundos / Pelo mesmo planeta / A mesma bola na roleta / E apostando no número um / São sete dores e sorrisos em jogo / Apostando sete corpos em ponto comum / Observando na mesma estação / Os anjos e demônios de cada um.”
E quem são esses sete amigos de “Léo e Bia“?
- Léo é o líder do grupo. Adora estimular a todos para que ponham em xeque suas emoções confrontando com o lado racional. Muito criativo, partindo dele as ideias para a peça. Um crítico da realidade, sem perder o lado terno. Tem um ponto fraco: é apaixonado por Bia.
- Bia se encontra emocionalmente frágil. Totalmente submissa a mãe. Contida em seus sentimentos até por medo de expor o ódio que sente às vezes pela própria mãe. O que a faz passar por um momento muito sensível. Sabe que terá que escolher entre o amor de Léo ou cuidar da mãe.
- Marina é um jorro de otimismo. Mas bem equilibrada. De essência solidária. Mas bem racional. Ufanista. E apaixonada por Léo.
- Encrenca é o brincalhão do grupo. Contestador. Adora fazer citações, o que o deixa como um clichê-ambulante. Mesmo que aparenta ser um cara imaturo, será o apoio de uma amiga.
- Cabelo é o que veio da cidade-satélite. Por esforço próprio se fez um cara culto. Poliglota. Boa pinta. Elegante até nas atitudes. Sensível, sofre por ter que esconder a sua homossexualidade por causa das reações das pessoas. Só diante dos amigos se pode mostrar por inteiro. Um sonho maior: Paris.
- Cachorrinha é a mais animada do grupo. Pelos termos da época: Porraloka. Meiga. Ingênua. Riponga só no exterior, pois ama o conforto da cidade grande. Por acreditar piamente no namorado, irá entrar numa fria.
- Brook é o mais rico da turma, ou melhor, o único. Um típico filhinho de papai. Daí, um tanto e quanto inconsequente. Boa gente, mas sem correr risco por alguém. Como também não pesar os contras daquilo que faz. Namora a Cachorrinha.
“Ditadura não tem a ver com sexo, tem a ver com estupro.”
A Trilha Sonora é sensacional! Além das cantadas em cena, as de fundo contam com algumas participações como Ney Matogrosso, Zélia Duncan, Zé Ramalho, Sandra de Sá, Paulinho Moska. Um coadjuvante de peso que juntamente com o elenco afinado e afiado contam, cantam e encantam a história de uma época, que literalmente curta no contexto – 1973 -, marcou profundamente esses jovens. O filme foi baseado em alguns personagens reais. Tudo isso é contado com humor leve, mas por vezes apimentado. E que prende a atenção do começo ao fim. Para uma atualidade mais individualista, é altamente recomendado. Enfim um filme de querer rever! Que eu assisti pelo Canal Brasil.
Nota Máxima!
Por: Valéria Miguez (LELLA).
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