Por incrível que pareça, uma das personagens mais influentes da história pouco ou nada teve sua vida retratada pelo cinema, prevalecendo uma espécie de silenciamento. As razões, a despeito de quaisquer implicações político-ideológicas que se queiram insinuar, são difusas ou não analisadas, talvez. Mas, enfim, passados 199 anos de nascimento de Karl Marx, o cinema apresentou uma biografia sobre essa personalidade, apenas sobre sua juventude, é verdade, mas que significa muito se pensarmos no silenciamento citado inicialmente.
O filme “O jovem Karl Marx”, lançado em 2017 (Marx nasceu em 1818), do diretor haitiano Raoul Peck, retrata a vida de Karl Marx de 1843, quando se muda para Paris, até 1848, quando publicou o “Manifesto Comunista”. Por essa sinopse, percebemos que se trata de um pequeno recorte da vida de Marx, como já fica explícito no título do filme. De fato, podemos conhecer um pouco o desabrochar das ideias e da pareceria com Engels, que fizeram de Marx uma das personalidades mais influentes e controversas em seu tempo e na posteridade.
O recorte temporal, no qual o filme se concentra, contribuiu positivamente para a forma como as situações biográficas são apresentadas: as dificuldades financeiras, as amizades de Marx, sobretudo com Engels (a quem é dada uma atenção biográfica, também) e os círculos de debates são trabalhados em um ritmo cadenciado e elucidativo. O filme, também, não se exime de discussões filosóficas ao longo de praticamente todas cenas, o que contribui para a representação da complexidade das ideias dos intelectuais, sobretudo as de Marx, não para sua simplificação.
Um crítico de um importante jornal definiu “O jovem Karl Marx” como “conservador, mas informativo”, a "informatividade", penso, advém muito da forma cadenciada com que as situações biográficas foram apresentadas, já o conservadorismo, explica o colunista, está no fato de o filme se concentrar em rostos e corpos para tentar mostrar personagens históricos de forma verossímil. A explicação é vaga e os argumentos usados pelo colunista nada consistentes (apontar como causa de embaraço ver a cena de sexo entre Marx e a esposa nos leva a imaginar que tipo de relação tem o colunista com Marx), ainda que o crítico de cinema conclua que o filme não é “nada incompetente. Nem desprezível”. Palavras pesadas, mesmo com a intenção de negá-las.
De fato, a película de Peck falha em alguns aspectos, não sei se chamaria de conservadorismo, mas sim de falta de profundidade. O drama a que se propõe o filme – e do qual tenta fazer jus – não se revela, nem nas ações individuais das personagens, nem na narrativa e sua condução. As atuações também deixam um pouco a desejar, todos estão medianos, basta observar que em boa parte do elenco principal, ou em todo ele, não há um ator que se destaque, todos seguem uma mesma linha, nem aqueles cujas personagens que representam se mostram como oportunidade de explorar as habilidades cênicas, como o próprio Marx, sua esposa Jenny, e Engels.
Outro aspecto, e esse o mais evidente, se refere à contextualização histórica (não que o filme seja anacrônico, longe disso!). Na verdade, como ele falha em aprofundar os dramas pessoais, falha em fazê-lo também com os dramas históricos. Assim, não sentimos nem a tensão pessoal de Marx – gênio incompreendido pelos países por onde passa e pela intelectualidade daquele período, preocupado com a sociedade e consigo próprio, enquanto pai de família –, nem a tensão histórica do fim da primeira metade do século XIX, com as consequências funestas da Revolução Industrial para a classe trabalhadora.
Por outro lado, considerando aquele silenciamento referido no início, deve-se constatar que Peck acertou o suficiente para seu filme ser “aprovado”. Em um filme, creio, que pecar por falta de profundidade é melhor do que por ser raso: a primeira falta pode-se entender como uma dificuldade em adentrar em algo cuja abordagem trouxe à luz, de alguma forma; já a segunda falta nos leva a entender que em momento algum haveria possibilidade de ir além, a análise não saiu, nem teria como sair, do rés do chão. “O Jovem Marx” não é uma biografia sensacional – aliás poucas podem assim ser definidas –, mas é, quem sabe, a possibilidade de abertura do cinema para uma das maiores personagens da história da humanidade.
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