Ao lado de Pierrot Le Fou, Stalker é um dos filmes que mais me fez refletir sobre nossa condição humana. Quando fui definir esse filme pra um amigo só consegui exprimir ele em uma expressão: “uma porrada ideológica”. Seria mais que isso na verdade, seria um confronto direto entre as ideologias de três indivíduos que representam cada um, uma parcela da sociedade. E nesse confronto nós vemos o conflito do próprio ser humano... mas antes de falar disso, falarei um pouco do filme.
Há muitos anos, a queda de meteoritos em uma determinada região fez com que tudo que ali existia simplesmente sumisse. Após isso, o local adquiriu estranhas propriedade e passou a ser conhecido como a “Zona”. Logo, começou a circular o boato de que havia um lugar dentre da Zona que poderia realizar o desejo de qualquer um que fosse até lá, chamado o “Quarto”. Preocupado, o governo resolveu isolar a Zona pondo barreiras militares ao seu redor para impedir que a população se aventurasse lá. Alguns homens porém, desenvolveram habilidade suficiente para sobreviver na Zona, e foram chamados de Stalkers. Um dia, um físico e um escritor entram em contato com um desses Stalkers para guiá-los na Zona até o Quarto, sem saber ao certo o que procuram.
O filme já começa usando o recurso que mais será explorado posteriormente: o plano-sequência. Entre os créditos temos a câmera estática, registrando tudo. Depois, a câmera em movimento, lenta e observadora, na casa do Stalker. Se passam quase 10 minutos até vermos o primeiro diálogo. É essa característica a maior força do filme: o poder que retira da imagem. Nesses minutos sem uma palavra e apenas sons ambiente, nós percebemos tudo, tomamos consciência de toda situação da casa. Após isso vem o diálogo, e ai vemos que o filme traz uma intensidade carregada nas falas igualmente.
Conhecemos o Stalker, o primeiro dos personagens sem nome que acompanharemos. Um homem marcado, por seus problemas e as coisas que sofreu, e tomado por uma paixão estranha, a própria Zona. Depois conhecemos o Escritor, de fato um escritor, em aparente crise, não sabendo ao certo se existencial ou “inspiracional”. Ele é rico e famoso, mas ainda está insatisfeito, por isso busca a Zona em busca de uma resposta. Depois temos o Professor, físico renomado, do qual pouco sabemos. É acima de tudo, um homem racional e centrado. Não fica claro a princípio o porquê dele ir buscar a zona.
E logo que os três entram com contato, logo entram em conflito. Isso porque cada um é totalmente diferente: um vê as coisas com o coração, é o lado mais espiritual do homem; outro, é egoísta e vê o que quer, é o lado mais humano; enquanto outro apenas vê com a razão, sendo o lado mais racional do homem.
Assim, a jornada desses homens é marcada por fortes diálogos (alguns contendo citações líricas) e planos-seqüência maravilhosos, em que Tarkovski cria momentos inesquecíveis e sublimes. Porém, o filme, além disso, consegue manter a tensão no ar. Isso porque a Zona ainda é um lugar perigoso, em que o ambiente se volta contra as pessoas que desobedecem a suas regras. Assim, ao mesmo tempo em que temos a já citada “porrada ideológica”, temos também um ambiente de suspense único.
Não pode se esquecer também do próprio cenário do filme, e da imersão que ele cria. Isso se deve principalmente a fotografia. Quando fora da zona, a quase ausência de cores chega a sufocar o espectador. É tudo melancólico e sem esperança. O cenário é frio e devastado, cheio de ferro e poeira. Porém, ao adentrar na Zona, o filme ganha uma roupagem totalmente diferente, as cores aparecem, e o verde toma a tela. Entre as construções abandonadas da Zona, o lugar em que nunca se pode confiar num caminho, há uma beleza, também melancólica, mas única. Somando-se tudo a uma trilha sonora cuidadosamente acertada, e temos essa obra de genialidade cinematográfica.
Porém, é necessário ter certo carinho para ver o filme. Apesar de não ser uma obra de grande metragem, tendo duas horas e quarenta minutos, o filme é cansativo, talvez por seu andamento arrastado.
Ainda sim, Stalker é uma experiência cinematográfica única. Como minha primeira experiência com o cinema de Andrei Tarkovsky, me deixou fascinado.
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