Aos que, talvez pelo trailer, tenham a impressão de que 400 Contra 1, a primeira incursão do documentarista Caco Souza no cinema de ficção, é um filme sobre assaltos, fica o aviso: o filme não é sobre assaltos somente. É essencialmente um filme de prisão. E mais que um filme de prisão, é um filme sobre o nascimento de uma organização. Que é mais que uma organização, é um "comportamento".
O filme começa nos dando por um texto a informação essencial para o compreendermos: como, nos anos 70, no presídio de Ilha Grande, presos políticos e comuns eram postos lado a lado. Logo após somos levados aos anos 80, assistimos ao lado de fora de um banco em meio a um assalto, e depois de uma abertura estilizada em que nos são mostrados vários personagens e seus interpretes, somos levados aos anos 70, e vemos de perto o homem que seguiremos pelos próximos minutos: William da Silva(Daniel de Oliveira), "O Professor", assaltante de bancos em sua segunda ida ao presídio de Ilha Grande. Por suas palavras somos apresentados a realidade do presídio, a logo após começamos a conhecer os personagens que nos haviam sido apresentados antes, e que viriam a ser o princípio da organização que ficou conhecida como "Comando Vermelho".
Nos primeiros minutos o filme não respeita nenhuma ordem cronológica, e acompanhamos fatos em diversos anos entre 1970 e 1980. Isso gera uma certa confusão, é como se o filme fosse uma monte de retalhos. Porém, a partir de certo momento o filme começa a seguir de um ano, sem muitos desvios. E é como se recebesse-mos a linha para unir os retalhos, começando a dar forma ao filme. Um exemplo disso é a junção das fugas mostradas no começo, a como elas aconteceram, o que nos é mostrado depois.
O roteiro é enxuto, tal qual a duração do filme, que em seus 95 minutos resume uma história de 10 anos. Apesar de perder-se um pouco quando se aproxima do final, ganha reforço em uma cena forte, e memorável, dando sentido ao título do filme. Alia,cenas fortes e diálogos interessantes são a base do filme. Não se pode esquecer que o filme é também um retrato de uma época, a ditadura militar. Apesar de não serem tão bem aproveitada quanto possível, as cenas que exploram a relação entre os presos comuns e os presos políticos são pontos altos do filme. Além disso, a insatisfação dos presos com o regime, e suas opiniões, retratadas em diversas situações, rendem momentos interessantes. Também há de se destacar as cenas que mostram os primeiros assaltos do Comando Vermelho.
A fotografia do veterano Rodolfo Sanchez não difere muito de trabalhos anteriores, mas dá o tom certo as cenas que o filme constrói, principalmente as filmadas no presídio. Não é tão agradável ao olhar, mas nunca foi esse o objetivo. Um ponto que se deve destacar com certeza é a trilha sonora de Max de Castro, de muitíssimo bom gosto, tanto no instrumental como nas músicas que embalam momento marcantes. E é a trilha que dá um tom de grande "brasilidade" ao filme.
As atuações não são geniais, mas a competência de Oliveira como protagonista continua a prevalecer. O maior mérito do filme talvez seja aproximar tanto o espectador das personagens, de sua vida, suas lutas. Caco Souza talvez seja tido como fazendo uma apologia ao crime, mas isso seria irracionalidade de quem pronunciasse tal palavras. O que Caco faz é filmar pelos olhos de seu protagonista, é adentrar naquilo que retrata. É um filmar um filme sobre o crime pelos olhos de um criminoso. E mais que isso, não explorar somente o fato, mas também o humano por traz do fato. Saber os motivos de um crime jamais vai justificar tal ato, mas ao menos o torna compreensível, e é este o trunfo do filme ao nos passar as situações que fizeram aqueles homens tomarem tais atitudes.
Ainda que deixa a desejar em alguns aspectos, 400 Contra 1 mostra que o cinema nacional pode conseguir retratar uma história real usando de ficção sem perder a qualidade. É um filme que envolve e entretem. Não é genial, mas é um bom filme.
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