O Lugar Onde Tudo Termina (2012) - Review
A beleza bruta de ação e reação
Ao jogar uma pedra em um lago tranquilo, as pequenas ondas simétricas que se extendem por todo o espelho d'água compõem um dos mais belos efeitos naturais que existem. Um olhar mais lírico sobre este simples efeito revela também uma singela metáfora da natureza sobre a vida, que se agita de acordo com a ressonância de nossas decisões e ações no grande lago do destino. Assistir ao "Lugar Onde Tudo Termina" (The Place Beyond the Pines, 2012), novo filme de Derek Cianfrance, é o equivalente cinematográfico de contemplar esta física de ação e reação.
A primeira pedra que o cineasta joga em seu lago é Luke Glanton (Ryan Gosling), um motoqueiro acrobata que se apresenta em uma feira itinerante. Luke é um homem de poucas posses, tanto financeiramente quanto sentimentalmente, algo um tanto provocado por seu estilo de vida nômade. Mas o motoqueiro se vê obrigado a fincar raízes quando reencontra Romina (Eva Mendes), um antigo amor que lhe revela a existência de um filho. Luke decide então assumir sua condição de pai e manter a criança, mas esbarra na falta de dinheiro que o leva à assaltar bancos. Em um desses assaltos seu destino se cruza com o do policial Avery Cross (Bradley Cooper), e os atos de ambos geram consequências que ressoam por muitos anos.
Construído em três atos com histórias distintas e interligadas pelo acaso, o longa do diretor de "Namorados Para Sempre" (Blue Valentine, 2010) se estabelece inicialmente na figura de Luke, que dá o tom do que vem a seguir. Gosling brilha no papel do motoqueiro, interpretando-o com uma grande dose de mistério, carisma, tristeza e brutalidade contida que o aproximam de seu personagem em "Drive" (idem, 2011). Luke é um espectador de sua própria vida, ligado no piloto automático que todas as noites o faz superar o globo da morte são e salvo. Quando de repente ele precisa assumir o controle, descobre que sua vida solitária o tornou inapto à convivência com outros, marginalizando-o socialmente. Este choque de realidade faz crescer a angústia dentro de si, que transparece cada vez mais em seu semblante permanentemente marcado pela tatuagem de uma lágrima no canto do olho. A vida do crime não é apenas um meio de sustentar seu filho financeiramente, como também uma válvula de escape para o desespero acumulado. Por isso ele viola as orientações do ladrão veterano e seu amigo Robin ("sem armas, sem violência"), e sem nada a perder o personagem queima intensamente como uma chama fugaz e cheia de brilho no espaço dado pelo diretor.
A colisão de seu destino com o do policial Avery Cross provoca uma transição de protagonistas e uma grande mudança na dinâmica do filme , feita sutilmente por Cianfrance, em uma cena de perseguição realista e documental que denuncia a experiência prévia do diretor no gênero. O papel de Avery não tem a mesma intensidade de Luke, e por isso Bradley Cooper não preenche a tela como Gosling. Ainda assim, seu trabalho é feito com a competência habitual que aos poucos lhe consolida como um grande ator. Assim como Luke, Avery também é solitário. Mas não é a solidão social que lhe aflige, e sim a solidão moral, igualmente perniciosa. O policial se sente desligado de sua família, que não compreende seus ideais, e de seus colegas de trabalho, que representam tudo aquilo contra o qual deseja lutar. Preso em um mundo de hipocrisia, corrupção e corporativismo, Cross anseia por assumir o controle e fazer a diferença. Por isso o policial se sente de alguma forma ligado à Luke: não é apenas o remorso por uma criança sem pai, mas também o sentimento de que naquela foto de família do motoqueiro também havia um homem tentando fazer a diferença, ainda que por meios condenáveis.
A grande ironia é que Avery, em sua ânsia por fazer a coisa certa em grande escala, acaba alimentando um ciclo trágico ao negligenciar seu filho AJ (Emory Cohen). Aqui o diretor Cianfrance novamente altera o eixo do filme, mas a sutileza é apenas narrativa. Há uma passagem de tempo de quase 2 décadas que não é feita com a atenção necessária à caracterização dos personagens (somente a personagem de Eva Mendes apresenta os sinais do tempo), algo que destoa da qualidade geral da obra mas não chega a prejudicar. Criado sem a presença de seu pai mas sob sua proteção influente, AJ já se tornou um garoto revoltado e arrogante quando seu caminho cruza com o de Jason Glanton (Dane DeHaan, em grande trabalho), filho do motoqueiro Luke. Jason é um garoto problemático que nunca entendeu a falta do pai, e sua fisionomia franzina simboliza a pressão social da solidão que o esmaga desde o seu nascimento. A presença perigosa de AJ amplifica ainda mais os problemas de Jason, que não tem forças para impedir que sua vida saia dos trilhos como um trem desgovernado, e pela segunda vez Avery acaba prejudicando a vida do garoto Jason, ainda que involuntariamente.
Durante todo o tempo, Cianfrance mantém seus personagens deslocados para ressaltar todas as formas de isolamento às quais são submetidos. Luke destoa das cenas diurnas como uma sombra no meio da luz, e Cross não se sente bem na invasão ilegal noturna que seus colegas policiais empreendem à uma casa de família, por exemplo. O cineasta também utiliza muitos planos fechados e cenários apertados para provocar uma sensação claustrofóbica que sufoca personagens e público. Não há qualquer coisa que alivie a tensão do longa (seja textualmente ou visualmente) e isto contribui para manter o filme em um constante clímax, tornando cada um dos 140 minutos de projeção em pedaços das vidas brutas impostas aos personagens. Cianfrance segue os personagens com sua câmera como se este fosse um documentário de suas vidas, dando ao longa um aspecto assustadoramente realista, verossímil ainda que o diretor leve o acaso ao seu limite.
Sendo esta uma das primeiras ficções do diretor, eram previsíveis as pequenas arestas em sua concepção. O que não era esperada, entretanto, era a capacidade do longa em imergir o espectador em seu mundo, construído em uma escala narrativa tamanha que lhe confere uma aura épica. Ambicioso, Derek Cianfrance compõe uma obra com ares de tragédia grega, sobretudo quanto aos temas parentais que abrange. A montagem do filme captura bem a idéia de "efeito borboleta", com cada ação dos personagens repercutindo no futuro dos demais, e mesmo aqueles que ficam pelo caminho permanecem presentes influenciando os rumos da história. Mas apesar das aparências o diretor não é pessimista, e sua história culmina em uma surpreendente nota positiva de esperança. "O Lugar Onde Tudo Termina" é uma experiência poderosa, bruta como a pedra que se choca com um espelho d'água tranquilo, mas bela como o caminho suave das águas no lago metafórico do destino.
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