Homem de Ferro 3 - Review
O que faz de alguém um herói? É essa a pergunta que move "Homem de Ferro 3", dirigido por Shane Black. E a resposta virá na forma mais brutal possível para Tony Stark (Robert Downey Jr.), não restando outra alternativa ao bilionário senão encontrar seu heroísmo dentro de si próprio, e não na segurança de seus casulos de aço fortemente armados.
Após os acontecimentos de Nova York em "Os Vingadores" (2012), um traumatizado Tony Stark constrói obssessivamente armaduras em sua casa. Sofrendo ataques de pânico e ansiedade, Tony não quer deixar de habitar suas armaduras, aperfeiçoadas constantemente e vistas por ele como a última linha de proteção de sua própria vida bem como daqueles que ama, principalmente Pepper Potts (Gwyneth Paltrow). No entanto, quando uma nova ameaça surge na figura do terrorista Mandarim (Ben Kingsley) e atinge seu amigo Happy Hogan (Jon Favreau), Tony demonstra toda sua arrogância e impulsividade ao jurar vingança e desafiar o vilão em rede nacional.
Logo começa a lição mais perigosa da vida de Stark: ele não é invencível. Mesmo todos os seus equipamentos com a mais avançada tecnologia, frutos de uma conta bancária inesgotável, não serão suficientes frente um vilão sem qualquer escrúpulo que não hesita em esmagar qualquer ameaça em seu caminho. Portanto não demora para que a retaliação bata sem aviso na porta de Tony, mostrando um inusitado pragmatismo de Mandarim, que não desperdiça tempo fazendo ameaças vazias ao herói e apenas o vê como uma mera pedra em seu sapato. Sua destruição é apenas um meio do vilão atingir seu objetivo, e não um fim propriamente dito, fato que por si só ja diferencia o vilão de "Homem de Ferro 3" do habitual clichê.
Entretanto, é difícil falar mais sobre o Mandarim sem entregar a manobra mais interessante do roteiro, e esse é justamente o ponto mais delicado do filme. Apenas pode-se dizer que Ben Kingsley foi mal aproveitado. Desde as primeiras fotos de divulgação do filme, a caracterização estilosa de Kingsley criou grande expectativa, corroborada logo nos primeiros minutos de projeção por uma interpretação intensa do ator, aumentando a sensação de perigo representada pelo vilão e deixando claro que ele definitivamente não está para brincadeira. E justo quando começamos a conhecer melhor o personagem, sua importância na trama é diminuída drasticamente ao dividir a cena com outro antagonista, o cientista Aldrich Killian (Guy Pearce).
Não que Guy Pearce faça um trabalho ruim, pelo contrário, sua performance concentrada contribui para o tom realista do filme na medida que constrói o personagem sem exageiros, com força suficiente para também ser uma ameaça para o protagonista. Mas Kingsley é excepcional, e seu Mandarim tinha tudo para ser um personagem memorável no rol dos filmes da Casa das Idéias caso mostrasse um pouco mais de sua rica história e habilidades (como seus 10 Anéis). Afinal de contas, trata-se não somente do principal inimigo do Homem de Ferro, como também de um dos mais importantes vilões de todo o universo Marvel nos quadrinhos. O truque de roteiro é compreensível e foi bem executado; a reviravolta é interessante. Funcionou de um ponto de vista puramente cinematográfico, mas ao mesmo tempo provavelmente irá incomodar aqueles que esperavam por algo um pouco mais fiel às HQs, e por isso pode ser tanto uma grande virtude quanto uma fraqueza do filme de Shane Black.
Falando no cineasta, justiça seja feita: o longa é bem conduzido. Black parece habituado ao terreno da franquia. Substituindo Jon Favreau, diretor dos dois primeiros filmes, o "novato" traz na bagagem toda a experiência adquirida em mais de 20 anos pilotando o roteiro de filmes de ação, notavelmente da franquia "Máquina Mortífera". Bem contextualizado no plano-piloto da Marvel para seus heróis no cinema, "Homem de Ferro 3" funciona como uma espécie de sequencia d'Os Vingadores e faz referências diretas ao acontecimentos deste. No entanto, o filme de Black também é uma sólida experiência autônoma, com suas próprias cenas incríveis que exploram com maior criatividade os recursos disponíveis. Ademais, seu roteiro coerente e bem escrito traz um surpreendente tom crítico anti-patriota, uma ousadia incomum em produções do gênero.
E a inteligência do script não pára por aí. Embora o diretor imprima sua marca de ação e tiroteios ao filme, tem plena consciência de que a qualidade da história não está apenas na força bruta, mas também na sutileza do desenvolvimento dos personagens. Principalmente Tony Stark. Novamente Robert Downey Jr. se confunde com o próprio personagem, e aqui há espaço para aprofundar ainda mais sua história. Entre uma cena de ação e outra, fica evidente o progresso psicológico de Tony. No início do filme vemos a mente perturbada do herói, que projeta seu ego nas armaduras e passa a considerá-las parte de si. Sem elas Stark é apenas um homem fragilizado, ao passo que a blindagem lhe devolve a confiança própria de seu jeito de ser.
Mesmo a idéia de uma armadura que responde a implantes no seu corpo remete ao conceito de homem e máquina fundidos em um só, até que o ataque de Mandarim subitamente lhe arranca essa proteção e expõe a fragilidade de seu verdadeiro eu. Fora de sua bolha, porém, pouco a pouco Stark incorpora novamente seu ego e percebe que seu heroísmo independe de qualquer uma de suas mais de 40 armaduras. Aqui cabe uma ressalva: a alta quantidade de modelos prejudica um pouco a ação do filme e cria um paradoxo, ja que o protagonista as controla remotamente e está presente em todas as cenas, mas não em todas as lutas. Em outras palavras, falta Homem de Ferro em ação no meio do filme, mas em contrapartida a mensagem é clara: cada modelo pode ser especializado em algo mas são todas frutos de um mesmo criador, e somente Tony é o herói completo na amplitude de todas suas qualidades e defeitos. O personagem então evolui para chegar à conclusão de que o Homem de Ferro não é algo construído numa oficina, mas sim parte de si.
Fica claro, portanto, que "O Homem de Ferro 3" é um filme muito mais focado em seus personagens, sem deixar de lado seu DNA de filme de super-herói. O roteiro de Shane Black soluça eventualmente e o final poderia ter sido menos corrido, deixando em seus 2 minutos finais uma impressão de que o orçamento havia acabado e não haviam mais recursos para filmar. Ainda assim, no balanço final o roteiro é filmado com a mesma inteligência com que foi escrito, e não há dúvidas que o cineasta faz bom uso da pequena fortuna gasta em efeitos especiais. O arco do Mandarim não irá agradar ao mesmo tempo à gregos e troianos, assim como a opção por retirar Tony da ação no meio do filme para permitir a introspecção do protagonista. É diferente, mas funcionou num olhar dramático, e certamente compõe uma obra acima da média e melhor que sua antecessora. Ao final chegamos na mesma conclusão que Stark, nas palavras do eterno Christopher Reeve: um herói é um indivíduo comum que encontra a força para para perseverar e resistir apesar dos obstáculos devastadores. E isto é mais forte que qualquer armadura.
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