O Homem de Aço (2013) - Review
Corte seco na ambição desmedida
Depois de "Os Vingadores" (The Avengers, 2012) lotar a caixa-forte da Marvel com 1 bilhão e meio de dólares em apenas duas semanas, a batata quente de superar a rival caiu no colo da D.C. Um possível filme da Liga da Justiça passou a ser pauta de todas as coletivas envolvendo executivos da empresa, sob bombardeio constante de jornalistas representando uma base de fãs gigantesca e ávida por finalmente ver seus heróis favoritos unidos e bem representados na telona. Copiando a estratégia cinematográfica da Casa das Idéias, a D.C. anunciou "O Homem de Aço" (Man of Steel, 2013) como ponto de partida para um futuro filme da Liga, nos moldes de "Capitão América: O Primeiro Vingador" (Captain America: The First Avenger, 2011).
Diferente do Capitão, porém, o Super-Homem já vinha com uma carga de problemas anteriores nas costas. Após o fracasso de seu último filme "Superman - O Retorno" (Superman Returns, 2006), bem como a recente valorização de heróis inescrupulosos e suas histórias "realistas", o Super sofreu com uma drástica perda de relevância e seus dias de glória pareciam pertencer à era longínqua de Christopher Reeve. Ainda assim, o personagem é peça-chave no grande esquema financeiro da D.C, não podendo ser abandonado em respeito aos seus fãs e ao enorme monte de dinheiro esperando para ser arrecadado.
Nesse contexto, "O Homem de Aço" vem com a missão de devolver brilho ao personagem e iniciar o planejamento da D.C. para seus heróis no cinema. E o filme começa bem, com uma batalha em larga escala que incorpora elementos de "Duna" (Dune, 1984) e "Avatar" (idem, 2009). A cena faz parte do prólogo da história, onde um cataclisma iminente ameaça toda a vida no planeta Krypton e leva Jor-El (Russel Crowe) e sua esposa Lara Lor-Van (Ayelet Zurer) à um último esforço para salvar a vida de seu filho. Acusando o governo de não agir diante da catástrofe anunciada, o General Zod (Michael Shannon) tenta um golpe militar para punir aqueles que pensa serem os culpados pela destruição de seu planeta natal. No meio da guerra o bebê Kal-El é enviado para a Terra, onde é encontrado pelo casal Jonathan e Martha Kent (Kevin Costner e Diane Lane), que lhe dá o nome de Clark e o cria como um filho. Exatamente 33 anos depois - a semelhança com Jesus Cristo não é por acaso - Clark (Henry Cavill) é um adulto com grandes poderes, mas pouca compreensão de seu passado e seu lugar na sociedade. Mas quando a ameaça de Zod chega à Terra, Clark precisa assumir sua posição de salvador da raça humana de uma vez por todas.
Os créditos iniciais apontam o diretor Zack Snyder como o capitão do longa, porém o que mais chama atenção é que este não se parece em quase nada com um filme de Zack Snyder. Desde os primeiros minutos, a película cinzenta e lavada indica a presença do espectro de Christopher Nolan, que paira sobre toda a fita. Ocorre que, na tentativa de sintonizar "O Homem de Aço" com a recente trilogia do Batman, a Warner Bros. Pictures encarregou Nolan da produção e script deste filme, o que levou à muitas semelhanças com os longas do Cavaleiro das Trevas. Só que no mundo da Sétima Arte nem sempre 2 + 2 é igual a 4, e a insistência dos executivos em tal obviedade matemática por vezes prejudica o resultado final. O tom escuro (tanto visual quanto temático) fazia sentido no ambiente de profunda decadência moral que era Gotham City, daí veio o "realismo" que elevou a trilogia do Morcego de Nolan. Só que Metropolis não é Gotham, e o Super-Homem é um herói que por natureza é mais positivo que o Batman, o que não se traduz na tela e é a principal fonte de estranheza no filme de Snyder.
Alimentando este tom negativo, o roteiro de David S. Goyer (responsável por toda a trilogia do Batman e o futuro filme da Liga da Justiça) também não contribui para dar ao filme o calor humano perdido na frieza da fotografia. O ponto alto é o foco nas relações de pai e filho entre Clark e seus pais adotivo e biológico. É interessante o olhar sobre a infância do herói, criado em uma comunidade conservadora no interior do Kansas, sofrendo por suas qualidades bem diferentes das demais crianças. Na pele de Jonathan, Kevin Costner entrega um personagem afável que ensina ao jovem Clark as consequências de seus poderes, e Russel Crowe faz de Jor-El um guia nobre e sábio, ainda que um pouco robótico por conta de suas aparições na forma de holograma. Este destaque para as relações dos personagens é um dos maiores atrativos do filme, mas ao contrário do esperado, a opção do roteiro por uma narrativa não-linear joga a maior parte deste esforço sentimental por água abaixo. Misturada com o vício de Snyder em cortes secos que mudam os planos do longa constantemente, a narrativa pontuada por idas e vindas temporais desconecta o público dos personagens frequentemente sob o ponto de vista sentimental, à um nível em que quase não é mais possível distinguir imediatamente o presente de flashbacks e alucinações.
No meio do script confuso está um elenco digno de Oscars, que faz o que pode com seus papéis. Henry Cavill - que, vejam só, também fez testes para o papel de Batman que ficou com Christian Bale - dá ao Super-Homem um ar amigável e uma brutalidade contida, fruto de seu conflito entre defender os terráqueos e enfrentar seus conterrâneos, onde seu bom caráter prevalece. Não há que se falar da ênfase no título de "Salvador" dado ao homem de aço, já que o aspecto messiânico faz parte de sua idealização nos quadrinhos, sendo portanto um acerto de Snyder e não um defeito do longa. Auxiliado por uma caracterização bem elaborada, Cavill se adapta ao personagem e o afasta do ridículo, mas o destaque fica mesmo por conta do General Zod pluridimensional de Michael Shannon. O ator capta bem todas as nuances do antagonista, que é talvez o papel mais rico do filme, e seu trabalho é tão competente que quase nos convence de suas motivações. Trata-se de um homem (ou alienígena, como preferir) obcecado em proteger a memória de seu lar, Krypton, e seu desespero provoca uma certa pena e até mesmo simpatia, o que acaba por diminuir um pouco o peso da motivação do Super em "neutralizar" a ameaça.
Quanto ao resto do elenco, a maioria é deixada de lado e por isso não inspiram críticas ou elogios, mas é impossível não mencionar a Lois Lane de Amy Adams.
Trata-se de uma atriz competente, quatro vezes indicada ao Oscar e ao Globo de Ouro, mas que nada pode fazer diante de uma personagem tão mal escrita. Somos apresentados à Lois como uma mulher forte, decidida, que trafega naturalmente por ambientes masculinos sem se intimidar, mas que de uma hora pra outra se transforma em uma mulher vulnerável e apaixonada sem qualquer motivo senão a figura do Super-Homem. O impacto sentimental da personagem na trama é nulo e ela acaba condenada a vagar sem real propósito por cenas aleatórias, à exemplo do "interrogatório" do Super, e à bordo de um avião militar em uma missão de suma importância para a solução da ameaça trazida por Zod. Por que uma simples repórter faria tudo isso? Eu não sei, e aposto que o diretor Snyder também não.
Por isso mesmo com toda a ingerência de Nolan em seu trabalho, não dá para inocentar Zack Snyder. Sua filmografia pode ser irregular, mas o diretor já provou ser capaz de filmar quadrinhos ao assinar duas grandes adaptações: "300" (idem, 2006) e "Watchmen - O Filme" (Watchmen, 2009). Portanto não se trata de um iniciante contratado pelo estúdio para ser facilmente manipulado, razão pela qual deve ser responsabilizado por sua submissão. Somente quando Snyder ganha liberdade para montar o terceiro ato é que o filme ascende e brilha nas cenas de ação. É acertada a escolha de Zod para o posto de vilão, capaz de lutar de igual para igual com o Super-Homem e render batalhas grandiosas que arrasam alguns quarteirões de Metropolis, lembrando o anime "Dragon Ball Z". Afoito, Snyder parece liberar de uma vez todo o impulso reprimido anteriormente e imprime aos últimos 30 minutos um ritmo de ação ininterrupta por vezes confusa. Ainda assim, é inegável o talento do diretor para trabalhar o movimento em suas cenas, como o conflito final entre Zod e o Super, que simboliza o embate entre liberdade e determinismo. É uma pena que cenas desse tipo não estejam balanceadas com o resto do filme, que acaba reduzido à muitas explosões enormes e pouca atenção ao desenvolvimento de seu lado humano.
O resultado é uma casca cinematográfica vazia, muito abaixo das expectativas para aquele que prometia ser o reboot definitivo de um herói icônico. Justiça seja feita, as cenas de ação empolgam aqueles que procuram diversão efêmera, estabelecendo a ficção científica de Snyder como uma boa opção somente para o fim de semana. Mas a ambição de sua obra é satisfazer os anseios da Warner e da D.C. ao abrir caminho para um filme da Liga da Justiça, envolvendo o longa em um projeto muito mais duradouro. O problema todo é estabelecer essa pedra fundamental a partir de uma trilogia já finalizada e que não foi pensada para funcionar nesse plano de ação, sacrificando a própria identidade do Super apenas para pegar carona no sucesso de um herói totalmente diferente - o Batman.
Em dado momento, Clark Kent explica que "o S da roupa no meu planeta significa esperança". Só faltou alguém dizer à ele que o "$" na Terra simboliza principalmente as cifras monetárias, que os estúdios tanto anseiam em receber. Com sua película escura, sem vida e portanto incapaz de transmitir qualquer sentimento, a única esperança que o filme de Snyder provoca é a de que os próximos filmes da D.C. sejam melhores. Só assim vão colocar o planejamento de volta nos trilhos e, enfim, enfrentar a hegemonia cinematográfica da Marvel de igual pra igual. Uma batalha onde nós, os espectadores, só temos muito a ganhar.
Comentários (0)
Faça login para comentar.
Responder Comentário