Segurança e estabilidade em excesso
Quando estão juntos, Vince Vaughn e Owen Wilson merecem a confiança do público. Da última vez em que estiveram reunidos, o resultado foi a comédia eficiente "Penetras Bons de Bico" (Wedding Crashers, 2005), cujo sucesso de bilheteria se deu em grande parte por conta da afinada sintonia da dupla. "Os Estagiários" (The Internship, 2013) reúne os atores novamente na tentativa de reproduzir a fórmula testada e aprovada anteriormente, e talvez seja este o maior defeito do longa dirigido por Shawn Levy: acorrentado à padrões pré-estabelecidos que abafam qualquer centelha de criatividade, e vigiado de perto pelo alvo de seu humor, o filme é condenado à trilhar caminhos seguros e tranquilos que, embora não ameacem a carreira de suas estrelas, certamente não lhes levarão a lugar algum.
Como não poderia deixar de ser, a história formulaica acompanha os amigos Billy McMahon (Vaughn) e Nick Campbell (Wilson), dois experientes vendedores de relógios de pulso cujas carreiras naufragam na maré de transformações provocadas pela tecnologia e seus smartphones onipresentes. Sem qualquer outra habilidade além de uma lábia carismática, os caras logo ficam perdidos no mercado profissional. Parece não haver lugar para dois indivíduos analógicos na era digital, até que Billy tenta a sorte ao se inscrever junto com Nick para uma vaga de emprego no Google. Só que para chegar lá é preciso primeiro superar um estágio, que lembra uma espécie de gincana onde apenas a equipe vencedora será contratada definitivamente. Perdidos em meio aos jovens nerds e longe de terem a mesma afinidade deles com a tecnologia, Billy e Nick terão que utilizar suas habilidades sociais do passado se quiserem destaque nesta multidão competitiva do futuro.
Por esta sinopse já dá pra perceber que o filme se apóia largamente na dinâmica entre os protagonistas, que de fato se revela um dos pilares mais fortes do longa. Construída durante anos por uma das maiores parcerias de Hollywood, a amizade de Vince Vaughn e Owen Wilson fora das telas se traduz em química verdadeira entre Billy e Nick, tornando a relação de ambos verossímil e sincera. Por isso é interessante o brilho fraternal que emana até mesmo de seus diálogos mais cafonas, que soariam estranhos na boca de atores interpretando conhecidos em um set de filmagens, mas despontam como algo natural vindo de dois caras que vivenciam a própria camaradagem. Como resultado, é fácil simpatizar e torcer pelo sucesso da dupla, assim como sentir uma ponta de dor com seus fracassos profissionais, problemas estes tão comuns que não deixam de ser um pedaço da realidade de todos nós, mas aqui são sempre encarados com um revigorante otimismo inabalável.
É claro que essa compreensão sentimental do roteiro é favorecida pela assinatura do próprio Vince Vaughn, em parceria com Jared Stern (Os Pinguins do Papai, 2011). E este seria basicamente o único atrativo da história elaborada por Vaughn, se não fosse o elemento tecnológico simbolizado na figura titânica do Google. Diferente do Facebook que esnobou "A Rede Social" (The Social Network, 2010), um dos maiores inquilinos do Vale do Silício abriu suas portas para que o longa fizesse de suas dependências os principais sets de filmagens, o que ajudou muito na ambientação. Afinal, em que outro lugar haveria um carro circulando sem motorista? De olho em melhorar sua imagem frente à inúmeros escândalos de violações à privacidade de seus usuários, a empresa trocou a publicidade gratuita do filme pelo monitoramento atento de seu conteúdo. Mas o filme saiu em desvantagem nessa negociação, pois a ingerência em do Google em todas as etapas de produção enfraqueceu muito a comédia ao podar sua liberdade em satirizar este mundo estranho onde a produtividade é a única divindade a ser idolatrada, custe o que custar.
Dessa forma a sátira em potencial é morta na raíz pelo próprio Google, substituindo o que poderia ser uma competente sitcom por algo que se assemelha à um vídeo promocional do Leviatã digital, sufocando a comédia em ares de admiração pueril. Os únicos vestígios que sobram para provar que um dia este filme teve consciência própria é uma breve reflexão sobre a situação econômica precária do mundo, prejudicial à jovens e adultos igualmente; e uma cena da personagem Dana (Rose Byrne, subutilizada), executiva sempre ocupada que, ao se deparar com a personalidade relaxada de Nick e se lembrar de ser uma mulher antes de uma engrenagem nessa máquina gigantesca, finalmente se dá conta de ter entregue sua vida pessoal ao trabalho. Trata-se de uma denúncia tímida de que "o melhor ambiente de trabalho do mundo" nada mais é do que um expediente ardiloso para que os funcionários doem suas almas por boa vontade, seduzidos pelo canto da sereia capitalista.
Sob a vigilância de Larry Page e Sergey Brin, entretanto, é óbvio que este argumento jamais veria a luz do dia caso ousasse buscar uma maior profundidade. Por isso, acaba reduzido à mais uma página de roteiro dentre tantas ocupadas em manter o filme em trilhos retos, repetindo a fórmula já explorada à exaustão no gênero. Resta acompanharmos enquanto Billy e Nick tentam superar o abismo entre eles e os jovens que preenchem sua equipe na gincana dos estagiários. Falta de originalidade à parte, é interessante ver as diferenças de comportamento advindas dos 20 anos que separam a Geração X da Geração Y, cujo choque inicial dá lugar à cooperação (e companheirismo) quando todos aprendem a lidar com as diferenças. Tal clichê funciona sob um ponto de vista sentimental, sobretudo porque Vaughn e Wilson convencem como involuntárias figuras paternais, mas não é tratado de uma forma que possibilite muitas risadas. À menos que "ensinar os jovens nerds a se divertirem na night" (opa, outro clichê) tenha se tornado matéria-prima de uma comédia familiar preocupada com seu objetivo principal: fazer rir.
Não que o filme jamais atinja as notas desejadas, vide o humor inadequado de Will Ferrell (que brilha em sua única cena) e uma ou outra sequência criativa, mas quando o faz geralmente é por pouco tempo, e de uma forma gasta pela repetição. O longa até mesmo se dá ao luxo de utilizar John Goodman em uma ponta supérflua, como se tivesse piadas de sobra e a experiência cômica do ator não fosse necessária. A falta de ousadia e a primazia dos clichês são mesmo as duas coisas que poderiam ser esperadas da obra de Shawn Levy (Uma Noite no Museu, 2006), mas o valor que o diretor dá aos princípios morais e o talento cômico natural de Vince Vaughn e Owen Wilson fazem desta uma comédia inofensiva demais, que não recorre à estereótipos e respeita a inteligência do público, mas que se apóia excessivamente no charme e talento de seus protagonistas, e acaba sendo abafada pelo próprio roteiro formulaico.
Previsivelmente, tudo se conclui em uma cena que remete à Dumbledore anunciando os vencedores da Copa das Casas. Mas o Google não é Hogwarts, e no mundo real de hoje os 95% que formam a multidão de perdedores voltam a encarar o desemprego. No passado, o Cinema das grandes crises econômicas cultuava os indivíduos que buscavam se diferenciar da massa ao subverter os valores para sobreviver, dando origem à Poderosos Chefões adorados dentro e fora das telas. "Os Estagiários" vai na contramão ao focar pessoas que desejam ardentemente fazer parte desta mesma massa que lubrifica as engrenagens. Trata-se de uma comédia, é verdade. Ainda assim, é uma pena que fique presa na assepsia do googleplex e não aproveite a oportunidade criada por si mesma para satirizar todo esse sistema com inteligência. Por isso este não é um filme que faz jus à suas estrelas veteranas, mostrando Vaughn e Wilson como simples estagiários do gênero.
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