Além da Escuridão - Star Trek (2013) - Review
O Universo nas mãos de J.J. Abrams
O diretor J.J. Abrams se tornou um dos profissionais mais requisitados em Hollywood, disputado à tapa por diversos estúdios à procura de alguém competente para revitalizar suas franquias, e uma breve análise de seus trabalhos recentes logo revela o motivo. Polivalente, Abrams flutua por séries de tv e longas-metragens com a mesma naturalidade, espalhando seu Toque de Midas tanto em obras originais (como "Lost", "Fringe", e "Super 8", de 2011) quanto franquias já estabelecidas, à exemplo de "Missão Impossível" e "Star Trek". Capitaneada pelo cineasta, esta última saiu em 2009 de um perigoso ostracismo para conquistar um novo público, em sua maioria alheio à seu passado glorioso.
Em "Além da Escuridão" (Into Darkness), Abrams exercita novamente seu talento em atualizar histórias clássicas sem abandonar os fãs antigos da franquia. O resultado é um blockbuster leve, ágil e divertido, cuja maior qualidade é resgatar o otimismo inspirador que sempre foi a principal marca d'agua de Star Trek. A história começa com uma nova missão da tripulação da USS Enterprise em um planeta primitivo, onde Spock (Zachary Quinto) arrisca sua vida para impedir a erupção de um vulcão capaz de matar todos os nativos. Quando as coisas dão errado, o capitão James T. Kirk (Chris Pine) toma a decisão de salvar a vida de Spock, violando a Primeira Diretriz ao expôr a Enterprise aos nativos. Kirk perde o comando da nave ao retornar à Terra, mas a ameaça terrosita do agente traidor John Harrison (Benedict Cumberbatch) é o suficiente para fragilizar a Federação, que necessita de todos os recursos disponíveis e põe Kirk no encalço do fugitivo Harrison.
Logo na primeira cena a fotografia do filme se destaca por sua beleza, seja em planos abertos sem medo de explorar as paisagens dos planetas alienígenas, quanto em cenas de menor escala em ambientes fechados, à exemplo da própria Enterprise. Comentar os aspectos técnicos do filme de Abrams é chover no molhado levando-se em conta o bom olho do cineasta para ficção científica, mas aqui ele conta com uma aliada poderosa além de sua direção de arte criativa: a empresa Industrial Light & Magic, que assina os efeitos especiais de grandes produções como "Star Wars Episódio V: O Império Contra Ataca" (1980), "E.T. - O Extraterrestre" (1982) e, mais recentemente, "Avatar" (2009). Velha conhecida de Abrams em outros carnavais, entre eles o antecessor deste longa, a ILM cria cenários digitais que transpiram vida, fazendo uso de uma palheta de cores variada que ressalta com naturalidade as tonalidades otimistas buscadas pelo diretor.
Só que J.J. Abrams não é Michael Bay (culpado pela trilogia "Transformers"), e tem consciência que a alma de um filme não se constrói apenas com bytes e polígonos, mas principalmente com o suor e talento de seu material humano. Por este motivo, o diretor reúne novamente o elenco do filme anterior, aprofundando o desenvolvimento de alguns personagens e extendendo o papel de outros. A tenente Uhura é uma das personagens beneficiadas, dando à atriz Zoe Saldana um papel mais longo e pró-ativo. O roteiro também consolida de vez a amizade de Kirk e Spock, em uma dinâmica interessante de Chris Pine e Zachary Quinto que ganha força nas ótimas interpretações da dupla.
Todos estes papéis bem trabalhados são uma prova da habilidade de Abrams para ressaltar as qualidades individuais de seu elenco, mas se ainda restam dúvidas basta analisar o belíssimo trabalho de Benedict Cumberbatch. O ator britânico tem uma presença de cena gigantesca na pele de John Harrison, compondo um vilão brutal que destoa nos cenários pacíficos da Federação e parece em seu habitat natural na desolação klingon, transmitindo uma sensação de inquietude constante aos demais personagens e ao público. Embora os outros atores façam bons trabalhos, seus papéis são de certa forma unidimensionais, à exemplo de Spock que demora a sair de seu campo estritamente racional digno de um vulcano. Não é o caso de John Harrison. Cumberbatch incorpora uma ferocidade que faz de Harrison uma força da natureza, com motivos surpreendentemente alheios à pura e simples loucura (como o Coringa de Heath Ledger), preservando um fio de nobreza que confunde à todos e possibilita até mesmo uma certa simpatia com o personagem.
Este papel é não apenas a chance de Cumberbatch confirmar sua ascensão cinematográfica, como também o elemento que movimenta todo o filme e é apenas mais um dos segredos do roteiro escrito à 3 mãos pelo mesmo time responsável por "Star Trek" (2009). Equilibrando ação, desenvolvimento de personagens com toques de mistério, o texto adapta elementos daquele que é considerado um dos melhores filmes da franquia: "Star Trek II - A Ira de Khan" (The Wrath of Khan, 1982). A habilidade do time criativo faz com que toda a seriedade de John Harrison não torne o filme desnecessariamente pesado, devido ao humor cuidadosamente temperado apenas para manter o saldo otimista (à exemplo do engenheiro Scotty, de Simon Pegg), sem desencadear para o pastelão.
Por isso "Além da Escuridão" contraria a recente tendência de "escurecer"o universo de ícones pop, como se as obras clássicas tivessem que abandonar todos os vestígios de otimismo e mergulhar seus heróis num mundo corrompido, caso quisessem fazer sucesso com o público atual. Apesar de seu nome, a obra de J.J. Abrams é um blockbuster de ação que não tem medo de divertir e SE divertir, ainda que sua história seja tratada com todo o respeito devido à lendária série de Gene Roddenberry. O domínio e compreensão que o diretor tem sobre os materiais que adapta explicam o motivo de ter em suas mãos os universos de Star Trek e Star Wars (pelo qual também é agora responsável ), historicamente considerados por muitos como "antagônicos" em suas características. Talvez os estúdios estejam finalmente se dando conta que não é tão difícil revitalizar suas franquias, apenas basta escolher alguém capaz de dar à elas vida longa e próspera que merecem.
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